Esplanda dos Ministérios em Brasília. Foto: Marcello Casal Jr. Agência Brasil

O presidente da Câmara Rodrigo Maia recebeu nesta quinta-feira (3) a proposta encaminhada pelo líder do governo na Câmara e pelo ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República. Aliados do Planalto elogiam a iniciativa, mas especialistas criticam o baixo efeito fiscal das medidas. Categorias prometem agir no Congresso

Por Redação*

Após meses de expectativa, ela chegou. O ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Jorge Oliveira, e os líderes do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), e no Congresso, senador Eduardo Gomes (MDB-TO) entregaram ao presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ) o texto da proposta de emenda à Constituição (PEC) da reforma administrativa. A solenidade aconteceu no Salão negro da Câmara, no início da noite desta quinta-feira (3/9). Integrantes do governo e parlamentares elogiaram a iniciativa do governo, mas ninguém espera cordialidade no futuro. A proposta já recebeu uma bateria de críticas assim que veio a público. É considerada tímida, sem efeito fiscal imediato e preserva as carreiras mais onerosas do serviço público. Quanto aos servidores, eles se preparam para assegurar direitos adquiridos e impedir o que consideram desmonte do Estado.

Jorge Oliveira considerou que a reforma “possibilitará ao Estado brasileiro avançar nos próximos anos, e prestar o melhor serviço à toda a população”. Ricardo Barros, por sua vez, lembrou que 25% da força de trabalho dos serviços públicos se aposentarão nos próximos cinco anos. “E precisarão ser substituídos. E com a digitalização, home office, questões afetas à modernidade, precisamos de menos pessoas com qualificação diferente. E esse novo modelo permitirá a meritocracia no serviço público”, afirmou. O senador Eduardo Gomes optou por manifestar a confiança no Congresso na condução dos debates.

Último a falar, Rodrigo Maia repetiu a necessidade de pensar a reforma como um instrumento para melhorar a qualidade do serviço público. “Não podemos mais tirar da sociedade com impostos, e do outro lado sair muito pouco em serviços da sociedade. Entregamos R$ 1 e sai R$ 0,20, e com pouca qualidade”, acrescentou.

A reforma tem problemas, no entanto. A proposta encaminhada pelo governo vale, apenas, para novos servidores e sem impacto fiscal algum no curto prazo, apesar do discurso dos técnicos de que é preciso reduzir os gastos com pessoal para evitar um colapso nas contas públicas e atrasos de salários.

Ao detalhar a PEC (leia quadro abaixo), técnicos do Ministério da Economia elencaram, entre as mudanças, a redução no número de carreiras; novas formas de contratação com prazos determinados; fim de vantagens como licença prêmio; férias acima de 30 dias no ano; aposentadoria compulsória e aumentos retroativos. O texto tem as linhas mestras para a nova estrutura da administração pública, prevendo que a regulamentação da proposta ocorrerá depois, de forma fatiada. Nem mesmo a definição dos cargos que vão integrar as carreiras de Estado, com estabilidade garantida, está prevista na PEC. Por essa razão, o governo disse que ainda não é possível calcular qual será o impacto fiscal da reforma.

A expectativa é de que o embate no Congresso durante a tramitação dessa PEC será duro, pois haverá lobby das categorias com influência entre os parlamentares para manterem a estabilidade. O governo, por sua vez, precisará de muita articulação política para conseguir resultado favorável com a reforma, tanto na redução de despesas, quanto na melhoria da qualidade dos serviços prestados à população.

Apesar de os técnicos afirmarem que a reforma vai valorizar o bom servidor, a PEC é considerada superficial por analistas porque não tem impacto fiscal no curto prazo e não corrige as desigualdades entre os trabalhadores do setor público. Deixa de fora a turma do “sangue azul”, a elite do funcionalismo, assim como militares, magistrados e parlamentares. Em grande parte, esses servidores recebem penduricalhos que fazem os rendimentos ficarem muito acima do teto salarial do setor público, de R$ 39 mil ao mês. Enquanto isso, os trabalhadores do chamado carreirão, que representa 80% dos servidores federais, principalmente, professores e funcionários da saúde, devem ser os mais afetados pela reforma.

“O governo Jair Bolsonaro finge que faz reforma. Não tem reforma. Essa proposta é para daqui a 20 anos”, criticou a economista Elena Landau. Ela lembrou que a PEC ainda deverá abrir caminho para a judicialização ao criar dois regimes jurídicos.

Para Gil Castello Branco, secretário-geral da Associação Contas Abertas, a reforma administrativa é oportuna, pois um em cada seis servidores vai se aposentar nos próximos cinco anos, o equivalente a 95 mil profissionais, aproximadamente. “Essa é a oportunidade de corretamente começar com outros com salários iniciais, menores e mais próximos dos valores de mercado”, disse. Contudo, ele lamentou o fato de PEC não afetar o Judiciário e o Legislativo, “onde estão os maiores privilégios”. 

Texto chega desidratado na Câmara

Na reta final, parlamentares convenceram Paulo Guedes (Economia) a retirar mais dois pontos do texto

A proposta de reforma administrativa apresentada nesta quinta (3) pelo governo foi desidratada para atender a pressões de servidores e de políticos do centrão, aliados do presidente. Na reta final, parlamentares convenceram Paulo Guedes (Economia) a retirar mais dois pontos do texto. A perspectiva de diluição da reforma é crescente, dizem auxiliares de Bolsonaro, que anteveem a votação da última etapa da norma, a que mais mexe com a vida dos servidores, em 2022, em pleno ano eleitoral.

A última etapa deve definir quais são as carreiras “típicas de Estado” que terão direito à estabilidade. Classes numerosas, como a de professores, correm o risco de perder o status, o que tende a balançar candidatos à reeleição, inclusive Jair Bolsonaro, e afrouxar a norma.

Para líderes, a engenharia por trás da entrega da reforma mostra a vitória da nova forma de fazer política, em que eles avisam o que deve ser retirado ou alterado para fazer os projetos avançarem no Congresso. Eles deram aval para o polêmico ponto que aumenta poderes do presidente para extinguir órgãos do governo.

Desmonte do Estado

Líderes da oposição criticaram a reforma do governo. A líder do PCdoB, Perpétua Almeida (PCdoB-AC), comparou a reforma à da Previdência, cuja promessa de economia foi frustrada; e à trabalhista, que falhou em gerar empregos, segundo a deputada. “A reforma administrativa do governo Bolsonaro é mais uma falsa solução milagrosa. Significa mais um passo no desmonte do Estado nas áreas da saúde, da educação e da segurança. Já o patrimônio daqueles que ficaram mais milionários na pandemia, permanece intocável. E a desigualdade social segue galopante”, lamentou.

A líder do Psol, Sâmia Bomfim (Psol-SP), criticou o fim da estabilidade para novos servidores, porque possibilita a substituição de servidores concursados por indicações políticas. “Além disso, abre mais ainda margem para perseguição política a exemplo do dossiê que investiga policiais que participaram do movimento antifascista”, protestou.

O que vai mudar

Veja os principais pontos da proposta de reforma administrativa do governo que valerá apenas para os novos servidores

– Tipos de contratação:

O regime jurídico único dará lugar a cinco tipos de vínculos. São eles:

Cargo típico de Estado: Concursados com estabilidade após três anos de estágio probatório e vínculo de experiência

Cargo por prazo indeterminado: Concursados sem estabilidade. A duração do contrato depende das “necessidades do Estado”

Vínculo de prazo determinado: Substitui os atuais contratos temporários. A seleção pode ser simplificada.

Cargos de liderança e assessoramento: Substituem os atuais cargos de confiança

– Estágio probatório:

Dá lugar ao vínculo de experiência, que deve ser de no mínimo dois anos nos cargos típicos de Estado e de um ano nos contratos por prazo indeterminado

Será considerado mais uma etapa do concurso público. Só os “mais aptos” serão empossados após o vínculo de experiência

– Acúmulo de cargos:

Servidores por prazo indeterminado poderão exercer outra atividade profissional, desde que não haja compatibilidade de horário e conflito de interesses

Ocupantes de cargos típicos de Estado só poderão exercer outras atividades em casos de docência ou profissão de saúde

– Desligamento do servidor:

Um projeto de Lei vai regulamentar o desligamento por baixo desempenho. As medidas poderão ser aplicadas aos atuais servidores

O governo também quer flexibilizar o desligamento via sentença judicial. A ideia é não ter que aguardar o  trânsito em julgado e poder efetuar o desligamento após decisão colegiada.

– Vantagens e benefícios:

O governo quer acabar com os seguintes “penduricalhos”: licença-prêmio, aumentos retroativos, férias superiores a 30 dias por ano, adicional por tempo de serviço, aposentadoria compulsória como punição, parcelas indenizatórias sem previsão legal, adicional ou indenização por substituição não efetiva, redução de jornada sem redução de remuneração, salvo por saúde, progressão ou promoção baseada exclusivamente em tempo de serviço, incorporação ao salário de valores referentes ao exercício de cargos e funções

– Plano de cargos e carreiras:

O governo promete estabelecer diretrizes gerais sobre remuneração e benefícios, organização da força de trabalho e progressão para acabar com a complexidade atual

As atuais 117 carreiras podem dar espaço a cerca de 20 a 30 carreiras

– Autonomia administrativa:

O presidente da República poderá, se não houver aumento de despesa, extinguir órgãos; extinguir e transformar cargos, funções e gratificações; reorganizar autarquias, fundações e atribuições de cargos do Poder Executivo

– Meritocracia:

Os órgãos públicos terão novos instrumentos de gestão, visando Contratos de Desempenho. Exemplos: contratação de temporários com recurso próprio; procedimentos específicos para a contratação de bens e serviços; gestão das receitas e patrimônio próprios; avaliação periódica das metas de desempenho; prestação de contas do contrato.

– Governança do Estado:

O poder Executivo poderá cooperar com órgãos ou entidades públicas e privadas para prestar serviços, compartilhar recursos humanos e capacidade instalada

Fatiamento da reforma:

Fase I:

PEC do Novo Regime de Vínculos e Modernização organizacional da Administração Pública

Fase II:

PLP e PL de Gestão de Desempenho

PL de Consolidação de Cargos, Funções e Gratificações

PL de Diretrizes de Carreiras

PL de modernização das formas de trabalho

PL de Arranjos Institucionais

PL de Ajustes no Estatuto do Servidor

Fase III:

Projeto de Lei Complementar (PLP) do Novo Serviço Público.

Vai definir: Novo marco regulatório das carreiras, governança remuneratória, direitos e deveres do novo serviço público

Despesas com servidores civis ativos:

R$ 109,8 bilhões gastos em 2019

145% de crescimento dessa despesa em 12 anos

13,7% do PIB: peso dos custos com pessoal ativo e inativo nas contas públicas

Fonte: Ministério da Economia

Frentes preparam embate

O lobby dos servidores públicos conta com o apoio de, pelo menos, dois desses blocos, contra um que é favorável às mudanças no funcionalismo. A proposta do governo de acabar com a estabilidade para parte dos novos servidores é o principal ponto de discordância.

Ao lado dos servidores estão a Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, coordenada pelo deputado Professor Israel Batista (PV-DF); e a Frente Parlamentar Mista do Serviço Público, liderada pela deputada Alice Portugal (PCdoB-BA) e pelo senador Paulo Paim (PT-RS). São apoios de peso, já que uma frente, para ser criada, precisa ser composta por, no mínimo, um terço dos membros do Poder Legislativo.

Já a Frente Parlamentar Mista da Reforma Administrativa, coordenada pelo deputado Tiago Mitraud (Novo-MG), é formada por deputados e senadores alinhados com as propostas do governo. Muitos deles propõem mudanças ainda mais radicais no funcionalismo. Mitraud, por exemplo, tem discutido com parlamentares do partido a possibilidade de apresentação de uma PEC propondo que o “fim das distorções” alcance os atuais servidores, e não apenas os que ingressarem no funcionalismo após a reforma, como previsto na proposta do Executivo.

Já o Coordenador da Frente Parlamentar Mista em Defesa do Serviço Público, deputado professor Israel Batista (PV-DF), chamou de “covardia” o texto do governo. E destacou que não se deve começar a debater uma PEC da reforma administrativa, quando o Congresso está se reunindo remotamente. (LC e JV)

Efeito quase nulo

A reforma administrativa é tímida e sem impacto no curto prazo, mas, ao menos, propõe mudanças na estabilidade dos novos servidores públicos, segundo especialistas ouvidos pelo Correio. Para André Perfeito, economista-chefe da Necton, a proposta foi bem desenhada. “Porém, o efeito no curto prazo é quase nulo. O que gera de efeito positivo é que pode impactar os juros mais longos e tornar o dinheiro mais barato”, disse.

José Márcio Camargo, economista-chefe na Opus Investimentos, a nova estrutura administrativa proposta é positiva. “Mas não para resolver fiscal de curto prazo. Isso vai ter que ser via reforma tributária, regra de ouro, pacto federativo, criação de gatilhos e espaço para obedecer ao teto de gastos”, pontuou.

A economista Zeina Latif ressaltou que é razoável esperar mudanças apenas para os entrantes. “Isso é importante porque vai ter um volume grande de aposentadorias. Em 10 anos, 40% dos atuais servidores terão se aposentado. Acho válido restringir a estabilidade a algo que só pode ser conquistado depois de um período probatório”, avaliou. No entanto, segundo ela, a reforma administrativa “decepciona” porque não tem impacto fiscal algum. “Muito tímida. E muitas das medidas poderiam ser via projeto de lei, que tramitam mais facilmente”, avaliou. (SK)

*Com informações do CB e Agenda Capital

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