Brasília - O ministro da Saúde, Ricardo Barros, concede sua primeira entrevista coletiva à imprensa sobre assuntos relacionados à pasta (Wilson Dias/Agência Brasil)

Por Natália Cancian

O ministro da Saúde, Ricardo Barros, afirmou nesta quinta (21), em entrevista à Folha, que o programa Mais Médicos é “provisório”, uma vez que, na organização dos serviços de saúde, cabe aos municípios a responsabilidade de contratar os médicos, e não ao governo federal.

A afirmação contraria a posição de ministros anteriores da gestão da presidente afastada Dilma Rousseff, para os quais o programa, inicialmente temporário, “veio para ficar” e poderia continuar até depois de 2026, quando terminam as metas para formação de novos médicos.

Barros não estipulou prazo para o final do programa, mas afirmou que o pacto federativo determina que é de competência dos municípios a execução do sistema de atenção básica de saúde. “São eles que deveriam contratar os médicos. Mas temos 2.500 municípios que só têm médicos do Mais Médicos.”

Segundo ele, parte desse cenário ocorre porque uma emenda na Constituição determina que a remuneração de funcionários públicos nos municípios não pode ser superior à do prefeito. “Isso precisa mudar. Há cidades pequenas em que o prefeito ganha R$ 3.000 ou 4.000. O médico não trabalha por isso.”

O ministro também anunciou novas medidas em relação ao programa. Em uma delas, pediu ao governo de Cuba e à Opas (Organização Pan-Americana de Saúde), responsáveis pela vinda dos médicos cubanos ao Brasil, que “flexibilizem” sua posição para que parte dos cubanos que chegaram em 2013 possam prorrogar o contrato por mais três anos. “Mais de 1.000 já casaram com brasileiros e alguns têm filhos”.

A Opas tem informado que os médicos serão substituídos em novembro. “Solicitamos e deverá haver flexibilização para que os que queiram possam permanecer, porque já estão articulados com a comunidade”, disse.

Ao todo, 18.240 médicos atuam no Mais Médicos, que oferta bolsa de R$ 10 mil a brasileiros e estrangeiros. Destes, 11.429 são cubanos –cerca de 20% deles devem ser substituídos em novembro.

Ricardo-Barros-MS jpgBarros afirmou ainda esperar que os cubanos sejam substituídos ao longo do tempo por brasileiros e que convidou o Conselho Federal de Medicina e a Associação Médica Brasileira para prepararem um edital com novas medidas que incentivem os brasileiros a ocupar vagas em cidades mais distantes, onde hoje a maioria é de cubanos.

RAIO-X DO MAIS MÉDICOS

No Mais Médicos – 4.058
No Brasil – 5.570

No Mais Médicos: 73%

R$ 2,7 bilhões é o orçamento previsto para o programa neste ano

R$ 10 mil é o valor da bolsa repassada pelo MS aos médicos

“Podemos ao longo do convênio ir avisando a Opas de que vamos substituir alguns médicos. Eles saem e entram os brasileiros. Esperamos que isso aconteça ao longo do tempo, até que só brasileiros fiquem no Mais Médicos.” Apesar de definir o programa como “transitório”, Barros disse que o prazo para acabar ainda é “imprevisível”, por depender da disposição de médicos brasileiros para ocupar os postos. “Médicos formados nessas novas faculdades e qualificados podem não se dispor a ir trabalhar onde precisamos. Temos que aguardar.”

Sobre manter o programa só com brasileiros, afirmou que essa proposta, nos moldes de uma carreira de Estado para médicos, é contra o pacto federativo. “Por que vou ter um contingente de médicos no governo federal se não é minha responsabilidade e se o sistema de saúde é descentralizado?”, disse. “A carreira de médico tem que existir nos municípios.”

Leia a entrevista 

Apesar de defender a proposta da criação de um plano de saúde popular, o ministro da Saúde, Ricardo Barros, disse à Folha não ter expectativa de que a medida “acabe com a fila do SUS”. “Não estamos aliviando, estamos atendendo mais pessoas. Uns pelo plano, outros pelo SUS”, afirmou. “Não tenho que atender pelo SUS, tenho que atender a saúde”.

Segundo o ministro, a ideia é reduzir a exigência mínima de cobertura definida pela ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) para planos de “internação hospitalar”. Questionado sobre a preocupação do setor com a qualidade dos planos, rebate as críticas: “E o SUS, garante bom atendimento?”

Para Barros, é preciso adequar o conceito de direito à saúde, definido pela Constituição, aos limites orçamentários. Daí o aceno ao setor privado. “Se queremos dar tudo para todos, alguém tem que pagar a conta: os próprios que recebem esse tudo para todos. Há que ter um equilíbrio.”

Leia abaixo os principais trechos da entrevista com o ministro.

olha – Uma das suas bandeiras tem sido o plano de saúde popular. Como surgiu essa proposta e quanto de alívio espera para o SUS?
Ricardo Barros – Plano de saúde acessível tem uma cobertura menor e um custo menor. Todo tipo de procedimento que pudermos oferecer às pessoas com segurança, qualidade e que não sejam feitos pelo SUS significam um alívio na fila. Se conseguirmos que o mercado possa oferecer planos mais acessíveis, todo recurso que entrar é um recurso para a saúde. Esperamos identificar mais rapidamente qualquer doença que as pessoas tenham para que possamos tratar a um custo mais barato à medida que tenhamos o diagnóstico precoce.

Mas esses recursos seriam para o setor privado.
São recursos para a saúde. Se a pessoa faz uma consulta especializada, se é SUS ou não SUS, não importa. Importa que seja atendido.

Isso também deve diminuir os gastos com o SUS?
Se pudéssemos diminuir o atendimento, sim, mas não é o caso. Toda a economia que eu fizer com gestão será reaplicada em saúde. Não vamos reduzir gastos em saúde. São recursos adicionais.

Há estimativa de quanto isso pode trazer de economia?
Não, porque os planos tem que ser desenvolvidos e precificados pelas empresas. Não tem alívio para o ministério. Só mais atendimento, facilidade de acesso e rapidez. O ministério vai continuar gastando seu orçamento, independente de quanto a saúde suplementar coloca de recursos na saúde.

Como essa proposta está sendo desenhada? O sr. já tem alguns requisitos mínimos?
Não. Isso é uma questão de mercado.

Mas pelo que a ANS regula hoje, há uma cobertura mínima obrigatória. Não haverá exigência semelhante, por mais que seja ainda menor?
Isso será decidido pela agência. A lei já permite planos ambulatoriais, sem internação, e alguns estão no mercado.

A ideia então é que sejam planos só para consultas e exames?
Não. Esses já estão autorizados. [A ideia é] Reduzir a exigência mínima para um plano de saúde de internação hospitalar.

O que deve sair da exigência?
O que a ANS achar que pode ser feito sem prejuízo da qualidade do serviço. Não vou desenhar planos de saúde, não é minha responsabilidade. Minha proposta é estimular as operadoras a ofertar planos mais acessíveis ao mercado. Só isso.

Mas há uma preocupação de movimentos do setor de que os planos de saúde não necessariamente são uma garantia de bom atendimento.
E o SUS, garante bom atendimento? É uma avaliação subjetiva. Ninguém paga o plano se não achar que está tendo reciprocidade.

Mas as reclamações têm crescido nos últimos anos.
Sim. Às telefônicas e aos bancos também.

Estamos tratando de saúde.
A pessoa não é obrigada a ter o plano. Se não está satisfeita, rescinde o contrato. Ninguém estaria pagando plano de saúde, R$ 140 bilhões por ano de faturamento, se não tivesse recebendo uma reciprocidade. O que não impede de ter reclamações sobre o serviço. Como média geral, as pessoas devem estar satisfeitas, senão não pagavam.

Há ideia de qual seria o teto de mensalidade desses planos?
O que o mercado aceitar. Os planos propõem, e a ANS decide.

Propor uma cobertura menor do que a mínima obrigatória não é mexer no principal motivo de existência da ANS, que fez essa medida para evitar mau atendimento ao usuário?
O atendimento vai ser muito bom dentro do que for contratado. O que estamos discutindo é qual a cobertura. Não é a qualidade do plano. Se a cobertura é menor, o valor é menor, e mais pessoas podem ter acesso.

Os planos já deram um norte de quanto podem apresentar de mensalidade?
Não tratei com eles.

Foi uma sugestão dos planos essa proposta?
Não. É uma solução de gestão, porque estou andando Estado por Estado, me reunindo com prefeitos e gestores. Isso pode ajudar a melhorar a gestão da saúde no Brasil.

Além do setor privado, o que o sr. pretende fazer em relação ao SUS?
Aumentar a resolutividade da atenção básica. Melhorar a qualidade das consultas, informatizar todo o sistema para que possamos identificar com clareza quais procedimentos serão feitos, ver que não há duplicação de atendimento e exames que não sejam necessários. Vamos otimizar a aplicação de recursos do SUS. E investir muito em promoção e prevenção na saúde, para evitar que as pessoas recorram ao sistema de saúde. Fizemos uma portaria para estimular a alimentação saudável, e para que faça parte da merenda.

Em outra entrevista à Folha, o sr. disse que o Estado teria que em algum momento rever a questão das garantias previstas na Constituição, inclusive o direito à saúde, porque não teria como financiar.
Não falei de saúde, mas de Previdência. Essa discussão está no STF, onde ações discutem qual é a obrigação do Estado de atendimento para as pessoas. Nosso desafio é conciliar o conceito da Constituição aos limites orçamentários. Quero colocar mais recursos na saúde, mas não do Tesouro, porque o Tesouro não tem.

Seria então transferir parte do atendimento do SUS para o setor privado?
Já convoquei o setor privado para oferecer planos para aumentar o acesso das pessoas à saúde. Se queremos dar tudo para todos, alguém tem que pagar a conta. Quem? Os próprios que estão recebendo o tudo para todos. Eles têm que financiar isso. Há que ter um equilíbrio.

Quanto espera de alívio na fila do SUS com essa transferência para o plano de saúde?
Não terá nenhum alívio. Mas as pessoas que estão esperando na fila vão ser atendidas nesses serviços, e outras no SUS. Não tenho expectativa de que acabe a fila. Não estamos aliviando, estamos atendendo mais pessoas. Uns pelo plano, outros pelo SUS. Não tenho que atender pelo SUS, tenho que atender a saúde

Da Redação com informações da Folha

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