UPA de Sobradinho no DF

Por Redação

Falta de planejamento, promessas eleitorais e baixo orçamento dos municípios. Essas são algumas razões para o desperdício de mais de R$ 268 milhões investidos pelo governo federal na construção de 145 UPAs (Unidades de Pronto Atendimento) que, embora estejam prontas, permanecem de portas fechadas em todas as regiões do Brasil.

Criadas para o atendimento emergencial da população, essas unidades de saúde acumulam poeira enquanto sua demanda é escoada para as filas de outros hospitais. São Paulo é o estado com mais UPAs de portas fechadas: 22 postos. É seguido pela Bahia e Pará, com 13 prédios cada um, Paraná, com 11, Ceará, com 10, Rio Grande do Sul e Pernambuco, com 9 cada um.

Goiás (8), Mato Grosso (8), Piauí (5), Espírito Santo (5), Tocantins (5), Minas Gerais (5), Santa Catarina (4), Rio de Janeiro (3), Rio Grande do Norte (3), Rondônia (3), Paraíba (2), Amazonas (2) e Amapá (1) completam o ranking.

Em média, cada unidade custou R$ 1,8 milhão aos cofres públicos. A mais barata saiu por R$ 35.700, em Realeza, no Paraná. As mais caras custaram R$ 4 milhões. São as UPAs de Fortaleza, Cariacica (Espírito Santo), Belém e Bacabal (Maranhão), entregues entre 2016 e fevereiro deste ano.

Leia também:

UPA: Um modelo de atendimento emergencial que está perdendo suas características

Mas existem UPAs prontas e sem uso há mais tempo. Dezesseis delas estão trancadas desde 2014, quatro foram entregues em 2013 e outras quatro em 2012. A unidade mais antiga espera há sete anos para receber pacientes.

O governo federal entregou a UPA Vila Norte, em Araguaína (384 km de Palmas), em agosto de 2011, ao custo de R$ 2 milhões. Quando prometida, atenderia metade dos pacientes do município de 175 mil habitantes.

Divulgação

A UPA em Araguaína ficou pronta em agosto 2011, mas nunca atendeu pacientes

“Era para inaugurar antes das eleições de 2012”, recorda-se o arte-finalista Rômulo Florindo, 24. “Mas até hoje nada… Quem precisa de emergência na Vila Norte leva uma hora e meia para chegar a outro hospital.”

A opção é atravessar a cidade até a UPA do Araguaína Sul ou procurar o Hospital Regional de Araguaína, “sempre cheio”, diz.

O Ministério Público Estadual abriu um inquérito para investigar o caso. “Foram requeridas informações à administração municipal sobre o abandono da obra, que […] não dispõe de recursos para aparelhar e manter em funcionamento a unidade”, informou o promotor Airton Almicar Machado.

A prefeitura afirma que a UPA “foi construída em gestão anterior, sem planejamento, sem previsão de custos para funcionamento e manutenção”. O projeto, agora, é transformar a unidade em uma Clínica da Mulher para atender “mais 16 municípios”.

A ideia de mudar a função da UPA também é defendida pela Prefeitura de Cariacica (na Grande Vitória), que em agosto de 2016 recebeu a unidade de R$ 4 milhões no bairro Flexal 2. “Queriam transformar o prédio em clínica da família”, conta o assistente social Aílton Pereira dos Santos, 43. “Foram oito anos de luta para conseguir essa UPA, mais um ano e seis meses esperando para abrir.”

Dona Rita e seu Ângelo, que há anos sofreu um AVC e não pode contar com atendimento na UPA do bairro, entregue em 2016. Sem o atendimento emergencial na região, a população do bairro precisa de duas conduções para chegar ao Pronto Atendimento do Trevo de Alto Lage, “lotado e sem funcionários”.

A dona de casa Rita Nazareno dos Santos, 59, pede ajuda toda vez que precisa socorrer o marido, o aposentado Ângelo Eugênio dos Santos, 63.

Com baixa mobilidade e crises de epilepsia em razão de um derrame ocorrido há quatro anos, seu Ângelo só conta com a mulher. “Eu tenho que pagar táxi, pedir carona aos vizinhos ou chamar o Samu (Serviço de Atendimento Móvel de Urgência). Se for de ônibus, precisa de dois.”

No ano passado, a convulsão aconteceu à 1h. “Era só eu e ele… Se a UPA daqui estivesse pronta, seria muito mais fácil.”

Ao UOL, a prefeitura prevê a inauguração da unidade “até dezembro deste ano”, mas sua função poderá mudar “caso a população decida”. “Estamos em fase de aquisição de equipamentos; [foram destinados] R$ 940 mil em emendas federais.”

Em outras UPAs pelo Brasil, o abandono aumentou o prejuízo. O posto de Piripiri (a 157 km de Teresina), pronto em 2012 ao custo de R$ 1,4 milhão, viu seus 17 aparelhos de ar-condicionado desaparecerem. O sumiço terminou em uma investigação do Ministério Público Federal. “O prefeito que entrou retirou e colocou em outros prédios da prefeitura”, contou ao UOL Nivaldo Ribeiro, promotor do caso. “Eles dizem que não têm dinheiro para manter a UPA funcionando.”

O fechamento da UPA Norte, em Betim, na Grande Belo Horizonte, terminou com o prédio depenado. Sem vigilância, suspeitos roubaram as instalações hidráulicas, portas e janelas. A fiação foi arrancada das paredes e até o acabamento de gesso no teto foi destruído para retirar o encanamento do ar-condicionado. O prédio foi inaugurado em novembro de 2012, custou R$ 2 milhões, mas nunca funcionou. Suspeitos roubaram as instalações hidráulicas, portas e janelas da UPA em Betim

“O nosso bairro precisa da UPA porque quase ninguém tem plano de saúde”, lamenta a auxiliar de serviços gerais Rosângela Pires do Nascimento, 50.

Ela conta que nem sempre há condução que leve seus vizinhos a outras unidades de saúde, como o Hospital Público Regional de Betim, o mais procurado. “Para chegar à UPA da região central, precisa ficar 50 minutos na van e andar mais 15 minutos, doente.”

A Secretaria Municipal de Saúde culpa a administração anterior pela falta de segurança que terminou na depredação do prédio, que agora conta com vigilância 24 horas. “A unidade não iniciou o atendimento devido à estrutura física deficitária, à falta de equipamentos e de repasses ao Fundo Municipal de Saúde”, diz. A pasta abriu um processo de licitação que pretende gastar R$ 2 milhões para “instalar os equipamentos e mobiliários necessários para a entrega da unidade ainda neste ano”.

O dinheiro público desperdiçado em tantas obras públicas se deve em parte às disputas políticas e má administração, avalia o mestre em administração pública pela Universidade da Coreia Éder Brito. “Vereadores e prefeitos pedem recursos federais para tocar obras sem calcular a capacidade da gestão diária, como manutenção predial e folha de pagamento”, diz. “Eles ficam num dilema: aceitam dinheiro federal sem a certeza de que conseguirão gerir a obra ou dizem não e oferecem munição à oposição, que lhes acusará de rejeitar recurso federal?”

Coordenador da Oficina Municipal, uma instituição para capacitação técnica de servidores, Brito diz que os políticos se esquecem de que a promessa de campanha mais tarde “pode virar um presente de grego”. “O prefeito comemora o acesso aos recursos, mas, sem receita para manutenção, ele só vai ter um prédio. No final, perde capital político.”

O governo federal também é responsável, afirma. “O ministério exige uma contrapartida da prefeitura, mas nem sempre se aprofunda na avaliação. Às vezes, a pasta demora para perceber que o município não consegue gerir o equipamento que recebeu.” A fiscalização por parte do TCU (Tribunal de Contas da União) também é insuficiente. “Em muitos casos, o tribunal faz sorteio para decidir onde fiscalizar.”

Brito também responsabiliza a dependência financeira a que os municípios estão sujeitos. O governo federal fica com 60%, em média, de tudo o que é arrecadado no Brasil. “Os estados ficam com 25% e, os municípios, com 15%.”

Para se livrar da dependência federal, o administrador defende a implantação dos chamados consórcios intermunicipais. Desde 2005, é possível que municípios se unam para construir políticas públicas que ajudem uma região em comum. “Se precisa de material escolar, 20 prefeituras lançam uma licitação em conjunto para uma grande compra de lápis, papel e uniforme. O preço cai porque ganha em escala.”

No Alto Vale do Paranapanema, no interior de São Paulo, 18 prefeituras se juntaram para cuidar do Samu. Cada município paga uma mensalidade para uma câmara técnica gerenciar o serviço em caráter regional. “Para escapar de interesses políticos, esse comitê é formado por servidores concursados, que não vão embora junto com o prefeito.”

Ministério da Saúde

Diante da quantidade de UPAs sem funcionar devido ao alto custo de manutenção, o governo federal publicou em maio deste ano um decreto permitindo que as estruturas sejam utilizadas para finalidades mais baratas na área da saúde, sem a necessidade de o municípios “devolverem os recursos federais”, informa o Ministério da Saúde. “A medida atende a uma demanda das prefeituras para não perder a estrutura.”

“Será possível atender como UBS (Unidades Básicas de Saúde), CAPs (Centro de Atenção Psicossocial), CER (Centro Especializado em Reabilitação), Academias da Saúde, entre outros”, finaliza a pasta.

Da Redação com informações do UOL

Delmo Menezes
Gestor público, jornalista, secretário executivo, teólogo e especialista em relações institucionais. Observador atento da política local e nacional, com experiência e participação política.

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here