Memorial JK em Brasília. Foto: EBC

Localizado em um dos pontos mais altos e icônicos da capital, o monumento reúne acervo obrigatório para quem pretende conhecer os bastidores da construção da capital

Por Jéssica Antunes

A estátua que eterniza o aceno de Juscelino Kubitschek à nova capital do Brasil está no topo de um tesouro. Construído em um dos pontos mais altos da metrópole para homenagear o estadista que ousou erguer Brasília no meio do nada, o Memorial JK zela a história por trás da epopeia da cidade que está prestes a completar 60 anos. É com um acervo de relíquias que, nesta quinta-feira (12), o monumento completa 38 anos — mesmo dia em que JK faria 117 anos. Não por acaso, este também é o Dia do Pioneiro.

O Memorial foi inaugurado oficialmente em 12 de setembro de 1981. Naquele dia, Eurícles Antônio de Oliveira já estava lá. Radicado no interior da Bahia, ele veio de mala e cuia para capital e, em uma agência de empregos no Conic, foi encaminhado para a área de limpeza do monumento. Dali ele nunca mais saiu, nem após aposentadoria. Aos 65 anos, o homem de cabelos já grisalhos faz parte da própria história do local e narra, com propriedade, os detalhes guardados no Memorial.

Em 5.784 metros quadrados de área construída, o monumento reúne acervo pessoal e político do ex-presidente, fotos que contam detalhes de sua vida e obra, a sala de metas para seu governo, maquetes, vestes, imagens da construção e inauguração da capital e, ainda, uma reconstrução da biblioteca pessoal. Todos os itens, garante Eurícles, são obrigatórios para entender a história por trás da criação de Brasília.

O recepcionista Euricles Oliveira é o funcionário mais antigo do Memorial JK. Ele estava lá na inauguração e coleciona histórias de quase quatro décadas no monumento. Foto: Renato Araújo/Agência Brasília

“Ele, filho de caixeiro viajante, saiu do nada, da pobreza. Estudou, correu atrás e chegou onde chegou. É incrível e emocionante. Se hoje é difícil, imagina naquela época?”, questiona o funcionário mais antigo do Memorial JK, que após passar anos como motorista e conviver com três gerações de Kubitscheks, assumiu a função de recepcionista. Ou melhor: de contador de histórias. Ele acredita que o monumento cumpre o papel idealizado por Dona Sarah, viúva de JK: manter viva a memória do marido.

Carga emocional

As visitas ao local são, muitas vezes, carregadas de emoção. As pessoas choram por vários motivos: por recordar ou conhecer as épocas retratadas no Memorial, por reconhecer parentes nas imagens, por se verem retratadas ali.  É o que conta Tamires Alves, 31 anos, que trabalha há meia década no monumento.

Conterrâneas de JK, Isaura de Araújo, 82 anos, e Vânia de Araújo, 58, fizeram questão que o Memorial fosse a primeira parada quando resolveram visitar a capital. Moradoras de Belo Horizonte, mãe e filha se impressionaram com a magnitude do monumento. “É história viva. Chama atenção pela importância, remete ao passado, tem uma riqueza de detalhes impressionante”, valoriza a filha, pedagoga.

A mãe, por sua vez, volta ao passado com as lembranças que remetem sua infância. “JK foi um grande presidente. Dom Bosco previu Brasília como a capital, no centro do Planalto, e ele conseguiu cumprir a promessa e a profecia”, recorda a idosa.

Mineiras como o ex-presidente, Isaura e Vânia Alves de Araújo fizeram questão de tornar o Memorial JK o primeiro ponto de parada na capital. Foto: Renato Araújo/Agência Brasília

O próprio JK recebe os visitantes na Sala de Metas, onde estão reunidos fragmentos da História de Brasília. Ali, um holograma em tamanho real explica o plano para seu governo que culminou na inauguração da nova capital. Também chama a atenção uma pintura feita pelo artista Candido Portinari em 1956 e a coleção de obras do escritor inglês William Shakespeare, presenteada pela Rainha Elizabeth II, que faz morada em sua biblioteca particular.

Talvez o espaço que desperte maior curiosidade – e até medo dos menores – esteja no segundo andar. É a Câmara Mortuária, morada definitiva do estadista que nasceu em 12 de setembro de 1901, na cidade de Diamantina (MG). O túmulo onde JK descansa está no centro de um ambiente com paredes esculpidas por Athos Bulcão e um vitral feito por Marianne Peretti. O espaço recebe luz natural que varia de tom de acordo com a posição do Sol.

A participação da ex-primeira-dama não é mero adendo. Idealizadora do monumento, sua trajetória também tem destaque. O gabinete de onde ela despachou desde a inauguração tem jardim de inverno feito pelas mãos de Roberto Burle Marx, além de objetos pessoais e fotografias de época. Lado a lado com o marido, a imagem de Dona Sarah se repete no caminho de JK. Ela protagonizou grandes ações de assistência social.

Mobilização nacional

O projeto arquitetônico do Memorial JK foi inaugurado em 1981. Trata-se de uma homenagem de Dona Sarah Kubitschek para manter viva a memória do marido após sua morte, cinco anos antes. Ela fez uma campanha para adquirir um terreno, doado pelo então presidente João Figueiredo em área icônica — onde a primeira missa foi celebrada, em 1957. Também mobilizou todo o país para angariar doações e recursos para a construção. O ato teve apoio de políticos, amigos, familiares e do povo.

A obra foi feita em 17 meses, com projeto do arquiteto Oscar Niemeyer. São 120 metros de comprimento, 32 metros de largura e um pedestal de concreto armado de 28 metros de altura, de onde sai uma grande mão em forma de concha e protege a estátua em bronze, feita por Honório Peçanha, de onde JK acena para a cidade.

Canteiro de obras mostra, ao fundo, Torre de TV. Imagem cedida pelo Memorial JK

Os espelhos d’água, as rampas de acesso, e o verde do gramado e dos jardins emolduram o edifício monumental, todo em mármore branco contrastando com o céu da capital. No jardim, uma escultura de Dona Sarah abraçada ao presidente convida o visitante a conhecer um pouco da história do Brasil. Um pequeno monumento de granito negro reproduz uma das frases do ex-presidente. Às vésperas do aniversário, o local passou por manutenção externa que deixou a fachada com cara de nova.

Discursos serão publicados 

E no embalo das comemorações do aniversário, cinco anos de discursos de Juscelino Kubitschek serão transformados em livros. A primeira obra, com as falas proferidas em seu primeiro ano de governo, em 1956, será disponibilizada nesta quinta-feira (12), em sessão solene no Senado Federal. Os outros lançamentos estão previstos até 12 de setembro de 2021, quando JK completaria 119 anos.

Ouça o que o presidente disse em alusão à inauguração da cidade, em 1960:

Seis perguntas para Anna Christina Kubitschek:

Como se deu a escolha dos itens que compõem o acervo do Memorial JK?
Quando o Memorial JK foi inaugurado, tínhamos um acervo menor que o atual, com peças apenas coletadas por nossa família. Com o passar dos anos, fomos aumentando ele aos poucos, com a incorporação de novos itens, doados por brasileiros e por amigos, outros obtidos pela nossa equipe. Exemplo disso é o estudo que está ao lado do quadro de Portinari que retrata JK com a faixa presidencial. O nosso saudoso Sérgio Vasconcelos comprou em um leilão e doou ao Memorial. Mas há itens que estão aqui desde o começo e que tem um enorme simbolismo. Caso, por exemplo, da Biblioteca de JK. Ela veio do Rio de Janeiro exatamente como estava montada no apartamento de Copacabana. Outro acervo que também é do início do Memorial é o da sala da minha avó, com seus móveis projetados por Oscar Niemeyer. Mas fui, com o passar dos anos, adicionando os itens, como os vestidos que ela usava, e que fazem imenso sucesso.

Como acontece a conservação dos vestuários expostos? Com que frequência são retirados, limpos, repostos? De que forma acontece a limpeza?
Essa foi uma ideia que tive após visitar o Metropolitan, em Nova York. Lá havia uma exposição temporária do vestuário de Jackeline Kennedy Onassis, e isso me inspirou a trazer a proposta para o memorial JK, pois as pessoas adoravam aquela mostra. Após minha avó falecer, levei esse toque intimista e que todos adoram para o Memorial JK. Tal como todo o acervo, que é cuidado por duas museólogas, todas as peças passam por limpeza e conservação diária, feita por pessoal especializado e usando as técnicas mais modernas de conservação de acervos.

Há mudanças esporádicas nos itens do acervo ou tudo é definitivo?
O acervo está sempre sendo modificado e atualizado, com a incorporação de novas peças e mudanças ocasionadas pelo feedback que o público nos dá. Exemplo disso é a galeria de JK e as personalidades. Era uma exposição temporária que virou definitiva. Assim, muitos outros itens foram atualizados e aumentados. Isso sem falar da necessidade de modernizar sempre o espaço. No início, não tínhamos, por exemplo, o elevador para pessoas com deficiência, que hoje proporciona mais conforto a todos os visitantes. Há dois anos, fizemos o grande projeto de digitalização e de plena acessibilidade. É uma renovação constante.

Qual é a história da pintura feita por Candido Portinari a JK em 1956?
Esta peça está, desde o início, no acervo do Memorial. Trata-se de uma pintura a óleo feita em 1960, com 1,99m de altura por 99cm de largura. Ele a pintou auxiliado por fotos, fazendo uma composição nos tons escuros de preto, terras e verdes e nos tons ocres, amarelo e branco. Os dois sempre foram muito amigos. E JK era um amante das artes, especialmente do modernismo. Tanto é assim que, em 1944, quando era prefeito de Belo Horizonte, promoveu a Mostra de Arte Moderna na cidade. Foi Portinari que, naquele mesmo ano, indicou Guignard para montar o curso de pintura e desenho, embrião da futura Escola de Belas-Artes de Belo Horizonte.

Quais os principais desafios de gerenciar o Memorial JK? Passados 38 anos, como é o trabalho para manter viva a memória do seu avô?
É gratificante. Às vezes, vou ao limite das minhas energias, pela característica que tenho de administrar planejando o futuro – os planos para 2020, por exemplo, terminei em maio deste ano. Também sou perfeccionista e detalhista, o que faz com que eu viva 24 horas pensando em como gerenciar o Memorial para ser mais dinâmico, acessível e confortável – e isso em conjunto com a vida que nós, mulheres, temos, repleta de compromissos… Mas meu foco principal é justamente gerenciar a memória do meu avô, tentando sempre antever problemas, estabelecer metas e gerar resultados.

Qual é o planejamento para levar toda essa história às novas gerações?
O Brasil vive um momento único e sensível, em que sentimos a falta da moderação e da conciliação que JK sabia propor. Então, decidimos resgatar suas falas mais importantes como presidente da República. Nesta quinta-feira (12), que marca o 117° aniversário de nascimento do meu avô, vamos lançar, em conjunto com o Senado Federal, o primeiro de uma série de cinco livros com os seus discursos. Este documento histórico estará acessível a toda a população e poderá influenciar e ajudar os políticos e as novas gerações. Até porque iremos doar estes livros, e não vender, facilitando o acesso popular a tantas reflexões profundas, que só ele soube propor ao país.

Da Redação com informações da Ag. Brasília

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