Pela primeira vez desde que o Tratado de Maastricht entrou em vigor, em novembro de 1993, pessoas e mercadorias que viajam entre Reino Unido e Europa não circulam mais livremente.

Por Redação*

LONDRES – Após 11 meses de negociações e quatro anos de suspense, desde que o Brexit foi aprovado em plebiscito, em 2016, o Reino Unido finalmente reestreou ontem sua fronteira com a Europa, após 27 anos de integração com o continente. O feriado ajudou a diminuir o movimento e não foram registradas as cenas caóticas que haviam sido previstas. Britânicos e europeus, no entanto, temem que os contratempos estejam apenas começando.

Nos portos e terminais britânicos, a nova era começou sem muito barulho. Balsas e trens operaram sem atraso e não houve congestionamento de caminhões. O ar de normalidade do primeiro dia do Brexit ocorreu graças ao feriado. O momento, porém, foi histórico: pela primeira vez desde que o Tratado de Maastricht entrou em vigor, em novembro de 1993, pessoas e mercadorias que viajam entre Reino Unido e Europa não circulam mais livremente.

O acordo comercial assinado na quinta-feira evitou a cobrança de tarifas, mas não a burocracia. A partir de agora, britânicos e europeus precisam de certificados de exportação e formulários alfandegários para fazer circular seus produtos. Os portos do Reino Unido ainda terão de se preparar para novos controles de segurança que serão impostos a mais de 10 mil caminhões que cruzam o Canal da Mancha todos os dias – e os engarrafamentos em Dover devem se tornar frequentes.

O governo britânico espera que a papelada alfandegária custe às empresas britânicas cerca de US$ 9,6 bilhões por ano. O Reino Unido tem 150 mil exportadores que nunca exportaram para fora do bloco e terão de ser submetidos à burocracia pela primeira vez.

Os alimentos do Reino Unido agora enfrentam as mesmas inspeções que as importações europeias de países como o Brasil. Segundo relatório do governo britânico, de 40% a 70% dos caminhões que se dirigem à UE não estariam prontos para os novos controles de fronteira, o que pode causar filas de até 7 mil veículos e atrasos de até dois dias.

Os atrasos ameaçam o fornecimento de alimentos frescos, já que o Reino Unido importa da UE boa parte do que consome no inverno. No dia 23, um cargueiro da Lufthansa levou 80 toneladas de frutas e verduras para quatro redes de supermercados – Tesco, Sainsbury’s, Co-Op e Aldi –, porque os caminhões haviam ficado retidos na fronteira. O problema ocorreu em razão das restrições impostas pela pandemia, mas seriam um exemplo do que poderia ocorrer com o Brexit.

“O governo britânico poupou os exportadores de cotas e tarifas que teriam um impacto paralisante”, disse Anand Menon, professor do King’s College e diretor da iniciativa UK In a Changing Europe, que estuda o impacto do Brexit, em entrevista ao Estadão.

Mas, se o acordo comercial facilitou o fluxo de mercadorias, os serviços financeiros perderam acesso privilegiado ao mercado europeu. “O setor financeiro será enormemente afetado, mas só notará isso quando começar a solicitar serviços e a ter de olhar a papelada, as leis e as regras de imigração”, disse Catherine Barnard, professora da Universidade de Cambridge.

Nos últimos quatro anos, estima-se que cerca de 10 mil empregos e mais de US$ 1,3 trilhão em ativos tenham sido transferidos para países da UE. Para o premiê britânico, Boris Johnson, no entanto, o Brexit significa a “renovação nacional”, permitindo que o Reino Unido estabeleça as suas próprias leis sem as armadilhas criadas pelas regulamentações da Europa.

As vacinas contra a covid-19 são um exemplo constantemente citado por Johnson. Em mensagem de cinco minutos gravada para o ano-novo, o premiê afirmou que o Brexit deu ao Reino Unido a liberdade de desenvolver e aprovar imunizantes melhor e mais rápido do que os países da UE. “Este é um momento incrível para este país”, disse. “Temos nossa liberdade em nossas mãos e cabe a nós tirar o máximo proveito dela.”

Clement Beaune, ministro francês para Assuntos Europeus, disse ontem que o governo da França analisará com carinho o pedido de cidadania feito por Stanley Johnson, pai do premiê britânico, Boris Johnson. “Se ele tem direito à nacionalidade francesa e deseja permanecer um cidadão europeu, então vamos examinar”, disse. “Para mim, isso é um sinal de que muitos britânicos ainda amam a Europa.”

Na quinta-feira, Stanley disse que pediu a nacionalidade francesa para manter “um vínculo” com a Europa. “Sou francês. Minha mãe nasceu na França, a mãe dela era francesa, assim como seu avô”, disse o pai do premiê à rádio RTL.

“Para mim, é uma questão de reivindicar o que já tenho.” Stanley, de 80 anos, foi um dos primeiros funcionários britânicos em Bruxelas, membro do Parlamento Europeu e da Comissão Europeia. Ele votou contra o Brexit, em 2016. “Serei sempre europeu. Ter um vínculo com a União Europeia é muito importante.” 

*Com informações da AFP/Estadão 

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