Fábio Gondim, Consultor do Senado Federal. Foto: Agenda Capital

Bolsa ‘Reeleição’ e hereditariedade política.

Por Fábio Gondim*

O Brasil está protagonizando um dos maiores escândalos de corrupção da história da humanidade. A operação Lava-Jato joga na cara do brasileiro, todos os dias, centenas de milhões de reais roubados por bandidos que se infiltraram na política. Para se ter uma ideia da dimensão, a Petrobrás registrou R$ 6 bilhões de pagamentos de propina em seu balanço! Paralelamente a isso, o Brasil vive uma das maiores crises econômicas de sua história e, certamente, a maior crise ética e moral de todos os tempos.

O brasileiro perdeu seu poder aquisitivo em proporções nunca vistas. Os salários já não são mais suficientes para pagar planos de saúde e mensalidades escolares, justamente o que fazia com que a classe média tivesse a equivocada sensação de normalidade. Os que recorrem à saúde pública encontram o caos, com hospitais desabastecidos, sem profissionais e com longas filas de espera para quase tudo. A educação ostenta IDEB de semianalfabetos e a esperança de um futuro melhor para os filhos fica cada vez mais distante.

Diante de tudo isso, a população quer mudanças! Não sabe que mudanças, exatamente, mas a percepção de que “do jeito que está não está bom” é geral. Uns defendem que ninguém seja reeleito. Outros querem a prisão de todos os políticos, o fim dos “privilégios” e toda sorte de punição aos políticos pelo que consideram atos que levaram ao seu sofrimento. Não importa a forma, todos querem mudanças.

Ocorre que, ainda na primeira semana de campanha eleitoral, nomes que figuram no imaginário popular como os maiores responsáveis pelas mazelas da sociedade aparecem, ou eles próprios, ou seus herdeiros políticos (normalmente filhos e cônjuges), nos primeiros lugares em todas as pesquisas eleitorais disponíveis. Apesar da rejeição, eles estarão nos representando ano que vem! Mas, afinal, o que acontece, então, com o brasileiro, que diz querer mudanças, mas não consegue mudar?

Existem dois tipos de campanha: a da compra de votos e a do voto consciente. Sim! Há um mercado do voto, com valores estabelecidos numa espécie de câmbio negro. Uma liderança comunitária que preste trabalho social para uma comunidade tem credibilidade para indicar o voto. Até aí, tudo bem. O problema é que, não raro, “vendem” esses votos para quem quer que os compre, não se importando com a qualidade do indicado, mas sim com a quantidade de dinheiro que recebem dele. Isso faz com que candidatos “do mal” consigam se eleger, desde que tenha dinheiro para comprar os votos que estão à venda. Isso não funciona tão bem para cargos majoritários, mas, para deputados e vereadores significa eleição certa!

Já a eleição do voto consciente pressupõe convencimento, apresentação das plataformas, avaliação da história de vida do candidato. Mais do que isso, o voto consciente, para ter vitória nas urnas, precisa ser levado adiante. O eleitor, uma vez convencido de seu voto, precisa levar o nome do candidato para amigos, parentes, vizinhos, colegas de trabalho, conhecidos… A palavra-chave que melhor define essa eleição é engajamento! Dá muito trabalho, mas é a única forma de eleger um candidato “do bem”.

O candidato “do bem” encontra uma série de barreiras, algumas quase intransponíveis, que acabam fazendo com que tenham um percentual de sucesso bem menor do que a turma “do mal”. Isso explica a dificuldade de mudança, conforme veremos a seguir.

Em primeiro lugar, está o voto não obrigatório. Alguns dirão que estou equivocado, pois o voto no Brasil é obrigatório. Respondo que equívoco é acreditar nisso. Como considerar obrigatório um voto que, caso não seja dado, impõe ao cidadão uma multa de R$ 3,40 e um conjunto de sanções que nem é percebido pelo apenado? A verdade é que vai votar quem quer. Muitos aproveitam o final de semana para viajarem com a família e ostentarem para amigos e vizinhos seu desprezo pelas instituições. “- Não voto em ninguém!”, dizem com orgulho. Só que esses são os que, justamente, teriam condições de dar o voto consciente, pois os demais, pagos, estarão lá votando por força dos acordos espúrios firmados. A omissão facilita ainda mais a eleição dos que compram votos.

Ademais, políticos profissionais, que dependem, para a sua subsistência, do cargo eletivo, ou que precisam dele para garantir foro privilegiado fazem de tudo para se reeleger. Gastam quanto dinheiro for necessário para comprar os votos de que precisam, não raro, dinheiro de origem criminosa, justamente o motivo pelo qual buscam abrigo no foro privilegiado, fechando, assim, o ciclo vicioso. Para piorar a situação, a nova legislação eleitoral criou o fundo eleitoral, que destina recursos públicos para os candidatos, mas que não estabeleceu punições mais severas para o caixa dois. Então, para quem tem coragem sobrando e pouca moral, não falta dinheiro para a compra de votos que garantirá sua permanência no poder. É o poder pelo poder!

Nesse ponto, vale a pena falar da Lei da Ficha Limpa. Importante instrumento de garantia da democracia, mas que tenho dúvidas acerca da sua eficácia. Diante do impedimento de uma candidatura por força de decisão condenatória em segunda instância, o político sem escrúpulos lança logo mão de seu espólio político, nome bonito para as “lideranças” que ele mantém em sua folha de pagamento, para viabilizar a eleição de seu rebento ou cônjuge, normalmente já iniciados na política velha e feia. Vão ao mercado de votos e compram tudo que podem. Garantem, assim, a hereditariedade política na sua família, que pouco interessa à sociedade. Gravitam sempre em torno do poder.

Finalmente, veio o golpe de misericórdia. A tarefa, já bastante difícil, de renovação da política torna-se ainda mais complicada com o aporte de recursos públicos nas campanhas. O fundo eleitoral se transformou na “bolsa reeleição” dos donos do poder. Partidos definem para quem distribuirão esses recursos e o que se verifica, já na primeira experiência prática da nova lei, é que os recursos ficam nas mãos dos que já têm mandatos e muito pouco vai para os que estão tentando entrar na vida política pela primeira vez. A alternativa para os novatos de bem, que seria o aporte de recursos de outras origens, está prejudicada, vez que a lei proibiu, também, o financiamento por empresas. Apenas pessoas físicas podem doar. Ocorre que, para competir com os recursos do “bolsa reeleição”, seriam necessários milhares de pequenos doadores, pessoas físicas, e, para isso, se for necessário, o contato do candidato com cada um, praticamente inviabiliza o intento.

Por tudo isso, verifica-se, ano após ano, a profissionalização cada vez maior da política, enquanto instrumento de poder pelo poder e garantia de proteção por meio do foro privilegiado, o que frustra sobremaneira a expectativa justa da população por tempos melhores e renovação na política. A situação não é fácil, mas tem solução.

A forma de contornar todas essas dificuldades, a única que conheço, é por meio da eleição do voto consciente. Mas, como visto, ela dá trabalho, exige qualidade do candidato, apresentação de plataformas e avaliação dos formadores de opinião. Os formadores, por sua vez, precisam deixar sua zona de conforto e levar o nome de seu indicado adiante, promovendo reuniões com amigos, parentes, vizinhos, colegas e conhecidos. Deve, também, divulgar o nome de todas as formas que puder, adesivando os carros da família, curtindo sua página nas redes sociais, transmitindo as ideias pelo Whatsapp e, não menos importante, fazendo contribuições financeiras espontâneas para a campanha. Como foi dito o voto consciente tira as pessoas de seu conforto, mas é instrumento poderoso para a mudança de nossa realidade.

*Fábio Gondim – Consultor de Orçamentos do Senado Federal; Ex-Consultor-Geral de Planejamento, Orçamento, Fiscalização e Controle do Senado Federal; Ex-Secretário de Estado e Colunista do Agenda Capital

Fabio Gondim
Consultor de Orçamentos do Senado Federal, ex-Consultor-Geral de Planejamento, Orçamento, Fiscalização e Controle do Senado Federal e Ex-Secretário de Estado.

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