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Escassez de recursos do SUS se agrava pelo aumento da demanda com a impossibilidade de a população pagar planos de assistência.

Por Otávio Augusto / Andressa Paulino / CB

A carência que abate o Sistema Único de Saúde (SUS) é o principal desafio para os próximos anos. A lenta recuperação econômica que mantém um contingente de milhões de desempregados afastou a população dos planos de saúde e, consequentemente, aumentou o volume de atendimentos públicos, que conta com recursos escassos. Para minimizar o problema, um dos caminhos apontados por observadores do setor é o investimento em atenção básica. Segundo eles, dessa forma, a longo prazo, o custo em medicina especializada cairá.

Internacionalmente reconhecido como um dos principais programas de saúde pública do mundo, o SUS completou três décadas exigindo uma reinvenção de sua estrutura. A Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) está preocupada com o que ocorrerá com a população devido ao subfinanciamento da saúde pública. A entidade teme que avanços, como vacinação, combate à mortalidade infantil, redução de doenças — como a Aids –, e a distribuição de medicamentos fiquem severamente comprometidos.

Alcides Miranda, presidente do Centro Brasileiro de Estudos de Saúde, classifica como “crônico” o subfinanciamento do SUS. “Esse é um problema que acompanha o programa desde o início. O sistema sempre operou com menos dinheiro do que necessita. É matemática, não tem como ampliar atendimento sem investimento”, explica.

Ele aponta dois pontos para tentar diminuir o deficit. O primeiro é o investimento em atenção primária, que são serviços básicos, como consultas e tratamentos menos invasivos. “Quando se diagnostica uma doença em sua fase inicial, o tratamento é menos penoso ao paciente e mais barato aos cofres públicos. Para cada dólar investido na prevenção, US$ 4 seriam economizados em serviços de saúde”, acrescenta.

O especialista diz que esse ciclo reduziria gastos com atenção especializada, como grandes cirurgias e internações longas. “Não é o tempo de um mandato, mas sim uma política de estado que poria fim nisso”, conclui. Além disso, é preciso, segundo Alcides, a regionalização de saúde. “Nenhum município com mais de 10 mil habitantes consegue disponibilizar todos os serviços de saúde. A ideia de atenção integral só é viável no conceito de região”, avalia.

Ele dá dicas do que poderia reforçar o caixa da saúde. “Não temos uma política tributária com relação de produtos nocivos à saúde. Esses erros persistem e precisam ser corrigidos. Uma política pública só se legitima quando tem valor de uso. O SUS tem mais que isso, ele prioriza os mais pobres, os mais vulneráveis. Precisamos ajustá-lo à sua realidade”, adverte.

Dificuldades

A demora no atendimento dos hospitais públicos já virou marca registrada para quem só tem a rede pública como alternativa. O aposentado Aurino Braz, 78 anos, conta que priorizar a saúde se tornou uma via de mão única, já que o estado não propicia atendimento adequado à população. “É muito demorado. Sempre tive que esperar anos para fazer qualquer tipo de procedimento”, reclama o morador do Sol Nascente, área carente de Ceilândia.

Ele conta que passou mais de quatro anos esperando uma cirurgia para a revascularização do miocárdio (ponte de safena) e só foi atendido quando infartou. “Eu sabia que demoraria, porque a fila de cirurgia sempre é grande. Mas não esperava que eu tivesse que chegar a esse ponto para ser atendido. Me senti jogado, como se não tivesse importância para o meu estado. Só prestamos quando estamos trabalhando e produzindo. Depois que nos aposentamos, não representamos mais nada para o país”, lamenta.

Apesar de ter feito a cirurgia, ele ainda espera atendimento e, desta vez, para um procedimento mais simples: um exame de rotina. “Já tem três anos e, sinceramente, eu não estou positivo quanto ao atendimento. Sei que vai demorar bastante”, disse. Para ele, que vive com R$ 1.032 da aposentadoria e sustenta a casa com a filha desempregada e a neta, ainda criança, a regra é esperar. “O que eu recebo como aposentado não dá para pagar nem os meus remédios controlados. Não posso me dar ao luxo de fazer exame particular quando tenho que colocar comida na mesa”, acrescenta.

Palavra de especialista Falta de qualidade

“Grande parte das mazelas do Sistema Único de Saúde se dão nos níveis secundários e terciários de atenção. Houve um investimento expressivo na atenção primária de saúde, que é a parte responsável pela saúde básica e o projeto saúde da família. No entanto, em relação aos cuidados intermediários e especializados, como serviços ambulatoriais e clínicas especializadas, não houve o mesmo investimento. Há um deficit grande em relação ao contingente de servidores, materiais e infraestrutura oferecidos na saúde pública. Nós temos grandes vazios assistenciais. O próximo governo terá que se debruçar em resolver questões, principalmente de funcionários, já que , com a saída dos médicos cubanos, algumas regiões ficaram com equipes incompletas.

O problema da saúde brasileira não se limita apenas ao acesso público do serviço. Há, sim, uma falta de qualidade na rede particular de saúde. Os consumidores pagam caro por um atendimento que não é de qualidade. E tudo por conta da falta de competição. Se a gente tivesse um acesso mais diversificado, nós teríamos um melhor desempenho por parte da rede privada. O serviço público também corrobora para a falta de atendimento de qualidade no setor privado. Se o Sistema Único de Saúde fosse eficiente e oferecesse todos os serviços da forma adequada, a rede privada teria que se empenhar muito mais para atrair a população para os famosos planos de saúde.” Helena Eri Shimizu, professora do Departamento de Saúde Coletiva da Universidade de Brasília (UnB)

Da Redação com informações do Correio

Delmo Menezes
Gestor público, jornalista, secretário executivo, teólogo e especialista em relações institucionais. Observador atento da política local e nacional, com experiência e participação política.

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