Robert Prevost, o papa Leão XIV, é o primeiro pontífice nascido nos Estados Unidos. Reprodução.

Católicos são aproximadamente 20% da população nos Estados Unidos; Leão XIV é o primeiro papa americano da história

Por Redação

Em agosto de 2023, o papa Francisco se queixou em Lisboa sobre a “atitude reacionária forte” da Igreja Católica americana, dizendo que a ideologia tinha substituído a fé em alguns locais e que muitos fiéis não entendiam “que há uma evolução apropriada na compreensão dos temas da fé e da moral”.

Jorge Bergoglio enfrentou duras críticas dos setores mais conservadores católicos nos Estados Unidos, que se opuseram a medidas como dar mais espaço a mulheres na hierarquia da Igreja e acolher minorias, como os LGBT+.

Isso se agravou com a eleição de Donald Trump em 2024, com sua campanha contra imigrantes que, nas palavras de Francisco, “não seria nem humana nem cristã”, além do negacionismo climático.

Por isso, há grande expectativa sobre como será a relação de Robert Prevost, o papa Leão XIV, com Trump. Nascido em 1955 em Chicago, Prevost também tem nacionalidade peruana por ter vivido quase 40 anos no país andino. Entre ativistas de extrema-direita, Prevost já é chamado de “papa marxista”.

No X (antigo Twitter)Prevost tem poucas manifestações com suas próprias palavras, mas há republicações de cunho mais político, que criticam a gestão Trump, e indicam apoio ao acolhimento de refugiados, o combate ao racismo e à pauta ambiental.

Esses temas foram caros a Francisco, crítico de Trump desde seu 1º mandato (2017-2021), que chamou de “grande honra” a escolha de um papa americano.

Em fevereiro, Prevost repostou o artigo JD Vance está errado: Jesus não nos pede para hierarquizar nosso amor ao próximo, que trata da declaração do vice-presidente americano sobre como o amor à família viria em primeiro lugar.

Diferentemente de Trump, Vance é um católico convertido aos 35 anos ligado às alas mais conservadoras da Igreja, cuja ascensão tem intensificado os rachas internos. Foi o último líder a ver Francisco, na véspera da sua morte, no dia 20.

Prevost também compartilhou em fevereiro um artigo que repercutia a carta de Francisco a bispos americanos para rechaçar narrativas que discriminam e causam sofrimento a migrantes, como associá-los ao crime.

O arcebispo de Washington, Robert McElroy, nomeado no início do ano por Francisco, repudiou ofensiva anti-imigratória do republicano na sua primeira aparição pública, em março. A escolha de McElroy já havia sido lida como reação de Bergoglio a Trump, já que o cardeal escolhido era ferrenho defensor dos imigrantes.

Católico e ex-estrategista da gestão Trump, Steve Bannon criticou a escolha de Leão XIV e disse à BBC que certamente “haverá atrito” entre o republicano e o líder da Santa Sé. Já Laura Loomer, ativista de extrema-direita, chamou Prevost de “papa marxista”.

Clérigos agitam bandeiras dos EUA durante o discurso do recém-eleito papa Leão XIV no Vaticano.

Cardeais brasileiros que participaram do conclave que elegeu o novo chefe do Vaticano dizem que a escolha do pontífice não é uma resposta preparada à Casa Branca.

“Acho que nem todos os cardeais conheciam o cardeal Prevost a tal ponto de saber detalhes de sua atuação. As interpretações podem ser dadas, mas isso não foi coisa definida ou pretendida pelo conclave. Foi um efeito colateral”, afirmou d. Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo, ao Estadão.

Sete representantes americanos no conclave, segundo o jornal The New York Times, também falaram juntos à imprensa e refutaram a ideia de reação. Para Timothy Dolan, cardeal de Nova York, ele pode criar pontes – expressão usada por Leão XIV em seu discurso inaugural – com Trump.

Democratas e Republicanos

Os católicos nos Estados Unidos são aproximadamente 20% da população de 340 milhões – porcentagem que se mantém estável ao longo dos anos, principalmente por conta do grande contingente de imigrantes de religião católica, como os que vêm da América Latina.

Poucos vaticanistas apostavam suas fichas na eleição de um pontífice americano, quebrando a tradição ao colocar à frente da Santa Sé um líder cuja origem é uma nação de maioria protestante.

Embora o catolicismo já tenha sido mais identificado com o Partido Democrata, nas últimas décadas a religião vem sendo cada vez mais ligada aos Republicanos ou, pelo menos, parte dela.

“O catolicismo tem dimensão mais conservadora nos Estados Unidos e as explicações são várias, nem sempre as mesmas. Tem a ver com o senso de nação dos norte-americanos, concepção de igreja e, talvez, o fato de garantir de modo político algumas questões de valores”, diz César Kuzma, professor de Teologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR). “Neste momento em que esses valores se impõem na pauta política, eles são usados na dimensão religiosa.”

Segundo o teólogo, há também explicação teológica para o conservadorismo católico nos EUA. “Na América Latina, houve recepção criativa do Concílio Vaticano II (que, em 1962, buscou atualizar a Igreja, tornando-a mais próxima da população)”, afirma Kuzma.

“Nos Estados Unidos, não houve essa recepção. Na verdade, houve recusa dos avanços do Concílio Vaticano II. Parte do catolicismo hoje nos EUA responde mais a uma tradição antiga, que deu a base da estrutura do país, do que aquilo veio com o concílio”, continua.

O vaticanista Filipe Domingues concorda com o colega. “A Igreja nos EUA foi marcada por uma divisão que está relacionada à questão política. Ali está a origem de uma espécie de fundamentalismo cristão que se desenvolve no Ocidente e tem, em grande parte, dimensão política e social”, explica.

“Esses movimentos políticos radicais de direita se utilizaram da religião como um instrumento para se espalhar, manter as pessoas mobilizadas. E isso foi usado para a radicalização por meio das redes sociais, dos discursos agressivos”, descreve Domingues, professor de Ciências Sociais da Pontifícia Universidade Gregoriana.

Isso já existia nas igrejas pentecostais e neopentecostais e começou a se difundir na Igreja Católica nos últimos 10, 12 anos, principalmente depois da eleição de Trump, quando boa parte dos católicos se radicalizou”, prossegue.

Em setembro de 2023, quando foi nomeado prefeito do Dicastério dos Bispos e, pouco depois, ordenado cardeal, o então bispo Prevost (atual papa Leão XIV) afirmou, em entrevista à BBC que suas origens poderiam ajudá-lo a lidar com os desafios enfrentados pela Igreja Católica na sua terra natal.

“Não é uma coincidência que o papa Francisco tenha me escolhido”, afirmou na entrevista. “Fui um missionário durante toda a minha vida e estava trabalhando no Peru, mas sou americano e acho que tenho alguns ‘insights’ sobre a Igreja nos Estados Unidos. É preciso olhar para os desafios que a Igreja nos EUA está enfrentando. Espero estar pronto para manter diálogo saudável e continuar a procurar novos caminhos para a Igreja condizentes com a época em que vivemos.”

De Chicago a Chiclayo – e agora no Vaticano

Os especialistas destacam, porém, que o papa Leão XIV não é um religioso formado pelo catolicismo dos EUA, mas muito mais da América Latina, onde viveu quase 40 anos como missionário agostiniano – com destaque para a Diocese de Chiclayo, cidade do norte peruano citada no primeiro discurso do novo pontífice.

“Não deixa de ser norte-americano de nascimento, claro, nascido em Chicago, que tem muitas faculdades de teologia católicas, onde a Igreja é mais progressista”, disse Kuzma. “Mas é moldado como padre na Igreja latino-americana, na teologia da libertação, que surgiu no Peru. Ele bebe dessa fonte.”

O professor de teologia Brett Hoover, da Universidade Marymount Loyola, na Califórnia, afirmou à revista Time que as primeiras falas de Leão XIV passam uma mensagem. “Ele, na verdade, disse, ‘sou americano, mas um tipo diferente de americano. Não sou nacionalista, sou alguém que se importa com todo o mundo”.

Coordenador da pós-graduação em Teologia da PUC-MG, Rodrigo Coppe concorda com Hoover. “Ele tem essa perspectiva latino-americana e, por isso, vai dialogar com a massa de hispânicos nos EUA. Ao mesmo tempo, como figura multivalente, será uma pedrinha no sapato do Trump.”

Casos de abusos sexuais

Há outros desafios para a Igreja Católica nos Estados Unidos. O grande volume de casos de abuso sexual fez a igreja perder muitos fiéis. Em outubro, por exemplo, a Arquidiocese de Los Angeles concordou em pagar US$ 880 milhões para 1.353 pessoas que relataram abusos por parte de clérigos das igrejas locais.

Pelo país, a quantidade de fiéis que frequentam missas semanalmente vem caindo, assim como o número de ordenações de religiosos. Todos os problemas agora que passam a ser também de responsabilidade de Leão XIV.

Prevost estava entre os cardeais acusados, em março, de negligência nas respostas a denúncias de abuso na Igreja Católica pela Rede de Sobreviventes de Abusos por Padres (Snap). A entidade se referia às acusações de abusos supostamente cometidos pelo padre Eleuterio Vásquez Gonzáles contra três menores de idade. A diocese negou omissão e disse que apurou as denúncias. A conferência peruana de bispos também defendeu o novo papa.

A Compañia Peruana de Radiodifusión chegou a publicar nota em que alega que sua equipe foi pessoalmente à diocese falar sobre as denúncias com o então bispo Prevost, em 2022. “Não se realizou nenhum ato de investigação”, disse na nota. Depois, o caso foi arquivado na esfera criminal.

Já a Diocese de Chiclayo afirmou que um dos sacerdotes acusados foi retirado da paróquia em que atuava e que abriu investigação. “As acusações apresentadas contra o sacerdote acusado não foram suficientemente provadas”, informou. Posteriormente, após novas denúncias na mídia, disse ter reaberto o caso.

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Com informações do Estadão

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