Por Marco Morsch
A eleição de João Dória para a prefeitura da maior cidade do país traz a tona uma discussão acadêmica e interessante: um prefeito, ou governador, ou presidente da república, deve ser político ou administrador?
Antes de responder a questão acima, vamos brevemente analisar o momento pelo qual o país atravessa. A grave crise política, econômica e moral que vem devastando o país nos últimos anos suscita a discussão sobre a necessidade de líderes capazes de promover as diversas mudanças estruturais e profundas que o Brasil precisa fazer.
Queremos líderes transformadores
A voz das urnas demonstrou que a população brasileira não quer mais do mesmo. As pessoas estão cansadas da inoperância e ineficiência administrativa em diversos níveis do setor público, dos ranços culturais do Brasil velho, da carência de virtudes morais de boa parte dos homens públicos e da postura de “politics as usual”.
Desejamos transformações que já poderiam ter sido feitas nos últimos dez anos. Talvez a preocupação com o populismo e o grande receio de perder a próxima eleição (até mesmo almejar a perpetuação no poder) tenha feito com que, ao contrário de avançar, o país tenha retrocedido dramaticamente em menos de uma década.
Se analisarmos os governos dos três últimos presidentes da república, encontraremos vários indicadores positivos de crescimento e desenvolvimento nas mais diversas áreas, mas também proliferarão inúmeros e graves casos de retrocesso. Os grandes avanços que poderiam ser implementados e as grandes mudanças estruturais que o país requer, como reforma política, reforma fiscal, reforma da previdência e transformações profundas no sistema penal, no combate à violência, à corrupção e no fim do atraso na saúde e educação ficaram para depois. Problemas não resolvidos, tendem a se agravar. Daí o legado e flagelo atual, que inclui, entre tantos, a grave situação de quase 12 milhões de desempregados.
Mais de 25 milhões de eleitores (17,5%) se abstiveram de votar no último pleito. Terá sido por descontentamento, por perder a esperança, por desistir de lutar pela cidadania e pela nação? Ou terá sido uma outra forma de dizer “basta”, como a bateção de panelas por alguns.
De volta a questão inicial: os governantes brasileiros, em sua maioria, não fazem acontecer por que são políticos incompetentes ou por que são gestores ineficazes?
É “apenas” uma questão de gestão pública!
Embora tenhamos muitos casos de boas práticas de gestão pública em todos os cantos do país, ainda estamos longe de ser o Brasil que queremos e podemos ser.
Primeiro, precisamos olhar no espelho. Fazer uma autocrítica. As pessoas que costumamos eleger são o reflexo do povo que nós somos como nação, com as mesmas crenças, valores e comportamentos. A nossa cultura nos faz assim, alguém poderá justificar. Mas a boa notícia, e como educador eu acredito, estamos gradualmente conseguindo transformar e construir a cultura que desejamos. Tudo começa e termina na educação e na cidadania.
Agora (e em 2018) talvez seja uma ótima oportunidade de reinventarmos o país e evoluirmos no patamar da nossa cidadania.
Herbert de Souza, o Betinho, costumava dizer que não podemos resgatar a cidadania, se nunca a tivemos. A educação para o civismo e para o pleno exercício da cidadania ainda é rasa nos bancos escolares do Brasil. Nisso, ouso dizer: ainda nos falta maturidade e formação como cidadãos. E os políticos são aqueles que mais devem honrar o espírito cívico e o senso de cidadania. Para eles, o espírito público deve ser supremo.
As quatro dimensões do administrador
Prefeito, governador e presidente da república, assim como toda a hierarquia pública, como ministros e secretários, são todos cidadãos gerentes. Isto é, estão desempenhando plenamente a função e o papel de administrador, só que no ambiente público.
Política e administração andam juntas. Gosto sempre de mostrar para os meus alunos e clientes que o gestor é um ser integral, como aprendi com Fela Moscovici. Todo gestor possui quatro dimensões no exercício da administração: a dimensão técnica, a dimensão emocional, a dimensão social e a dimensão política (também chamada de espiritual). É uma visão holística e integrada do gestor.
O lado técnico do administrador é o seu conhecimento de gestão, o domínio dos conceitos, técnicas e ferramentas de administração. O lado emocional envolve o gerenciamento de si mesmo, sua inteligência emocional e a capacidade de manter o equilíbrio pessoal e profissional em meio aos ossos do ofício. A dimensão social refere-se ao capital humano com o qual o gestor se relacionaa no dia a dia, muito valorizado atualmente com a diversidade do mundo globalizado e interconectado. Por último, e talvez mais desafiador, a dimensão política, que vai aglutinar, inspirar e liderar as pessoas para promover as mudanças e transformações que o mundo deseja, mas que cabe ao administrador, o líder político, coordenar. Essa dimensão inclui a ética, as crenças e valores, o senso de cidadania e de humanidade.
Durante vários anos, atuei como professor no Curso de Pós Graduação Gerente de Cidade, promovido pela FAAP. O programa inclui uma série de disciplinas inerentes à gestão pública, trazendo a noção de “city manager” para o gerenciamento da cidade como uma organização que tem que dar resultados. Acho que João Dória teria gostado de fazer o curso. Bem, isso me faz voltar a questão inicial: político ou administrador?
Prefiro acreditar que a ênfase dada por João Dória a sua trajetória como administrador (e descaracterizar-se como “político”) foi uma manobra inteligente para conquistar a estrondosa maioria de paulistanos esgotada da “política usual”. Pois os cidadãos querem eficiência, eficácia e efetividade na gestão pública do município e na solução dos seus problemas.
Afinal, “prefeitar” como Dória se refere a sua função, é governar, dirigir, coordenar, administrar os servidores públicos (colaboradores) para solucionar os problemas da cidade e atender aos anseios da população. Algo que um administrador possui naturalmente no seu DNA: compreender o que os consumidores (cidadãos) desejam e como administrar os recursos públicos de maneira eficiente para entregar o que será bom para a cidade e para seus moradores.
Como vimos, política, sobretudo em cargos de governança, envolve gestão pura. E administração não se completa e não se efetiva totalmente sem o exercício da sua dimensão política. E, finalmente, é bom lembrar que antes de escolhermos ser políticos ou administradores, somos todos primordialmente cidadãos.
Da Redação com informações Portal Adm.