Por Redação

As doenças raras são caracterizadas por uma ampla diversidade de sinais e sintomas e variam não só de doença para doença, mas também de pessoa para pessoa acometida pela mesma condição.

O conceito de Doença Rara (DR), segundo a  Organização Mundial de Saúde (OMS), é a doença que afeta até 65 pessoas em cada 100 mil indivíduos, ou seja, 1,3 para cada 2 mil pessoas

Na União Europeia, por exemplo, estima-se que 24 a 36 milhões de pessoas têm doenças raras.

No Brasil há estimados 13 milhões de pessoas com doenças raras, segundo pesquisa da Interfarma.

Existem de seis a oito mil tipos de doenças raras, em que 30% dos pacientes morrem antes dos cinco anos de idade; 75% delas afetam crianças e 80% têm origem genética. Algumas dessas doenças se manifestam a partir de infecções bacterianas ou causas virais, alérgicas e ambientais, ou são degenerativas e proliferativas.

Segundo o Ministério da Saúde, atualmente existem no Brasil cerca de 240 serviços que oferecem ações de assistência e diagnóstico.  No entanto, por se tratarem de doenças raras, muitas vezes elas são diagnosticadas tardiamente. Além disso, os pacientes geralmente encontram dificuldades no acesso ao tratamento.

Aos três anos de idade, a engenheira civil Bruna Galvão Marchesano de Freitas, hoje com 26, sofreu uma pequena fratura no pé. Nada demais. Teve o membro engessado e se curou com facilidade. Quatro anos mais tarde, no entanto, teve nova fratura, no fêmur. Dessa vez, a lesão chamou a atenção do ortopedista. Uma criança de sete anos não deveria ter os ossos tão densos – o que os torna inflexíveis e quebradiços. A investigação médica descobriu que a menina possui uma condição rara, de origem genética, chamada picnodisostose.

Bruna foi identificada durante o mais recente Censo Nacional de Isolados (CENISO), cujo objetivo é identificar populações brasileiras com alta frequência de enfermidades genéticas ou anomalias congênitas (causadas por fatores de risco genéticos, como casamentos consanguíneos), ou ambientais (talidomida, vírus zika).

Criado e realizado desde 2014 pelo Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia de Genética Médica Populacional (Inagemp), do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o levantamento busca identificar “clusters” (aglomerados) ou comunidades com prevalência mais alta de uma doença rara.

“O objetivo é orientar quanto a políticas de saúde, aconselhamento genético, tratamento e prevenção nesses locais”, explica a médica geneticista Lavinia Schuler Faccini, do Departamento de Genética da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), coordenadora do CENISO.

A também médica geneticista Denise Cavalcanti, da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (FCM-Unicamp), explica que doença rara, também conhecida como órfã, é aquela que acomete uma pequena proporção de indivíduos na população.

No Brasil, em geral, se adota os mesmos parâmetros de frequência da Europa, cerca de 1 pessoa em cada 2.000. “Seja como for, em sua grande maioria (cerca de 80%) são de origem genética.”

Apesar de cada doença rara afetar um número relativamente pequeno de pessoas, no conjunto elas acometem um grande número, pois existem de 5 a 8 mil doenças deste tipo conhecidas no mundo.

Nesse sentido, o biomédico Augusto César Cardoso dos Santos, doutorando em Genética e Biologia Molecular pela UFRGS, que também participa do CENISO, acrescenta que algumas doenças que são raras na população em geral podem concentrar-se com frequência inesperadamente elevada em determinados locais ou grupos populacionais. “O principal objetivo do Censo é mapear estes lugares (ou populações)”, explica.

Isso é feito de duas maneiras. A primeira é por meio de revisão da literatura científica, para identificar possíveis “clusters”, que já foram ou estão sendo estudados por algum grupo de pesquisa. “A outra é pela comunicação oral ou escrita de um ‘rumor’, isto é, qualquer pessoa (pesquisador da área ou não) pode informar a existência de um aglomerado geográfico de doença rara”, explica Santos.

“O nosso trabalho é investigar essas informações, avaliar se elas consistentemente caracterizam-se como “clusters”, se a causa responsável pela enfermidade foi encontrada e se a população está sendo atendida, por exemplo.”.

O CENISO não é como um censo do IBGE, que rastreia e cadastra toda a população em anos determinados. O levantamento do Inagemp vai sendo atualizados continuamente. Desde a sua criação, ela já recebeu centenas de rumores de “clusters”, dos quais 86 foram confirmados até em 2014, número que subiu para 144 em 2018, últimos dados publicados.

Santos diz que é interessante notar que a maior parte dos rumores está concentrada na região Nordeste do Brasil. “Embora cada caso seja único e necessite de investigação específica, podemos listar diversos fatores que podem nos ajudar a entender esta distribuição anormal”, diz. “Entre eles, casamentos consanguíneos por motivos culturais ou religiosos, populações geograficamente isoladas, efeito genético de fundador (quando uma mutação surge num determinado local) e famílias com grande número de filhos.”

Ele conta que entre os “clusters” descobertos estão o de aniridia congênita (enfermidade ocular que leva à ausência de íris), em Alagoas; de albinismo (caracterizado pela ausência de pigmento na pele), no Maranhão; e de Doença de Machado-Joseph (caracterizado por perda de controle muscular e coordenação motora), no Rio Grande do Sul.

Há ainda o de mucopolissacaridose VI (doença causadas por deficiência de enzimas, que leva a disfunção na lubrificação dos órgãos, causando danos progressivos que podem afetar o cérebro, olhos, ouvidos, coração, fígado, ossos e articulações), em Monte Santo na Bahia. “Ela tem uma prevalência mundial de uma pessoa afetada a cada 350.000”, diz Lavínia. “Na cidade baiana é em torno de um em cada 5.000. Ainda é rara, mas proporcionalmente é muito alta (30 vezes mais alta).”

O “cluster” de picnodisostose foi descoberto no Ceará por Denise, que não participa do CENISO. “Em 2013 visitei, a convite da colega médica geneticista Erlane Ribeiro, o Hospital Infantil Albert Sabin em Fortaleza”, conta. “Nessa visita de dois dias colaborando com Erlane para fazer o diagnóstico preciso de pacientes com suspeita de displasias esqueléticas (enfermidades que afetam o crescimento), nos deparamos com um grande número de pessoas com picnodisostose. Identificamos mais de 25 pacientes em 22 famílias atendidas por ela. Visto se tratar de uma condição rara, cuja frequência estimada era de 1 (um) paciente a cada 1-1,7 milhão de indivíduos, propusemos um estudo inicial para identificar as bases moleculares daqueles pacientes.”

De acordo com Denise, que também descobriu casos em outros Estados, como o da família de Bruna, que mora em Formosa (GO), a picnodisostose é uma condição genética com padrão de herança autossômico recessivo, ou seja, mais frequente em filhos de casais consanguíneos. Ela começa a se manifestar depois do 1º ao 2º ano de vida.

“Seus portadores se caracterizam pela baixa estatura, uma face característica, que é pequena, com uma região frontal proeminente, olhos protrusos (mais para frente, em relação à posição que seria normal), uma hipoplasia (desenvolvimento defeituoso ou incompleto de tecido ou órgão) maxilar e queixo pequenos”, explica. “As mãos também são muito pequenas, com as unhas curtas e alargadas.”

Embora não sejam consanguíneos, os pais de Bruna têm outra filha, Laura, de 10 anos, com picnodisostose. “Descobrimos a condição genética da segunda pela experiência que tivemos com a primeira”, conta a mãe delas, a dentista Iesa Galvão Lisboa Marchesano de Freitas. “Elas têm baixa estatura (em torno de 1,35 m), ângulo mandibular reto, o que provoca pouco crescimento da mandíbula e apinhamento dentário, além de falanges terminais dos pés e mãos hipoplásicas, provocando um encurtamento dos dedos.”

Segundo Iesa, isso não impede suas filhas de levarem uma vida normal. “Em primeiro lugar, a picnodisostose não é uma doença, e sim uma condição genética, que felizmente não afeta em nada a vida das duas”, diz. “Claro que em caso de fratura é necessário mais repouso, mas elas têm vida normal, estudam, trabalham, fazem academia, têm vida social. Todos nós convivemos muito bem com a condição genética das meninas, elas têm total consciência do problema e sabem na nossa ausência procurar socorro em caso de alguma fratura.”

Da Redação com informações da BBC/Brasil

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