Médicos cubanos.

Ministério da Saúde estima que 2 mil ficaram no Brasil, mas ainda não decidiu se terão apoio para revalidar diploma

Por Elisa Martins

Nove meses depois do fim da participação de Cuba no programa Mais Médicos, a reincorporação desses profissionais ao sistema de saúde ainda é debatida dentro do governo. Enquanto não há decisão, médicos que ficaram no país enfrentam dificuldades com trâmites legais e buscam outras formas de sobrevivência. O Ministério da Saúde estima que 2 mil dos cerca de 8 mil médicos cubanos que trabalhavam no programa criado para atender regiões carentes de cobertura médica ainda estejam no Brasil.

Lançada em 2013, no governo Dilma Rousseff, a parceria acabou em novembro, quando o governo cubano ordenou a retirada dos seus médicos após a vitória de Jair Bolsonaro. No fim de julho, uma portaria publicada no Diário Oficial da União permitiu que cubanos que participaram do programa pudessem solicitar à Polícia Federal (PF) uma autorização de residência no Brasil, válida por dois anos. Procurada pelo GLOBO, a PF não informou o total de médicos cubanos que deixaram o país, nem o status migratório dos que permaneceram. Antes de assumir a presidência, Bolsonaro chegou a dizer que “cubano que quiser pedir asilo aqui, vai ter”. Mas na sua última declaração pública sobre o assunto, no dia 16 deste mês, o presidente acusou os médicos cubanos de fazerem parte de “células de guerrilhas e doutrinação”.

Em julho, informações de bastidores dos ministérios indicavam que o governo estudava reincorporar os médicos cubanos. Chegou-se a discutir um plano já estruturado para que eles frequentassem um curso por dois anos até que pudessem fazer o Exame Nacional de Revalidação de Diplomas Médicos Expedidos por Instituições de Educação Superior Estrangeiras (Revalida). Enquanto isso, os profissionais receberiam um salário de cerca de R$ 3.400. Oficialmente, o Ministério da Saúde não confirma a proposta.

O maior entrave para a reintegração dos cubanos, chegou a dizer o ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, era um impasse com o Ministério da Educação sobre a revalidação de diplomas. A última edição do Revalida ocorreu em 2017 e não há previsão de quando ocorrerá a próxima. Segundo o Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), vinculado ao Ministério da Educação, o exame será aperfeiçoado.

OUTRAS OCUPAÇÕES

Enquanto não há uma definição, os cubanos que ficaram no país não podem trabalhar como médicos. Karel Sánchez, de 35 anos, guarda o estetoscópio e o medidor de pressão em uma mala no único cômodo do apartamento em que mora com a mulher, no Centro de São Paulo. Os instrumentos ficam perto da pasta como diploma de Medicina e um certificado de excelência assinado pela Secretaria de Saúde de Cachoeira do Arari, município de 22 mil habitantes na Ilha de Marajó, no Pará. Foi lá que Sánchez trabalhou, de março de 2017 a novembro de 2018, como contratado do Mais Médicos.

Especializado em medicina geral, Sánchez ficou no Pará até março deste ano. Depois, se mudou para São Paulo, onde trabalhou como ajudante no aeroporto de Congonhas, auxiliar de cozinha e pedreiro. Recentemente, foi recusado para trabalhar de porteiro.

– Fui descartado quando falei que era médico. No aeroporto, também se espantaram com meu currículo. Mas fazer o quê? Eu preciso trabalhar – contou Sánchez, que faz um curso de cuidador de idosos.

E sua mulher, também cubana e formada em Odontologia, que sustenta a casa com o salário de atendente de telemarketing.

– Quem não voltou para Cuba ficou proibido oito anos de pisar lá. Lá não há perspectiva – resume o médico.

Com o fim do programa, quem decidiu continuar no país ficou em situação irregular até a possibilidade aberta pela portaria publicada em julho. Uma alternativa nesse meio tempo era pedir refúgio, o que Sánchez acabou fazendo, alegando perseguição política, assim como vários outros médicos cubanos. No ano passado, 2.749 cubanos solicitaram reconhecimento da condição de refugiados no Brasil.

– Houve um pico de pedidos de refúgio de cubanos com o rompimento do programa, no final do ano passado – diz Bernardo Laferté, coordenador do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), ligado ao Ministério da Justiça. – Não se pode afirmar, porém, que sejam todos médicos.

Para Mauro Ribeiro, vice-presidente do Conselho Federal de Medicina (CFM), o governo deve resolver a situação dos médicos cubanos até por uma questão humanitária:

– Esses médicos vieram por um chamamento do governo brasileiro. Saíram de um país totalitário, onde eles não têm a menor possibilidade de recusar o que o governo manda. No entendimento do CFM, alguma coisa tem que ser feita por eles aqui – defende Mauro Ribeiro.

Uma das ideias apoiadas pelo CFM é permitir que os cubamos frequentem um curso preparatório e remunerado por cerca de dois anos e, em seguida, tenham a oportunidade de revalidar o diploma.

Não há números disponíveis, mas alguns médicos cubanos continuaram no Brasil com visto válido ao se casarem com brasileiros. E o caso de E.R., que se casou em Santa Rosados Purus, município de três mil habitantes no Acre. Em poucos dias, terão um filho. Hoje, ele trabalha como auxiliar na prefeitura. Mas não é um trabalho fixo. Na próxima eleição, posso ser demitido – disse E.R.

No norte da Bahia, T.R. passa por dificuldade parecida. Ele chegou em 2017 a Rodelas, município de cerca de oito mil habitantes às margens do Rio São Francisco. Hoje casado com uma brasileira, T.R. trabalha como balconista de farmácia. Com a escolha de permanecer no Brasil, ele não pode ver a família em Cuba. A distância do pai, em estado grave de saúde na ilha, afirma, é o que mais dói. Isso me abala. Todos que ficamos aqui foi com o sonho de que iam nos dar emprego, diz.

“Fui descartado num processo de seleção para porteiro, quando falei que era médico”, disse Karel Sánchez, médico cubano.

Da Redação com informações do O Globo

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