O médico Juan Delgado é vaiado por manifestantes na chegada a Fortaleza (CE). Foto: Reprodução

Por Fernanda Canofre

Recebido com vaias e chamado de “escravo” pouco após a chegada a Fortaleza em agosto de 2013, o médico cubano Juan Melquiades Delgado, 53, só pensava em caminhar até o ônibus e escapar dali. Planejava passar três anos trabalhando no “gigante sul-americano” pelo programa Mais Médicos e, então, voltar para casa.

Hoje, quatro anos depois, ele está casado com uma brasileira, vive no município de Zé Doca (no interior do Maranhão) e não tem planos de ir embora. “Eu conheci minha mulher, então quis ficar. Aqui, me sinto muito bem”, diz o “doutor cubano”, como é chamado na cidade.

Delgado está entre os 1.500 médicos cubanos que pediram para permanecer no Brasil, segundo o Ministério da Saúde. Destes, apenas 38 foram aprovados para manter a atuação, ainda com convênio ligado a Cuba. O governo federal diz que a meta é substituir mais 4.000 postos ocupados por cubanos nos próximos três anos.

Médico cubano Juan Melquiades Delgado, casa com brasileira e quer permanecer no Brasil

Juan virou símbolo do programa ao estampar capas de jornais em sua chegada, quando foi hostilizado em protesto de médicos cearenses -na ocasião, na gestão Dilma (PT), associações médicas fizeram fortes cUm mês depois, chegou a Zé Doca, município com pouco mais de 50 mil habitantes, a 302 km de São Luís, e se tornou um dos dois médicos responsáveis por mais de dez aldeias indígenas da região.

No primeiro dia de trabalho, Juan encontrou o posto de saúde ocupado por protestos contra a escassez de medicamentos e alimentos e problemas na entrega do Bolsa Família. Vestindo uma camiseta com a frase “somos escravos da saúde”, ele explicou aos indígenas que “queria trabalhar em harmonia”.

“Tudo foi pacífico, eles não estavam armados. Me apresentaram às lideranças, nós conversamos, eu disse que era um médico cubano que havia chegado ao Brasil para trabalhar e me acolheram muito bem”, afirma Juan.

IDIOMA

A maior dificuldade até aqui, segundo ele, é a barreira do idioma -mas não entre o português e o espanhol. No distrito que atende, Delgado tem pacientes das etnias ka’apor, awá-guajá e tenetehara-guajajara. A maioria só se comunica pelo dialeto próprio. Para fazer as consultas, o médico precisa de tradutor.

Há ainda os problemas de estrutura. “Falta comida, faltam remédios, só uma das aldeias tem um posto com toda a infraestrutura necessária. Nos outros lugares é uma casa, sem nada de equipamento. Quando temos alguma emergência, tem que trazer para Zé Doca, para o hospital”, conta. O que, no caso de algumas aldeias, significa viagens de até três horas.

Antes da chegada dos cubanos, a cidade estava sem médicos havia dois anos. O atendimento era feito pelas equipes de enfermagem e agentes de saúde.

CASAMENTO

Uma das agentes, Ivanilde Lopes Silva casou-se com o médico em novembro do ano passado. Os dois se conheciam de vista pelo trabalho no posto de Zé Doca desde 2013. O namoro, no entanto, só engrenou no final de 2015, quando se encontraram trabalhando nas aldeias, onde Ivanilde costuma ficar por períodos de 20 dias consecutivos.

“O namorico partiu de olhares”, conta ela, que diz admirar o marido “calmo, tranquilo e inteligente”.

O pedido de casamento, poucos meses depois, a pegou de surpresa. “Eu tinha 56 anos, era solteira, ainda não tinha casado. Jamais ia pensar que ele me pediria em casamento. Mas foi muito bom.”

Com 17 anos de experiência em áreas indígenas, Ivanilde diz que viu a situação da região melhorar com os cubanos. O trabalho de prevenção e mais tempo de atendimento ajudaram a diminuir os índices de tuberculose e DSTs na região, diz.

O cubano afirma que pretende continuar. Juan não parece se intimidar -viu de perto a guerra civil de Angola, em 1985, e ajudou o Haiti durante a epidemia de cólera e o terremoto de 2010.

“Tem pobreza aqui, mas em todo país tem pobreza. A gente trabalha para ajudar a saúde de outro povo. Eu gosto de morar aqui, já estou acostumado”, afirma o médico.

Da Redação com informações da Folha

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