Por Miguel Lucena*

Fico a imaginar a quem devo remeter os pedidos inusitados que me enviam após anunciar minha pré-candidatura a deputado federal. Não sei como o legislador brasileiro, tão apegado a regras burocráticas, ainda não criou um departamento para cuidar dessas demandas.

Uma senhora me pede um aparelho auditivo, o filho de um velho me solicita uma dentadura para o pai, um homem jovem diz que acabou de casar e precisa terminar a casa para se mudar com a mulher (falta só uma banda do muro).

Um zelador de uma escola pública se aproxima e declara que tomou a decisão de não votar mais em ninguém, mas fará o sacrifício se alguém arranjar um emprego para a esposa dele. A medida da indignação ficou clara.

Telha, tijolo, cestas básicas, cadeiras de rodas, remédios receitados por médicos, cirurgias, silicone e bunda postiça, o eleitor pede de tudo um pouco, parece farra de menino participando de galinha gorda ou gulodice.

Alguém dirá que o eleitor é inocente e foi viciado pelos políticos fisiológicos. Vejo que não há inocência nisso, mas um misto de necessidade e esperteza.

Muitas pessoas realmente precisam, porque o Estado se apropria de um terço da renda nacional e não retribui em serviços de qualidade, deixando seis meses na fila de espera quem depende de uma consulta pelo Sistema Único de Saúde. Há quem fique até 10 anos aguardando por uma cirurgia.

Criou-se um círculo vicioso, em que o político recebe o voto em troca de um favor e não se sente mais obrigado a dar satisfação ao eleitor. Embora reclame, o eleitor sabe que votou em troca de um riso falso representado pela dentadura exibida com orgulho nas festas do bairro.

Precisamos ter coragem de dizer não, cumprindo o papel do pai ao frustrar o desejo proibido e inconveniente do filho, ou estaremos condenados ao atraso.

*Miguel Lucena é Delegado de Polícia Civil do DF, jornalista, escritor e colunista do Agenda Capital.

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