Fábio Gondim, Consultor do Senado Federal e ex-secretário de Estado

O governo do Distrito Federal segue “privatizando hospitais” como se pudesse, também, privatizar a responsabilidade pelo atendimento à população

Por Fábio Gondim*

Saúde representa, sem sombra de dúvida, uma das principais políticas públicas do país. Por meio da boa assistência à saúde pública é que garantimos a dignidade e o mínimo de igualdade entre os cidadãos de todas as classes sociais. Justamente por isso é que a saúde é pauta constante das discussões políticas e integra o plano de governo de qualquer candidato que tenha a pretensão de se eleger.

Uma das questões que têm suscitado debates e controvérsias diz respeito ao modelo de gestão que melhor se encaixa em relação às características e especificidades da saúde pública no Distrito Federal. Os candidatos ao melhor modelo são a administração direta, fundações, organizações sociais, empresas públicas e institutos. A dúvida que, de fato, está por trás de toda a questão é se devemos gerir as unidades de saúde diretamente, com servidores concursados e obediência à lei de licitações, ou se podemos delegar a gestão a instituições de direito privado, com salários “de mercado” e maior flexibilidade nas compras.

Na verdade, a escolha do modelo tem sido distorcida por todo tipo de parcialidade ideológica e pela falta de técnica de gestão, levando os gestores e, às vezes, a própria população a escolhas equivocadas.

De fato, muito frequentemente, a gestão direta ineficiente é confundida com a própria impossibilidade de gestão. O cidadão que se propõe a gerir a saúde, muitas vezes é escolhido por meio de critérios puramente políticos e não tem capacidade, conhecimento ou liderança para fazê-lo e, ao não conseguir bons resultados, se conclui que o fracasso decorre da inadequação do modelo, quando, na verdade, o próprio gestor é que é inadequado para levar adiante a difícil missão de gerir a saúde pública.

Um outro problema que acaba gerando confusão na análise de qual modelo seria o mais apropriado é o próprio subfinanciamento da saúde pública. Apesar do orçamento da saúde representar a maior parte dos recursos de qualquer unidade da federação, o volume per capita gasto no Brasil ainda é bem inferior ao dos países em desenvolvimento. Não raro os gestores da saúde confundem os sintomas decorrentes da falta de recursos pura e simples com a inviabilidade da gestão direta. Evidentemente, isso é um equívoco.

Finalmente, a absoluta falta de informações gerenciais resulta em óbvia falta de capacidade de decisões inteligentes. Não há relatórios, gráficos e projeções sobre quase nada. Não se sabe ao certo quantos servidores deveriam estar trabalhando em cada hospital, qual o consumo de determinado medicamento, quanto tempo leva um processo licitatório, quanto custou um paciente atendido na rede pública, etc. Mesmo com orçamentos de bilhões de reais, o gestor é privado da mínima capacidade de avaliar seu potencial de atendimento e identificar os principais gargalos. Nem é preciso dizer que, nesse ambiente, escolher entre gestão direta ou privada é um exercício de adivinhação.

Todos esses fatores, incapacidade do gestor, subfinanciamento da saúde e ausência de informações gerenciais, influenciam a frequentemente equivocada decisão de se adotar a gestão por meio de instituições de direito privado nas unidades de saúde. O governo do Distrito Federal segue “privatizando hospitais” como se pudesse, também, privatizar a responsabilidade pelo atendimento à população.

Com a delegação para uma instituição de direito privado, o governante tem maior liberdade para contratar e demitir pessoal e para contratar empresas prestadores de serviços ou fornecedoras de bens. Foi o que fizeram com o Hospital de Base, que, agora, se tornou instituto, mudando a gestão de direito público para direito privado. Pode-se até ganhar agilidade, mas ficam escancaradas as portas para desvios de todo tipo, de sobrepreço a nepotismo. Diante da frequente falta de informações mínimas que justifiquem a mudança de modelo, o que acaba povoando o imaginário popular é que a mudança foi feita exatamente para permitir que os desvios fossem viabilizados.

O planejamento público exige que se fixem os alvos e se definam os recursos humanos e financeiros para acertá-los. Depois, é que se joga a flecha. A distância da mosca mostra o quão eficiente foi o planejamento e se tem a oportunidade de rever os planos e tentar novamente. Isso é o que se espera do planejamento. Todavia, na saúde pública de Brasília, o governo primeiro joga a flecha e depois pinta o alvo! Assim, qualquer resultado positivo é considerado bom, ainda que o volume de recursos utilizado para alcançá-lo tenha sido demasiado.

*Fábio Gondim – Consultor de Orçamentos do Senado Federal; Ex-Consultor-Geral de Planejamento, Orçamento, Fiscalização e Controle; Ex-Secretário de Estado de Saúde e de outras Pastas; Colunista do portal Agenda Capital

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