Aeronave da linha aérea falsa Mom Air Foto: Oddur Eysteinn Fridriksson/Mom Air

Pensou que 2020 já tinha revelado todas suas surpresas? Há ainda uma candidata para a notícia menos provável para terminar o ano no turismo: o lançamento de uma nova companhia aérea.

Por Redação*

Enquanto a indústria da aviação luta para se manter à tona, com as companhias aéreas perdendo dinheiro por todo lado, foi uma surpresa ver o “lançamento” da Mom Air, uma companhia aérea que prometia conectar a Islândia aos dois lados do Atlântico.

De um jeito suspeito, o anúncio da Mom Air se parecia com o da WOW Air, que faliu em 2019 e cujo nome, se virado de cabeça para baixo, vira MOM. O roteiro entre a Europa à América do Norte — atendendo a grandes cidades, como Londres, Paris, Berlim, Boston e Toronto — anunciado pela falsa companhia até parecia bastante sensato.

Mas foram as outras políticas propostas da Mom Air que causaram surpresa.

A companhia aérea parecia estar copiando o manual da aérea Ryanair, cobrando não apenas pelos assentos, wi-fi no voo e bagagem de mão, mas também por papel higiênico, sabonete e até coletes salva-vidas (o que é ilegal).

A empresa até ofereceu “voos da Covid”, para aqueles com resultado positivo e aqueles que já haviam contraído a doença —esses seriam atendidos por funcionários que tiveram a doença e desenvolveram anticorpos.

Parecia uma fraude —mas encorajados por outras diretrizes mais amigáveis para os passageiros, como dar dois bilhetes grátis por voo, não exigir pagamento até dois dias antes da decolagem, oferecer cancelamento gratuito e assentos de reserva baratos, clientes em potencial correram para o site.

A Mom Air também parecia preencher os quesitos socialmente corretos, como prometer empregar mulheres e homens em quantidades iguais e proteger a natureza ao compensar o gasto de carbono, usar materiais reciclados e eliminar o uso de papel.

O resultado? Quase 10 mil seguidores no Instagram e 6 mil pedidos de reserva, de acordo com o CEO, em apenas duas semanas, antes mesmo de a companhia aérea anunciar datas e preços.

A grande revelação

Havia apenas um problema. Oddur Eysteinn Fridriksson, CEO da Mom Air, apelidado Odee, é um artista. Segundo ele disse à CNN, o projeto era “mostrar exatamente o quão obscura é nossa realidade”, pois bastou criar um site e enviar comunicados à imprensa para “nosso mundo virar de cabeça para baixo”.

Na verdade, ele planejava continuar o projeto por mais de duas semanas, mas a atenção que a Mom Air recebeu tornou-se muito estressante. Odee foi inflexível ao confirmar que se tratava de uma companhia aérea de verdade, tanto para jornalistas e fãs em uma “coletiva de imprensa de lançamento” quanto para os advogados que representam a WOW Air (que tem planos de relançamento). Após 15 dias, ele confirmou que era um projeto de arte.

“Foi muito difícil”, diz ele. “Recebi 6 mil reservas, 200 reclamações, dois comentários por minuto nas redes sociais” (a CNN não pôde verificar essas afirmações, embora 10 mil pessoas tenham assistido ao vídeo de “lançamento” de 41 minutos da companhia aérea no Facebook).

“Eu estava tentando acompanhar tudo e fazer parecer que havia muitas pessoas trabalhando na empresa”.

Alguns planos “fazem sentido”

As promessas da Mom Air certamente deixaram as pessoas animadas. Na “conferência de imprensa de lançamento”, Fridriksson (filho de um especialista em marketing que fez o design das latas de cerveja da WOW Air) disse que os dois assentos gratuitos em cada voo eram um recurso para aumentar o conhecimento da marca. A companhia aérea não perderia dinheiro, afirmou ele sob o disfarce de CEO, porque os destinatários teriam que comprar um voo de volta – além disso, provavelmente comprariam serviços extras.

Mom Air emitiu bilhetes gratuitos para fãs e influenciadores. Foto: Oddur Eysteinn Fridriksson/Mom Air

Sobre colocar tudo à venda, até o papel higiênico, ele disse que, ao cobrar por extras, a Mom Air “baixaria o custo do assento real”.

Então, seus planos são realmente tão bizarros – ou é esse o destino das aéreas de baixo custo? Paul Simmons, diretor executivo da Blue Islands – uma companhia aérea de baixo custo sediada nas Ilhas do Canal que assumiu algumas das rotas da extinta companhia aérea do Reino Unido Flybe – acha que algumas das “políticas” da Mom Air são decentes.

Simmons (que também trabalhou como CCO da Flybe, Malaysia Airlines e Air Arabia, e foi chefe de marketing da EasyJet) diz que os dois assentos grátis por voo faziam sentido.

“Posso ver o benefício do reconhecimento da marca por meio da publicidade com esses assentos”, afirmou. “A maioria das companhias aéreas de baixo custo opera com uma taxa de ocupação de 95%, portanto, há assentos sobressalentes. Não é burrice”.

Ele também ficou intrigado com a afirmação da Mom Air de que os hotéis pagariam parcialmente os voos dos passageiros – mais uma vez, Fridriksson disse, para publicidade. Em vez de pagar comissão a sites de agências de viagens online como o Booking.com, a ideia da Mom Air era que o hotel contribuísse para o voo dos passageiros que reservassem diárias com eles. “Faz sentido, dada a margem que as operadoras de turismo têm”, disse Simmons.

O que não combinava era a ideia de cobrar por coletes salva-vidas (“totalmente ilegal”) e papel higiênico (“há certas coisas pelas quais você simplesmente não pode cobrar”). Os mínimos legais [incluindo um copo de água, sabão e produtos de higiene pessoal] são estabelecidos nas regras e regulamentos”.

A infame sugestão do CEO da Ryanair, Michael O’Leary, de cobrar dos passageiros o uso do banheiro era, afinal, uma piada.

Simmons também diz que trazer de volta o conceito outrora popular de assentos reserva mataria o negócio. As companhias aéreas de baixo custo trabalham com preços dinâmicos, em que as tarifas começam baixas e aumentam quanto mais cheio o avião fica e mais se aproxima o momento da partida.

“A estratégia faz com que as pessoas reservem com antecedência”, diz ele. A promessa de acordos tardios afundaria a companhia aérea.

Resumindo, “algumas de suas ideias são razoáveis, mas provavelmente não são verdadeiras”. Päivyt Tallqvist, o vice-presidente de comunicações corporativas da Finnair, também ficou intrigado com as sugestões de Friðriksson, chamando a Mom Air de “performance interessante”.

“Acho que o projeto e a repercussão que ele conseguiu destacam o quanto as pessoas são apaixonadas por viagens, especialmente agora que as pessoas não têm conseguido viajar normalmente”, disse ela à CNN.

“Sempre há espaço para inovação em design de produto, vendas e marketing, também na aviação. Dito isso, acho que segurança e confiabilidade também são prioridades para o futuro.”

Slots, aviões e equipe disponíveis

O projeto certamente atingiu um ponto importante. Fridriksson diz que foi contatado por uma empresa de leasing de aeronaves, que lhe ofereceu “aviões, pessoal e serviços em terra”.

“Uma empresa de logística me ofereceu slots em aeroportos. Uma empresa que lida com marketing para uma grande companhia aérea europeia disse que gostaria de adicionar a Mom Air ao seu portfólio e me ajudar a estabelecer uma base no Egito”, revelou. Friðriksson disse até que recebeu uma oferta de emprego de uma companhia aérea rival. (A CNN não conseguiu verificar essas alegações.)

A imprensa islandesa chegou a informar que o advogado da extinta WOW Air chamou-o de “homem talentoso” e sugeriu que ele voltasse sua atenção para ajudá-los a colocar a companhia aérea de volta à operação.

Mas ele também acha que os viajantes estão desesperados por boas notícias.

“As pessoas viram a companhia aérea como um raio de sol”, comentou. “Elas estavam tão cansadas de ficar presas em casa, querendo viajar para o exterior, que isso lhes deu uma sensação relaxante por alguns dias e as fez sonhar.”

Claro, ele também fez promessas que não tinha intenção de cumprir. A Mom Air distribuiu passagens nas redes sociais, chegando a enviar vouchers físicos para um suposto voo em 2021-2022.

Mas ele não se sente culpado.

“Meu foco principal era mostrar a obscuridade de como você pode simplesmente colocar uma fachada e dizer às pessoas que você tem uma empresa, e as pessoas começarão a acreditar e interagir com ela”, afirmou.

“Você faria a mesma pergunta a outros CEOs que afirmam estar iniciando companhias aéreas [se eles se sentem culpados]? Acho que, porque disse que era arte, recebi perguntas mais difíceis – perguntas que os outros deveriam ter recebido. Vimos o ‘lançamento’ de várias novas companhias aéreas na Islândia este ano, mas nenhuma delas começou a operar. Muitos CEOs planejando companhias aéreas recebem atenção mundial, mas na verdade não vemos nada. Eles não dizem de onde estão tirando o dinheiro, nem de onde vêm os aviões”.

Segundo ele, o colapso da WOW Air atingiu duramente os islandeses. Nesse sentido, o lançamento da misteriosa Mom Air foi um ato político.

E seus acenos para a igualdade de gênero e o meio ambiente estavam, disse ele, zombando das técnicas modernas de marketing.

“É uma característica de empresas como esta fazer ‘lavagem verde’ ou ‘lavagem pink’ em seus negócios, então eu estava tentando estar no personagem”, diz ele.

O futuro dos voos?

A Mom Air pode ter feito sua grande revelação, mas Fridriksson diz que alguns fãs não estão dispostos a aceitar a verdade.

“As pessoas ainda estão tentando reservar voos”, diz ele. “Estão enviando emails, dizendo: ‘Vi que isso é uma obra de arte, mas ainda haverá uma companhia aérea? O projeto ainda está vivo e vou continuar coletando dados até que esteja satisfeito e possa fechá-lo.”

Nesse ínterim, ele afirma não ter recebido uma única reclamação sobre sua fraude – sem nenhuma palavra dos influenciadores que anunciaram sua falsa companhia aérea, ou mesmo de pessoas que “ganharam” passagens gratuitas.

O artista Oddur Eysteinn Fridriksson no “lançamento” da Mom Air. Foto: Divulgação

E embora ele não tenha nenhum desejo de realmente lançar uma companhia aérea, Fridriksson acha que a Mom Air pode não estar muito longe da verdade sobre voos de baixo custo no futuro.

“Eu tentei levar isso ao limite da credibilidade, mas é a mesma coisa que o ‘Os Simpsons’ fazerem uma previsão. A flexibilidade de reservas ganhou vida [na pandemia]. Prevejo que as companhias aéreas anunciarão assentos grátis no futuro e que as empresas locais contribuirão com a passagem, reduzindo o custo da viagem.

“Daria para pagar entre US$ 15 e 20 só para conseguir um cliente. Não precisa mais descontar seu quarto de hotel – basta comprar seu cliente”.

E quanto ao papel higiênico, ele diz: “Acho que seria realmente o ideal. Eu acho que dá para confiar nas pessoas para trazer seu próprio papel higiênico. As companhias aéreas podem responsabilizá-los pelo que desejam usar”.

*Com informações da CNN

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here