“Desde sua criação, em 1993, é a primeira vez que alguém abandona o bloco econômico, interrompendo o processo de construção de uma ‘casa comum’ na Europa, que parecia irreversível, principalmente depois do fim da União Soviética”
Por Luiz Carlos Azedo
Dominada pelos
conservadores, a Câmara dos Comuns aprovou, ontem, a saída definitiva do Reino
Unido da União Europeia, depois de três anos de impasses, desde a aprovação do
Brexit no plebiscito de 24 de junho de 2016. Sob a liderança do
primeiro-ministro Boris Johnson, o Partido Conservador garantiu a aprovação do
afastamento, que obteve 330 votos, contra os 231 da oposição, liderada pelo
Partido Trabalhista. O texto depende ainda do endosso da Câmara dos Lordes para
ter a assinatura da rainha, o que deve ocorrer na próxima semana. O Brexit
deverá ser ratificado também pelo Parlamento Europeu, em sessão marcada para 29
de janeiro, dois dias antes do prazo final para a saída do bloco.
Há três anos, o adeus britânico à União Europeia surpreendeu
o mundo, pois ninguém esperava que o nacionalismo emergisse no Reino Unido com
força tão avassaladora, a começar pelo então primeiro-ministro David Cameron,
que havia convocado o plebiscito. Líder do partido conservador, fez intensa
campanha contra o Brexit, mas foi derrotado de forma surpreendente e acabou
tendo que renunciar ao cargo. Foi sucedido por Teresa May, também do Partido
Conservador, que acabou renunciado por outro motivo: a maioria dos deputados
rejeitou suas propostas de acordo por três vezes. Foi sucedida por Boris
Jonhson, que virou a mesa e, nas últimas eleições, conseguiu formar ampla
maioria no Parlamento. Brexit é uma junção das palavras em inglês
“British” e “exit”, que significa “saída
britânica”.
Desde sua criação, em 1993, é a primeira vez que alguém
abandona o bloco econômico, interrompendo o processo de construção de uma
“casa comum” na Europa, que parecia irreversível, principalmente
depois do fim da União Soviética e da derrocada do comunismo no Leste Europeu.
A hegemonia da Alemanha e da França nesse processo nunca foi bem digerida pelos
britânicos, que foram os grandes artífices do atual processo de globalização,
com a política neoliberal da ex-primeira-ministra conservadora Margareth
Tatcher.
Economicamente, a retirada será muito traumática no curto
prazo para os cidadãos britânicos e europeus. Muitas leis vigentes no Reino
Unido perderão a validade. Para evitar “buracos” na legislação, a
ex-primeira-ministra Theresa May havia proposto que o Reino Unido absorvesse
todas as normas da UE e, após um período de transição, cada uma delas seria
avaliada, atualizada ou revogada — mas sem necessariamente consultar o
Parlamento. A proposta foi derrotada três vezes, mas agora acabou aprovada por
Boris Jonhson, com modificações.
Problemas
Em contrapartida, cerca de 1,3 bilhão de euros deixarão a UE
com a saída do Reino Unido, que é um dos três pilares da economia europeia.
Agora, a estabilidade da economia europeia dependerá, sobretudo, da Alemanha,
porque a França de Macron anda muito convulsionada. O Reino Unido será forçado
a pagar uma multa, estimada entre 60 e 100 bilhões de euros, o que também não
será muito fácil para os britânicos. A Escócia majoritariamente preferia
permanecer na União Europeia e ainda tem o problema da fronteira entre as duas Irlandas,
pois a do Norte preferia também permanecer na União Europeia. A Irlanda
permanecerá na União Europeia, com uma fronteira de 500km sem aduanas. Durante
30 anos, houve violentos conflitos entre as duas irlandas.
O Reino Unido tem uma aliança estratégica com os Estados
Unidos, em todos os níveis, e mantém fortes laços com a chamada Comunidade
Britânica (Commonwealth of Nations), integrada por 53 países, a grande maioria
ex-colônias, dos quais 16 ainda reconhecem a rainha Elizabeth II como chefe de
Estado, como Canadá, a Austrália e a Nova Zelândia, que são economicamente os
mais importantes.
Nenhum outro país da União Europeia reúne as mesmas condições
para sair do bloco. Mesmo assim, o Brexit fortalece e desperta correntes
nacionalistas em todo o continente europeu. O pior desse processo é que essas
correntes são muito xenófobas, reagindo fortemente à presença de imigrantes
africanos e árabes, o que pode agravar as tensões políticas em vários países,
inclusive na Alemanha, onde a primeira-ministra Angela Merkel sempre se
destacou pela defesa dos imigrantes e forte oposição às manifestações racistas,
de triste memória por causa do Holocausto.
Com informações do Correio