Senador Cristovam Buarque (PPS). Foto: Agenda Capital

A história do Brasil tem ciclos de ditaduras e democracias, de inflação e estabilidade. Nós estamos caminhando mais uma vez neste sentido, por falta de responsabilidade, de espírito público, excesso de demagogia e incompetência, sem falar da corrupção (Senador Cristovam Buarque)

Por Delmo Menezes

Cristovam Ricardo Cavalcanti Buarque, ou simplesmente Cristovam Buarque, 74 anos, casado, tem duas filhas e três netos. Engenheiro mecânico, economista, educador, professor universitário e senador pelo Partido Popular Socialista (PPS). É o criador do programa Bolsa-Escola que foi implantado pela primeira vez em seu governo no Distrito Federal.

Trajetória política

Reitor da Universidade de Brasília no período de 1985 a 1989 e governador do Distrito Federal de 1995 a 1998. Em 2002, foi eleito senador por Brasília. No primeiro mandato do ex-presidente Lula, foi ministro da Educação entre 2003 e 2004. Em 2006, disputou a Presidência da República pelo PDT e recebeu mais de 2,5 milhões de votos, conquistando apenas 2,64% do eleitorado brasileiro. Nas eleições de 2010, foi reeleito para o Senado pelo Distrito Federal, com mandato até 2018.

Nesta entrevista exclusiva concedida ao Agenda Capital, Cristovam Buarque fala a respeito do impeachment da presidente Dilma Rousseff, da sua luta pela educação no Brasil, aborto e outros temas relevantes.

Leia entrevista na íntegra:

AC – Nas eleições anteriores o senhor esteve em situação confortável, ocupando sempre o primeiro lugar nas pesquisas. Nesta eleição o quadro está diferente, tendo candidatos com chances reais de se elegerem para o Senado. Como avalia esta situação?

Cristovam – Avalio com a necessidade de lutar mais ainda do que nas outras eleições. Eu acredito que o que o Brasil vai enfrentar nos próximos anos, não me dá o direito de abrir mão da luta, de continuar no Senado. Eu acho que pela minha experiência, pela minha trajetória política, pela credibilidade que eu construí, pelas bandeiras que defendo, inclusive projetos de lei em andamento, e também pelo que fiz com as leis que consegui sancionar, não posso dizer que vou para casa. Então me coloquei a disposição do povo do Distrito Federal. Se o povo quiser eu estou pronto.

Senador Cristovam Buarque, candidato a reeleição pelo PPS. Foto: Agenda Capital

AC – O candidato ao governo da sua coligação Rogério Rosso (PSD), não consegue despontar nas pesquisas. Isso tem atrapalhado sua campanha?

Cristovam – Eu não avalio se tem ou não atrapalhado minha eleição. Agora se ele não consegue, nem um outro também. Não tem nenhum candidato destacado lá na frente. Tem alguns um pouco mais e outros um pouco menos. O atual governador bem atrás. Eu creio que tá todo mundo muito embolado no meio do campo.

AC – Qual o seu posicionamento em relação a criação de uma Universidade Distrital no DF?

Cristovam – Na verdade já existe uma faculdade distrital de medicina, que é a ESCS. O que precisa é aumentar o número de cursos. Eu sou favorável a cursos públicos. O problema é que não podemos fazer isso desprezando a educação de base. O grande problema brasileiro não está no pequeno número de alunos nas universidades, e nem na má qualidade das instituições, mas sim no desempenho da educação de base. E mais grave ainda, é restrita a poucos. Só 40% dos alunos terminam o ensino médio. E estimo que no máximo 20% termine o ensino médio de modo razoável, não de alta qualidade. Então esse é o problema do Brasil. 80% está por aí nas ruas sem uma formação suficiente para entender bem o que acontece no mundo de hoje.

AC – Existem propostas de utilização do Centro Administrativo do DF, em Taguatinga como uma universidade. O senhor é a favor dessa proposta?

Cristovam – Eu sou a favor de que haja mais cursos públicos, mas onde colocar eu não vejo necessariamente que seja ali. O Rosso meu candidato a governador, tem dito que ele não pensa colocar naquele local. Ele pensa colocar mais cursos nas escolas públicas, em espaços do governo que estão ociosos, ele diz sempre que a universidade que defendo não vai estar em campus, mas espalhadas pelo DF inteiro. Não vou dizer que sou totalmente contra, porque do jeito que está é que é ruim, aquilo parado há quatro anos. Hoje em dia o conceito de universidade sobretudo no mundo digital, não tem muito o interesse geográfico ou físico. Provavelmente a proposta do Rosso é melhor, a de se criar uma universidade espalhada em todo o DF.

Senador Cristovam Buarque, candidato a reeleição pelo PPS. Foto: Agenda Capital

AC – A sua história ficou marcada pela esquerda e principalmente pelo PT, por ter votado a favor do impeachment da presidente Dilma. De alguma forma isso tem prejudicado o seu relacionamento com setores mais progressistas?

Cristovam – Muito, prejudica muito. Prejudicaria mais ainda se eu não tivesse votado com a minha consciência. Eu passei dois anos dizendo que a presidente Dilma cometia crime de responsabilidade. Escrevi até livro a respeito, afirmando que isso ia levar o país à recessão, desemprego e inflação. Tudo isso aconteceu. Houve um processo longo de seis meses e se chegou à conclusão no final de que houve sim crime de responsabilidade. Aí duvidei até em votar pelo impeachment porque seria mais cômodo para mim votar contra o impeachment. Como disse um amigo meu do PT que gosto muito, e que me chamou para conversar um pouco antes da votação. Ele me chamou no canto e me disse: “Nós precisamos que a Dilma saia. A Dilma está destruindo o PT. Ela vai sair, já tem votos suficientes para tirá-la. Por que você se queimar votando a favor do impeachment. Nós vamos precisar de você para reconstruir as forças progressistas do DF. Por favor vote contra o impeachment, para que você não fique marcado”, disse o meu amigo. Eu não vou negar que eu não fiquei tentado. Comodismo leva a gente a querer ficar tentado. Mas eu disse a ele se isso não seria oportunismo. Então votei triste, foi um voto muito triste que eu dei. Nem todo voto que a gente dá, mesmo certo é alegre. O meu voto pelo impeachment foi triste, mas se eu não desse aquele voto, eu teria sendo incoerente. Sabe qual foi meu erro ali, foi ter explicado, feito um discurso na Tribuna do Senado. Eu deveria ter subido a Tribuna e dito o seguinte: “Há momentos na história de um político que ele tem que escolher entre atender o que deseja seus eleitores ou a sua consciência. Nessa hora o político sério fica com a sua consciência, então votei pelo impeachment”. Eu errei não ter feito este discurso.

AC – Seus adversários políticos têm afirmado que o senhor tem muito discurso e pouca efetividade. Como tem sido o seu desempenho no Senado Federal?

Cristovam – De 1988 para cá, o Brasil elegeu 744 senadores. Eu sou o campeão de leis sancionadas. Tenho vinte e uma leis e o seguinte tem dezessete. Se não me engano só tem 100 senadores que conseguiram sancionar mais de cinco ou seis leis. Como é que não sou produtivo? Sou campeão de leis. Se você for para 1946, na outra constituição, foram 1522 senadores e eu sou o segundo. Só teve um senador com mais leis do que eu, e este ficou quatro mandatos. Por exemplo, uma dessas leis que foram sancionadas foi o piso salarial do professor. Esta foi uma lei tremendamente importante. Antes dessa lei, cada município pagava quanto queria. Tinha professor que ganhava menos que um salário mínimo. O piso hoje é duas vezes o salário mínimo. A lei que diz que toda criança tem vaga na escola a partir dos quatro anos, é de minha autoria. A lei que diz que todo jovem tem direito a uma vaga no ensino médio, é minha. A lei que garante condições dignas para trabalhadores domésticos, é minha. Eu mandei tantas emendas como qualquer outro. Tem senador aí dizendo que tem mais emendas que eu. Eu comparo, porque nós mandamos o mesmo número. Tem candidato pegando emendas de bancada dizendo que é dele. Ele participou, mas não é dele. Eu sou o quinto senador que mais sobe a Tribuna. Alertei da inflação, alertei do risco do impeachment, alertei da recessão, alertei da guerra civil. Há quinze anos que alerto que o Brasil vai ter esta crise de violência. Eu tentei alertar para obter uma saída de um consenso no Brasil. Então como é que dizem que tenho pouca efetividade?

Senador Cristovam Buarque, candidato a reeleição pelo PPS. Foto: Agenda Capital

AC – O senador Cristovam é conhecido como o homem da Educação. Em poucas palavras como está a Educação no DF e no Brasil?

Cristovam – Me orgulho de ser conhecido como o senador da educação. E qual é a bandeira dos outros senadores? Estou perguntando mesmo. Qual é a bandeira? Eu tenho, a educação. Todos os problemas passam pela educação, mas não só. Eu sou o senador da economia, eu defendo uma economia eficiente. Eu sou o senador do meio ambiente. Eu sou o senador que defende a pacificação mais do que a segurança. Mas como fazer isso? Temos que federalizar a educação. Quando estava no Ministério da Educação, começamos a federalizar em vinte nove cidades, porém só fiquei 01 ano, e levou dez meses para começar. É duro você tirar um dinheiro de um lugar para outro. O que a gente tem de fazer para que o Brasil seja o campeão de educação, é federalizar a educação de base. Uma carreira só do magistério, um salário digno, e prédios confortáveis e bem equipados, tudo em horário integral. Isso não se faz em menos de vinte e cinco anos. Eu defendo que a federalização seja por cidade até chegar a todos os municípios brasileiros. Mas como vai demorar muito para chegar ao Brasil inteiro, tenho um outro projeto para implantação mais rápida. Que o governo federal adote desde já, as escolas das cidades mais pobres. Aliás tem dois candidatos a presidente defendendo isso agora. Eu vi que o Haddad defende e que o Alvaro Dias defende. São duas leis que mudariam o Brasil.

AC – Em recente entrevista a um portal de notícias local, o senhor afirmou: “Estou com medo de ter que votar para evitar uma polarização. De ter que escolher entre evitar uma catástrofe e um desastre”. O que o candidato quis descrever com esta afirmação?

Cristovam – Eu quis dizer que o processo político brasileiro está levando a uma radicalização muito forte e uma demagogia muito generalizada. Por exemplo, nenhum dos candidatos terá recursos para fazer o que querem. Nenhum está tendo coragem para dizer isso. Nenhum está dizendo que o Brasil vai precisar de medidas sérias que reduzam gastos. Está uma polarização entre extremos e uma generalização da democracia. Isso levará a duas coisas, talvez juntas, talvez separadas. Inflação e ditadura. A história do Brasil tem ciclos de ditaduras e democracias, de inflação e estabilidade. Nós estamos caminhando mais uma vez neste sentido, por falta de responsabilidade, de espírito público, excesso de demagogia e da incompetência, sem falar da corrupção. Eu me preocupo muito que a gente esteja caminhando para isso.

AC – Senador, o senhor é contra ou a favor da descriminalização do aborto?

Cristovam – Eu sou contra, porque a lei que está aí ao meu ver, permite o aborto em três casos: Estupro, anencefalia, ou risco de vida da mãe. O tribunal permite isso. Agora, temos que debater o assunto. Sou contra a descriminalização hoje, mas temos que debater o tema, porque morrem mais de 100 mil mulheres por ano, que caminham para clínicas clandestinas de aborto. Então sou contra o aborto como um método anticoncepcional. Sou contra o aborto depois que se iniciou a vida. Esta é uma questão moral e científica. Tem que haver debate. O mesmo princípio eu tenho em relação a descriminalização das drogas. Nos dias de hoje não funcionou o “proibicionismo” da droga. Aumentou a quantidade de consumo, aumentou o número de presos. Uma tragédia neste país ver jovens presos. Aumentou a criminalidade por causa do tráfico. Fracassou! A descriminalização pura e simples, como muitos defendem, inclusive o Fernando Henrique Cardoso, acredito ser temerário no Brasil ainda. Está dando certo no Uruguai, Portugal, e em outros países. Sou a favor de incluir o álcool neste debate. A maior causa de violência hoje, não é a maconha, é o álcool. E ninguém quer discutir. A saída não é proibir o álcool como os americanos fizeram na lei seca. A saída é a educação, mas ninguém quer. Todo mundo acha que isso é blá blá blá. A criança ficar na escola, de seis a oito horas por dia, recebendo noções. Isso vale para o aborto também. Educação nas escolas para evitar isso.

AC – O senhor ajudou a eleger o atual Chefe do Executivo e depois foi para oposição. Como avalia a gestão de Rollemberg?

Cristovam – Péssima, salvo na tentativa de controlar os gastos. No primeiro dia de governo, eu perguntei: Governador qual é o legado que o senhor quer deixar? Ele achou que eu estava fazendo uma pergunta maluca. Ele nunca se preocupou em deixar um legado. Se ele disser, o meu legado são as contas arrumadas, o próximo desarruma. Não é legado. O seu antecessor deixou um legado maldito. Eis o estádio aí. Daqui a cem anos vão passar e dizer, isso aqui foi o Agnelo que fez. Daqui a cem dias ninguém vai ter onde apontar e dizer isso aqui foi o Rodrigo que fez. Eu prefiro um Rodrigo, que não tenha nada a mostrar, do que o Agnelo que mostrou o estádio. Acho que o governo Rollemberg deixou muito a desejar, mas foi sério no controle das contas públicas que ele herdou.

AC – O atual modelo político se tornou ao longo do tempo ineficaz. A corrupção é um câncer que precisa ser extirpado de nosso país. Como resolver isso?

Cristovam – Educação no médio e longo prazo. No curto prazo, transparência, justiça funcionando, cadeia e resgate do dinheiro de volta. Por que tem cara aí que roubou, roubou, vai ficar preso um ano, dois anos, três anos e sair rico. O crime compensou.

AC – Tem muitos jovens que por não terem oportunidades em nosso país, estão migrando para outros países como Estados Unidos e Europa. Como resolver esta situação?

Cristovam – Tem a ver com os políticos. Nós políticos não estamos dando bons exemplos. Eu dou bom exemplo. Moro no meu apartamento a trinta e oito anos. Não uso nenhuma das mordomias do Senado. Trabalho muito. Produzo muito, embora tem uns aí que dizem que não produzo. Eu dou meu exemplo. Isso não basta. Deve-se criar produtividade para que o Brasil seja um país que produza riqueza e distribuir bem a riqueza para que a violência diminua. Eu defendo o modelo de eficiência econômica e justiça social com educação de qualidade para todos. O socialismo desprezou a eficiência econômica. Eles tentaram fazer a justiça por dentro da economia, por que no tempo de Karl Marx era isso. Aumentar o salário e diminuir o lucro. Não dá mais por causa da globalização. Se você aumenta o salário e diminui o lucro, o capital vai embora. Se você aumentar o salário e diminuir o lucro, porque mantém a estabilidade mesmo quando a pessoa não produz, o capital vai embora. Eficiência econômica para permitir que em cima da economia eficiente, a gente faça justiça social. Eu me lembro de uma entrevista do Raí – jogador. Perguntaram a ele o que mais impressionou quando morou na França. Ele disse: “é que minha filha ia na mesma escola que frequentava minha empregada”. Para o Brasil, isso é uma surpresa. Na França há 50 anos que é assim. Então, para os jovens ficarem no Brasil, precisamos ter uma economia eficiente, a capitalista. E é preciso ter educação de qualidade, para que as oportunidades se distribuam pelo talento, e não pela herança.

AC – O orçamento do SUS é em torno de 125 bilhões de reais. Todos os dias vemos que o sistema não funciona como deveria no Brasil. O que fazer para melhorar a saúde pública?

Cristovam – Como eu fiz. Eu fui governador por quatro anos. Não tinha fila para entrar nos hospitais.

AC – Naquela época senador, a população era bem menor do que os três milhões de habitantes que temos hoje no DF?

Cristovam – Então teria que gastar um pouquinho mais, fazendo o mesmo. A população aumentou uma ou duas vezes. O orçamento aumentou quatro e o governo não tinha na minha época fundo constitucional. Todo mês eu tinha que pedir ao presidente Fernando Henrique Cardoso e ao Pedro Malan que mandassem os recursos. E teve um tempo que tinha um líder do governo daqui que não deixava, segurava. Certas doenças exigem hospitais. É preciso fazer hospitais, mas é preciso desospitalizar. Há um fascínio por hospitais da parte das empreiteiras, dos vendedores de equipamentos, dos servidores e dos políticos.  E o povo gosta disso. O povo gosta de saber que existe um hospital perto de casa e acha que vai curar a sua dor de barriga. Não é para isso que existe o hospital. Eu dei jeito na saúde graças à Maninha (secretaria de Saúde na época).

AC – De Cristovam Buarque para Cristovam Buarque.

Cristovam – Sou um brasileiro angustiado com a situação em que se encontra o Brasil. Sou cheio de esperança e creio que o país tem jeito. Estou com energia suficiente para continuar minha luta por um país melhor, e com a visão que o eixo central disso é a educação de qualidade igual para todos. O filho do pobre estudando na mesma escola do filho do rico, e esta escola tão boa quanto a da Europa.

Da Redação do Agenda Capital

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