Renato Vieira Alves, Coordenador-Geral de Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde. Foto: Agenda Capital

Da mesma maneira que o ser humano evolui, as nossas ferramentas de controle de doenças, nossos medicamentos, nossos diagnósticos, e as vacinas vão evoluindo. As doenças também vão se adaptando a essas mudanças. (Renato Vieira Alves)

Por Delmo Menezes

O médico veterinário Dr. Renato Vieira Alves, servidor de carreira do Ministério da Saúde, responsável pela Coordenação-Geral de Doenças Transmissíveis do Ministério (CGDT/DEVIT/SVS/MS), em entrevista exclusiva ao Agenda Capital, fala sobre a questão humanitária em Roraima, o retorno das doenças tropicais, a  importância das pessoas se vacinarem, e os cuidados que devemos tomar com as doenças transmissíveis.

Leia a íntegra da entrevista:

AC – Qual é a importância da Coordenação Geral de Doenças Transmissíveis (CGDT) no âmbito da Secretaria de Vigilância em Saúde?

Dr. Renato – É uma diversidade de temas enorme e a grande importância é o papel da coordenação em dar resposta a temas que tem potencial de provocar emergências no país. Alguns exemplos claros como, febre amarela, sarampo, cólera, todos estão dentro da CGDT. Então, o olhar atento em dar uma resposta rápida a população, é um papel importante da coordenação. Além disso existem uma série de outras doenças que não têm este potencial de provocar emergência, porém são doenças de grande carga no país. Doenças que atinge principalmente a população mais pobre, como a doenças de chagas, leishmaniose, são doenças com determinantes sociais muito forte, que não provocam grandes problemas como essas outras. Essas doenças tendem normalmente a ficarem esquecidas. O papel da coordenação, é não deixar que estes males fiquem esquecidos, que a gente consiga inovar, trazer melhorias para vigilância e controle dessas doenças, mesmo diante da ausência de novidades tecnológicas, ausência de novos medicamentos, as doenças que são consideradas negligenciadas.

AC – As vacinas tem se mostrado eficazes no controle dessas doenças?

Dr. Renato – As vacinas do ponto de vista de ferramentas de saúde pública, de maneira em geral, talvez seja uma das maiores invenções do ser humano, em termos de ferramentas efetivas de prevenção de doenças ao longo da história. As vacinas quando estão disponíveis para estas doenças, são a melhor arma de combate. Sarampo é um exemplo claro. Você tem doenças que foram erradicadas no mundo e não existem mais hoje, somente em laboratórios específicos como a varíola, que só foram controladas pela vacina. O caso da raiva no Brasil, foi resolvido basicamente através da vacina aplicada no animal. A febre amarela é outro exemplo de que uma doença bastante grave pode matar. Com a vacina que existe desde a década de 1930, que é supersegura, quem é vacinado se protege da doença. Os casos que ainda persistem são de pessoas que não são vacinadas. Então as vacinas já são de maneira consolidada na história. Aqui no Brasil, temos o que há de melhor no arsenal da medicina para prevenir doenças, que abrange quase todas as vacinas recomendadas pela Organização Social da Saúde (OMS). Talvez o grande desafio hoje seja convencer as pessoas da efetividade dessas vacinas.

Renato Vieira Alves, Coordenador-Geral das Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde. Foto: Agenda Capital

AC – E a volta das chamadas doenças tropicais?

Dr. Renato – Quando estudamos a história da evolução das doenças, a gente tem uma transição clássica, quando se passa de um cenário de doenças transmissíveis, que são aquelas mais associadas a pobreza, para um cenário de ocorrências de doenças crônicas como, hipertensão, diabetes. Esse ato chamamos de transição epidemiológica, que se observou muito nos países de primeiro mundo, e também no Brasil. Junto com essa transição com o aparecimento das doenças crônicas, temos a alteração ambiental ao que se observa no mundo todo, a facilidade do deslocamento das pessoas globalmente, a densidade demográfica super alta, a mudança na relação de pessoas com animais, tudo isso trouxe a possiblidade de uma reemergência em emergência dessas doenças que achávamos que tínhamos superado.

AC – Muitas pessoas ainda acreditam que o macaco transmite a febre amarela. O senhor pode esclarecer a população?

Dr. Renato – O macaco não transmite a febre amarela. A febre amarela é transmitida obrigatoriamente por um mosquito. É uma doença de transmissão vetorial. As pessoas não podem sair por aí matando macacos. Além de ser um crime ambiental, é um crime contra a saúde. A ocorrência da doença no macaco, é o melhor sinalizador que a gente tem hoje da transmissão do vírus em determinada região. Se a gente detecta a ocorrência no macaco, dá tempo para agirmos e vacinar as pessoas antes delas adoecerem. Então o macaco além de ser uma vítima, ele é a melhor sentinela que temos para vigilância. Matar o macaco além do crime, faz com que percamos esta sentinela.

AC – Ultimamente estamos tendo um êxodo muito grande de imigrantes da Venezuela em busca de uma melhor qualidade de vida no Brasil. Quais são as ações que a sua coordenação tem desenvolvidas naquela região?

Dr. Renato – A nossa coordenação em conjunto com o Programa Nacional de Imunizações (PNI), vem desde os primeiros casos, trabalhando com as vigilâncias dos estados e municípios, capacitando essas vigilâncias para dar resposta e identificar precocemente os casos de doenças que porventura entrassem no país. As ações de vacinação foram todas baseadas nesses serviços de vigilância. É óbvio, e tem que se destacar isso, que o problema de Pacaraima na fronteira do Brasil com a Venezuela, não é um problema exclusivo da questão do sarampo. É um problema de ajuda humanitária muito importante e o sarampo está dentro deste contexto. Agora do ponto de vista do controle do sarampo que nos compete, a situação em Roraima está bem controlada. Evidentemente como há um surto importante na Venezuela, é possível digo até provável, que eventualmente entre um caso ou outro vindo de fora. Mas a transmissão que começou a acontecer entre brasileiros em Pacaraima e Boa Vista principalmente, foram controladas com as ações de vigilância e de imunização. A curva de casos em Roraima, já decaiu bastante.

“Quem está mais próximo do ambiente onde estão acontecendo as coisas, é a população”. Renato Vieira Alves, Coordenador-Geral das Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde. Foto: Agenda Capital

AC – Uma palavra para a população brasileira que o senhor gostaria de deixar.

Dr. Renato – Eu acredito que é importante entendermos, que da mesma maneira que o ser humano evolui, as nossas ferramentas de controle de doenças, nossos medicamentos, nossos diagnósticos, e as vacinas vão evoluindo. As doenças também vão se adaptando a essas mudanças. Então essa agilidade para identificar mudanças, é um papel fundamental que a gente tem aqui na Vigilância em Saúde do Ministério. Conseguir perceber rapidamente alterações nesses padrões para evitar que as doenças atinjam a população, é fundamental. Talvez a grande mudança daqui para frente na vigilância, inclusive para o Ministério, é a gente aprender a lidar cada vez mais com a participação da população, no sentido de identificar esses eventos sentinelas. Um exemplo disso, foi a participação da população na vigilância de macacos. Sem essa participação, a vigilância fica muito frágil. Quem está mais próximo do ambiente onde estão acontecendo as coisas, é a população. Entender que essa pessoa pode ter um papel fundamental para avisar a autoridade de saúde, para poder disparar ações de proteção, é um grande desafio nosso.

Da Redação do Agenda Capital

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