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“Eu disse a minha esposa que descobrimos algo no laboratório que, um dia, poderia ser muito útil”, contou o médico à BBC News. E ele estava certo.

Por Redação

Em junho de 1991, o imunologista escocês Ian Frazer voltou para casa animado. A descoberta seria o início de um processo que mudou a prevenção de um dos tipos mais letais de câncer para mulheres.

Frazer era professor da Universidade de Queensland, na Austrália, e estudava o HPV, que causa o câncer de colo de últero.

HPV é a sigla em inglês para papilomavírus humano. São vírus capazes de infectar a pele ou as mucosas oral, genital ou anal, tanto de homens quanto de mulheres – provocando, segundo o Ministério da Saúde, verrugas na região genital e no ânus, além de câncer, a depender do tipo de vírus.

Dos mais de 150 tipos diferentes do vírus, 13 são considerados de alto risco, podendo causar, além dos tumores cervicais, câncer de ânus, vulva, vagina e de pênis.

Altamente contagioso, muitas vezes assintomático e sem cura, ele é transmitido principalmente durante a relação sexual sem proteção e, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS), é o vírus sexualmente transmissível mais comum.

“Aproximadamente 8 em cada 10 pessoas contrairão esse vírus em algum momento de suas vidas”, segundo a ONG britânica Cancer Research, dedicada à pesquisas sobre a doença.

No Brasil, dados do Ministério da Saúde divulgados em 2017 mostram que a prevalência do vírus na população é de 54,6% – sendo que 38,4% apresentaram HPV de alto risco para o desenvolvimento de câncer.

O HPV é responsável por 99% dos casos câncer de colo de útero. É o terceiro mais frequente entre as mulheres no país, o quarto que mais mata – e um dos poucos que podem ser prevenidos com vacina.

O organismo da maioria das pessoas combate o vírus e muitos nem chegam a saber que foram contaminados.

Para alguns, no entanto, as consequências dele podem ser fatais.

Em 1989, Frazer estava em um período sabático na Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e lá conheceu o cientista chinês Jian Zhou, que também estava interessado em pesquisas sobre o HPV.

Ele então o convidou para trabalhar em seu laboratório na Universidade de Queensland, na Austrália. Seu objetivo? Tentar encontrar uma vacina para o vírus.

Mas eles esbarraram em um problema fundamental.

Ao contrário da maioria dos vírus, o HPV não pode ser replicado em laboratório. E esse processo é essencial para desenvolver uma vacina.

Eles decidiram então superar o obstáculo de uma jeito muito especial: usando técnicas de engenharia genética para tentar copiar o vírus.

“Identificamos o código genético da parte externa do vírus e foi isso que tentamos recriar através de uma cultura de células”, explica Frazer à BBC.

Assim começou um meticuloso trabalho de pesquisa e experimentação que durou meses.

A lógica era que, se conseguissem replicar a camada externa do vírus, e se ela fosse idêntica à original, o organismo a identificaria e o sistema imunológico reagiria eliminando o vírus.

Dessa maneira, se no futuro a pessoa fosse infectada pelo HPV, o corpo o reconheceria e o eliminaria, impedindo assim que o vírus pudesse causar o câncer de cólo de útero.

“Nós tentamos 20, 30 vezes, até que finalmente conseguimos. A aparência do vírus que criamos era a do HPV. E isso nos deixou muito animados. Se uma vacina podia ser desenvolvida, aquela era a maneira de fazer”, diz o imunologista.

Os cientistas patentearam a descoberta e, logo depois, empresas farmacêuticas começaram a contatá-los.

A indústria americana Merck foi quem reproduziu em laboratório o que Frazer e Zhou fizeram.

Levaria anos, no entanto, até a vacina poder finalmente ser comercializada. A primeira versão, que contou com contribuições inovadoras de outro grupo de cientistas nos Estados Unidos, se concentrou em 2/3 dos tipos de HPV que causam o câncer de colo do útero.

Mais de 100 variedades foram identificadas, mas ao menos 13 estão associadas à doença, de acordo com a OMS.

Os estudos clínicos foram concluídos em 2001 e incluíram 6 mil mulheres que foram vacinadas e ficaram sob supervisão médica por 2 anos. A eficácia foi de 100%.

Como o vírus é transmitido através de relações sexuais e a vacina funciona naqueles que não contraíram a infecção, o momento ideal para a imunização é na infância, antes que a pessoa seja sexualmente ativa.

Os Centros dos EUA para Controle e Prevenção de Doenças recomendam a aplicação de duas doses para meninos e meninas entre 11 e 12 anos.

No Brasil, desde 2014, o Sistema Único de Saúde (SUS) oferece gratuitamente a vacina contra o HPV para meninas de 9 a 14 anos e meninos de 11 a 14 anos.

A indicação para esse grupo está relacionada a sua maior capacidade imunológica de desenvolver anticorpos: estudos sobre a eficácia da vacina em diferentes grupos etários mostraram que a resposta imunológica do organismo é mais alta na pré-puberdade. Por isso, a imunização em massa é para essa parcela da população, e não em adultos.

A vacina também é distribuída gratuitamente pelo SUS e é indicada para pessoas portadoras do vírus HIV e pessoas transplantadas na faixa etária de 9 a 26 anos. Para aqueles acima dessa idade, é necessário se vacinar na rede privada.

Outras formas de prevenção do vírus, porém, são importantes.

Entre elas estão o exame preventivo contra o HPV, o papanicolau – um exame ginecológico que não é capaz de diagnosticar a presença do vírus, mas é considerado o melhor método para detectar câncer de colo do útero e suas lesões precursoras.

Outra forma é o uso de camisinha masculina ou feminina nas relações sexuais. “Essa é outra importante forma de prevenção do HPV. Contudo, seu uso, não impede totalmente a infecção pelo HPV, pois, frequentemente as lesões estão presentes em áreas não protegidas pela camisinha (vulva, região pubiana, perineal ou bolsa escrotal)”, diz o Ministério da Saúde em texto publicado no site.

Da Redação com informações da BBC

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