Por Martha Gabriel*

Apesar de já não ser mais novidade que o “digital is the new black” e que o mundo está mudando em velocidade exponencial, não me canso de me encantar com a nova realidade que se apresenta todos os dias devido às transformações que a disseminação tecnológica traz. Participei recentemente de um evento do MIT no Vale do Silício sobre tecnologias emergentes, o EmTech Digital, com curadoria de Jason Pontin, editor chefe da MIT Tech Review e entre as diversas apresentações e discussões sobre o estado da arte nessa área, trago os highlights do evento e as minhas impressões sobre eles.

Futuro da computação: transparente & distribuída

A computação que conhecemos está desaparecendo nos dispositivos ao nosso redor. Teremos cada vez mais computador em tudo, mas perceberemos cada vez menos.

Futuro da programação: colaboração entre humanos & Inteligência Artificial

A IA está redefinindo como os programas são escritos: humanos colaborando com computadores vão alavancar a programação de sistemas de um modo que nenhum dos dois conseguiria desenvolver sozinho. O que está mudando é o casamento das linguagens de interface com IA, que tende a revolucionar o futuro da programação.

Deep Learning: criando a Inteligência Artificial

O homem não é o animal mais rápido e nem o mais o forte do planeta, mas foi ele que chegou à Lua: a inteligência supera todas as outras habilidades. Portanto, quem possui inteligência, possui a ferramenta mais poderosa do planeta. Assim, há décadas se pesquisa e estuda o cérebro humano com o objetivo de replicar (e superar) artificialmente a inteligência humana. O processo projetado para isso é chamado de deep learning: um sistema que se auto-programa de forma a aprender e evoluir (automatic programing). Isso não é novidade e já vem sendo desenvolvido e aplicado há décadas. O que mudou hoje foi a escala do processo devido ao aumento da capacidade computacional: os computadores atualmente conseguem analisar mais dados simultaneamente ampliando a quantidade de sinapses dos processos. No entanto, ainda estamos há alguns anos atrás de conseguirmos construir um computador com a capacidade do cérebro humano: Quoc V.Le, do Google Brain Project, declarou que o Google Brain possui 1 bilhão de sinapses, enquanto o cérebro humano possui 100.000 bilhões. O Google Now está trabalhando no interfaceamento com o Google Brain para ganhar inteligência nos seus processamentos e oferecer resultados cada vez mais interessantes para os seus usuários.

Power dust: energia das coisas

Um dos grandes desafios na era da internet das coisas é como manter todas as “coisas” carregadas para permanecer operando conectadas. Vários experimentos vêm sendo desenvolvidos nessa área, como, por exemplo, dispositivos wi-fi que conseguem gerar energia e se comunicar por meio da captação de sinais de outros dispositivos wi-fi nas redondezas, como smartphones e TVs, por exemplo. Essa tecnologia, chamada de “power dust”, tem potencial para revolucionar o funcionamento de dispositivos e criação de APPs que utilizem essas funcionalidades. Assista, por exemplo, a apresentação de Shyam Gollakota no EmTech, professor da University of Washington, sobre esse projeto e o desenvolvimento do aplicativo ApneaApp, o primeiro APP que consegue diagnosticar apneia sem contato, usando smartphone Wi-Fi com precisão de mais e 90%

Futuro do Sistema Financeiro

As pessoas estão mudando rapidamente como compram e pagam, transformando o ambiente financeiro. O futuro é digital e mobile por natureza e, nesse cenário, o desafio para os bancos é criar boas experiências para as pessoas nos seus smarphones. A indústria financeira tem sido impactada por novos entrantes, como o Alibaba, que passam a competir com bancos nos serviços de crédito e fornecendo cada vez mais experiências melhores aos usuários. Assim, marcas, e não bancos, estão definindo o futuro dessa área. O canal mobile não é apenas o que mais cresce para bancos, mas em muitos casos ele é o único. No entanto, bancos são bons em guardar dinheiro, mas não em gestão de relacionamento com o consumidor, e para se ter sucesso no ambiente digital emergente eles precisarão começar a usar análise de dados e inteligência artificial para alavancar o relacionamento e fornecer boas experiências aos seus públicos.

Próxima geração de plataformas de conteúdo digital e comércio

Tim Kendall, do Pinterest, trouxe algumas reflexões interessantes sobre a plataforma declarando que o Pinterest não é uma rede social, mas uma ferramenta sobre você e os seus interesses – uma plataforma para você planejar o seu futuro. Um exemplo disso é que uma foto de comida com receita de como se fazer um prato específico pode gerar links na Amazon para lista de desejos dos utensílios usados. Uma das novidades no Pinterest que favorecem esses processos é o KNIT, um pin cinemático em que a imagem de move para frente ou para trás conforme fazemos o rolamento do mouse. Segundo Kendall, com movimento é que se cria brand awareness. O desafio para a interface da plataforma é ter sempre visual agradável e sensação de conforto no uso.

Manuel Bronstein, do YouTube, abordou o aspecto de como tornar uma plataforma de massa em experiências customizadas. O YouTube hoje recebe 1 bilhão de pessoas todos os messes para assistir os seus vídeos, e para tornar a plataforma em pessoal é necessário cruzar os dados dessas pessoas com os conteúdos que elas gostam. Isso está altamente relacionamento com “conteúdo & contexto” – sabendo quem você é, o que você gosta e que dispositivo você está usando, é possível selecionar a melhor experiência de conteúdo para você. Por exemplo, o mesmo conteúdo pode ter um design diferente para encantar as crianças. As recomendações do YouTube ajudam para que as pessoas não precisem fazer uma nova busca, mas continuem navegando de forma mais customizada. Essas recomendações são diferentes dependendo do dispositivo usado no momento. Um aspecto interessante mencionado por Bronstein é que existem diferenças em como o conteúdo é criado ao redor do planeta, mas algumas coisas são universais, como a música, que é um dos conteúdos mais populares do YouTube em qualquer lugar.

Quando se fala em plataformas de pagamento e o futuro das transações financeiras, não se pode deixar de pensar no PayPal, que é pioneiro em carteira digital e a mais bem sucedida até o momento. Braintree Juan Benítez do Paypal, trouxe um panorama da evolução das transações financeiras e insights sobre seus caminhos para o futuro. O cartão de crédito surgiu apenas há 60 anos, e o IPhone há apenas 8 – antes disso, não era possível se saber a localização, direção e movimento da compra. Hoje, esses fatores têm acelerado consideravelmente o ritmo do ecommerce. No entanto, comprar via mobile ainda é 3 ou 4 vezes mais difícil do que no desktop e isso é uma das principais barreiras a serem vencidas com foco no “1 click purchase experience”. O elemento humano, portanto, continua sendo essencial para o sucesso do ecommerce, especialmente no relacionamento com o consumidor. A próxima onda de inovação são as carteiras digitais e a evolução dos sistemas de tokens para segurança. Nesse sentido, os Estados Unidos não é o centro de inovação de serviços financeiros, mas Cingapura e Nova Zelândia.

Inovação em Smart Mobility & Automação

Veículos autônomos colocam um fantasma na direção – e essa tecnologia vem do campo da robótica, mais especificamente, robôs mobile. Isso está se tornando realidade porque os sensores baixaram de preço sensivelmente. Além dos veículos autônomos terem um grande potencial para diminuir os congestionamentos e aumentar a produtividade, a percepção pública é bastante favorável ao seu uso: as pessoas são fascinadas pela possibilidade dos carros autônomos. Eu, particularmente, sou fortemente atraída pelos veículos autônomos, que propiciarão a liberdade de se usar os carros para diversas atividades interessantes, como trabalhar, estudar, conversar, relaxar, etc., ao invés de dirigir apenas. Isso tende a impactar o futuro da indústria automobilística e do trabalho — hoje existe uma tendência das pessoas não quererem mais carros (veja o próximo parágrafo sobre MaaS) para poderem usar melhor o seu tempo de transporte do que dirigindo (eu mesma, vendi meu carro há 7 anos para liberar meu tempo). No entanto, com os veículos autônomos, os carros passam a ser interessantes novamente para essas pessoas, além de terem o potencial de se transformarem em espaços de “personal offices” quando em trânsito.

Uma outra tendência importante em Smart Mobility é a mobilidade como serviço (Mobility As A Service – MaaS): não comprar, alugar carros. Se o seu negócio tem qualquer coisa relacionada com movimentar coisas no chão, os veículos autônomos terão um grande impacto para você.

Open Innovation em Hardware & Smart Cities

Venkatesh Prasad, da Ford, apresentou um case bastante interessante de smart cities que usa crowdsourcing para desenvolvimento de limpadores de para-brisas de carros que “sentem” a chuva usando a plataforma Open XC (para internet das coisas). Nesse sentido, os limpadores de para-brisas funcionam como sensores e os carros como plataformas abertas. Os para-brisas enviam sinais para centrais quando estão ON ou OFF, o que ajuda a saber a condição do trânsito ao redor do planeta e antecipar tráfego devido a chuvas e evitar engarrafamentos. Prasad declarou que o benefício para Ford em usar open source hardware é que a conectividade está acontecendo em alta velocidade e a Ford quer deixar um legado nessa área e não apenas construir carros e caminhões, mas participar das mudanças da humanidade.

Viver melhor por meio de dados

Rosalind Pickard, do MIT, desenvolve braceletes que, quando usados pelas pessoas, medem as condições do seu corpo. Esses dados funcionam melhor para prever algumas situações fisiológicas do que os resultados de ressonância magnética (EEG). Um exemplo disso, é a mensuração do stress, que é a emoção mais difícil de se mensurar.

Dennis Ausiello, da Harvard Medical School, discutiu o uso de big data na área de saúde. Segundo ele, a medicina é muito boa para prever doenças que levam à morte, mas não é boa para prever estados saudáveis que levam a doenças. Existem duas dimensões de mensuração da saúde: o genótipo e o fenótipo. No caso do genótipo, as mudanças são muito lentas. No entanto, o fenótipo pode mudar rapidamente, e é ele que nos ensina sobre as condições da saúde – por isso ele deve ser mensurado e analisado adequadamente. Usando big data para analisar o microbioma humano conseguimos prever várias doenças, como diabetes e obesidade e, dessa forma, foi desenvolvido um APP que prevê doenças por meio da mudança do comportamento da pessoa. Isso é uma mudança bastante significante na medicina pois passa-se a analisar dados de pessoas e não de pacientes – não tem a ver com medicina, mas com saúde social. Somos criaturas de hábitos que se perpetuam, e analisar a sua influência na saúde, pode levar à modificação de comportamentos que tornam as pessoas mais saudáveis.

Um projeto muito bacana do MIT relacionado ao assunto foi o Solve.mit.edu, que tem por objetivo solucionar problemas que atingem mais de 1 bilhão de pessoas no mundo. Esses problemas não se resolvem apenas com tecnologia, mas dependem de melhores  políticas públicas, modelos de negócios e comportamento social.

Inovação em Colaboração Digital

Cris Wanstrath, CEO do GitHub (sistema open source para colaboração de programadores), declarou que “colaboração é quando alguém faz algo primeiro, coordena e pede ajuda. Não é todo mundo tentando fazer tudo junto!”. No futuro toda empresa terá um departamento de software como hoje elas têm departamentos jurídicos. Open source não é o oposto de software proprietário, privado – é uma plataforma de negócios sobre a qual se constrói de forma colaborativa. O mais importante em termos de colaboração é que as pessoas consigam extrair algo da plataforma ou do sistema, senão não funciona. 

Privacidade e Segurança para Cidadãos Globais

Melanie Haratumian, da Akamai, destacou que a segurança dos dados não depende da sua localização mas de quão eficiente são os sistemas de segurança ao seu redor. Localização dos dados e protecionismo podem permitir que os governos criem benefícios artificiais de mercado para determinadas empresas, mas não resolvem problemas de segurança.

Segundo Corbet Moran, questões de usabilidade são questões de segurança: o usuário nunca deveria ter que tomar uma decisão difícil. Por outro lado, questões de segurança são questões de negócios. A tecnologia está convergindo para o máximo de potencial de invasão e a sua conta é paga do lado do consumidor. Dessa forma, os negócios no futuro para terem sucesso não poderão ignorar as questões de segurança e privacidade. O momento crítico de ação é durante o desenvolvimento dos sistemas, não depois de acontecer alguma catástrofe.

É essencial evitar problemas de privacidade e segurança 

A Internet das Coisas está mudando o jogo da privacidade e segurança. O perigo é que algumas vezes nos enganamos pensando que nossos dados não são interessantes e que ninguém prestaria atenção neles. Eles importam.

O Futuro do Trabalho & a transformação na aquisição de talentos

Uma revolução no modo de contratar está acontecendo. Os modelos tradicionais de trabalho não permitirão mais que os negócios atinjam o seu pleno potencial, pois são concorrentes, demorados, caros e não-flexíveis. Hoje, tudo está se tornando online: varejo (eBay), transporte (Uber), hospedagem (Airbnb) e, também, o trabalho (Up Work). A internet está se tornando a estrada para o trabalho, permitindo que tudo seja feito online: contratar, gerenciar e pagar online. Ideias não são nada sem pessoas que trabalhem sobre elas, e Stephanie Kasriel (Up-work, antigo oDesk) avalia que o trabalho online tem o potencial de permitir que futuros times de profissionais possam juntar suas ideias para realiza-las, parecendo cada vez mais com as equipes de produção de filmes.

Hologramas & Realidade Virtual

Um painel com executivos da Magic Leap trouxe vários insights sobre o futuro das interfaces virtuais. Magic Leap é uma tecnologia que permite visualizar objetos 3D no mundo físico usando campos de luz como hologramas. Esse tipo de tecnologia redefinirá as nossas expectativas de interfaces computacionais no mundo físico. Um dos maiores desafios para isso, no entanto, é que a realidade virtual ainda não tem um conjunto de gestos padrão para comunicação e, assim, para que avance, é essencial que criemos uma linguagem para tanto. Essa constatação reforça a observação de Witgeinstein, “o limite do nosso mundo é o limite da nossa linguagem”.

Tecnologia & Design

John Maeda, autor do livro “Leis da Simplicidade”, trouxe reflexões bastante interessantes sobre a relação entre tecnologia e design: “design é o que faz você se sentir bem com a tecnologia”, “design é o que torna as coisas desejáveis e acessíveis”. Beleza não é importante, mas a experiência fascinante que o design transmite. Design não é importante, o pensamento estratégico de negócios é – o design deve tornar o negócio tangível para as pessoas. Segundo ele, a Tesla é o melhor exemplo de design tecnológico atualmente – é escalável, acessível e engenhoso.

A ascensão do Data Capital

Toda atividade usa informação e produz informação. Data capital é a informação que pode ser capturada para gerar valor, bons negócios. Paul Sonderegger, da Oracle, destaca que a habilidade essencial em data capital é ver a informação que não está lá, assim, data capital torna-se uma vantagem competitiva e também uma força disruptiva. Três ideias apresentadas para alavancar data capital:

  • Dados vêm de atividades– digitalize e quantifique atividades (transações, manufatura)
  • Use dados para criar dados – colete dados antecipatórios para identificar e prevenir eventos indesejados (ex: sistema de saúde que coleta dados para identificar e prevenir doenças)
  • As plataformas tendem a vencer– a plataforma é o modo como você coloniza a sua atividade.

Não conseguimos saber quão valiosos os dados são até que os usemos, por isso precisamos usa-los constantemente para descobrir o seu valor. Todo novo negócio que consegue trazer maior valor gera disrupção na sua área – esse foi o caso da Amazon e da Netflix nas indústrias de livros e filmes respectivamente.

Fazendo o governo trabalhar para as pessoas na era digital

Um dos principais desafios que a humanidade enfrenta é a urbanização: cidade, dados e tecnologias. Soluções que permitam o melhor funcionamento das cidades são essenciais para o seu desenvolvimento e qualidade de vida dos seus cidadãos. Uma ferramenta interessante para visualizarmos a situação das cidades é o Transit Mix, que carrega o mapa de trânsito real da cidade e nos deixa interagir com ele.

Impacto Global: projetando mudança positiva

Um dos grandes desafios na gestão global para gerar mudanças positivas é o comportamento das pessoas. Muitas vezes, uma pequena mudança no comportamento gera um impacto global, melhorando o mundo. Por exemplo, uma em cada quatro crianças se exercitam insuficientemente e também uma em cada quatro crianças nos países em desenvolvimento são subnutridas. Isso é um grande problema global que afeta milhões de pessoas no planeta. Para mudar essa situação, a UNICEF criou a UNICEF Kid Power Band, uma pulseira que incentiva as crianças a usam a fazer exercícios, por meio de doações de alimentos para crianças subnutridas – quanto mais as crianças que usam a pulseira fazem exercícios, mais doações são feitas para as crianças subnutridas. O projeto mostrou que usar pulseira é um motivador melhor para as crianças se exercitarem do que prêmios e jogos.

Vemos pelas discussões aqui abordadas a profunda transformação que as tecnologias têm trazido, além do seu enorme potencial para solucionar em um ritmo acelerado diversas questões e problemas no mundo. Se por um lado isso é maravilhoso, por outro pode ser perigoso, pois toda tecnologia tem o poder de transformar a realidade, as civilizações, a nossa percepção de mundo, reconfigurando os players, os papéis, as empresas, as pessoas, o mercado e a sociedade — quanto mais poder conquistamos, mais responsabilidade precisamos ter em usar esse poder de forma adequada e consciente para criar impactos positivos no mundo (como mostrados nos exemplos apresentados). Nesse sentido, acredito que vale finalizar com uma reflexão sobre como desempenhamos a nossa parte e o nosso papel nessa transformação, pois é o fator humano que faz a diferença no resultado final, em função de como usa e se apropria das tecnologias e das transformações que ela traz.

*Martha Gabriel – Engenheira (Unicamp), pós-graduada em Marketing (ESPM), Design (Belas Artes), mestre e PhD em Artes (ECA/USP), e e Educação Executiva no MIT com foco em neurociência para liderança e negócios. Professora de pós graduação na PUC-SP, no TIDD (Tecnologias da Inteligência), de MBAs, e faculty internacional da CrossKnowledge.

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