Presidente ucraniano saiu da Casa Branca humilhado, sob a ameaça de fechar um acordo com os russos ou perder apoio; episódio reforça preocupação entre aliados dos americanos
Por Redação
A Ucrânia tem uma posição difícil: com 20% do seu território ocupado pela Rússia, corre o risco de ser forçada pelos Estados Unidos a negociar o fim da guerra em termos desfavoráveis. No meio dessa encruzilhada, o presidente Volodmir Zelenski foi a Washington na esperança de conseguir algum apoio, mas o encontro com Donald Trump foi interrompido de forma abrupta por um bate boca que, segundo analistas ouvidos pelo Estadão, enfraquece Kiev.
A Ucrânia, contudo, não é o único país prejudicado pela discussão no Salão Oval da Casa Branca. O episódio, dizem especialistas, sinaliza que os Estados Unidos estão perdidos e reforça as preocupações dos aliados sobre os compromissos americanos.
“A posição ucraniana saiu enfraquecida, sem dúvida”, afirma o professor de Relações Internacionais da ESPM Gunther Rudzit. “Mas a posição de Vladimir Putin não é tão vantajosa assim. Trump é orgulhoso, não quer parecer inferiorizado diante de Putin. Era isso que Zelenski tentava usar ao alertá-lo”, pondera.
A discussão começou em torno das garantias de segurança, que a Ucrânia tem como exigência para encerrar a guerra. O temor é que, em tempos de paz, a Rússia se reorganize para atacar novamente. Zelenski alertava que não se pode confiar nas promessas do presidente russo. Trump se irritou e disse que Putin cumpriu os acordos com ele.
Mas foi o vice-presidente J.D. Vance quem escalou a briga, na frente da imprensa, ao dizer que considerava “desrespeitoso” Zelenski advogar em causa própria na frente das câmeras e que o presidente ucraniano deveria ser grato.
Trump seguiu na mesma linha. Cobrou gratidão e acusou Zelenski de desrespeitar os Estados Unidos, inflando as cifras do apoio que os americanos deram à Ucrânia no curso da guerra. E ameaçou: “Ou você fecha o acordo ou estamos fora. O seu país está em apuros. Você não está vencendo”, disse.
“Ao longo da discussão, Trump tentou mostrar que é ele quem manda. Ele disse ao Zelenski: ‘você não tem as cartas, nós temos as cartas’. Trump deixou claro que Zelenski está subordinado a ele, mas Zelenski não aceita essa subordinação enquanto o Putin consegue fazer uma dança em que ele diz que concorda com o Trump”, afirma Sandro Teixeira, professor da Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (ECEME). “O que estamos vendo é um choque de visões e uma aproximação da visão americana com a visão russa”.
Antes do bate boca no Salão Oval da Casa Branca, Trump deu início a conversas com russos, sem a presença dos ucranianos. Somado às declarações do secretário da Defesa, Pete Hegseth, que disse ser irrealista a Ucrânia recuperar todo seu território, o começo das negociações alarmou Kiev e aliados na Europa.
Analistas avaliam que as conversas devem ser mantidas, depois do embate com Volodmir Zelenski. Até porque Trump tem interesse em encerrar a guerra, cumprindo uma promessa de campanha, para focar na contenção da China. A questão é que tipo de paz pode ser alcançada.
Putin só aceitaria um acordo em que pudesse cantar vitória na Rússia e tem resistido às garantias de segurança exigidas por Kiev. Desmentindo Donald Trump, o Kremlin negou que estivesse disposto a aceitar tropas europeias na Ucrânia.
Zelenski, por sua vez, insiste em recuperar a integridade territorial da Ucrânia, mas já disse que isso poderia ser resolvido depois, pela via diplomática, quando os combates cessassem.
Os resultados da discussão que chocou o mundo ainda não estão claros, mas poderiam ser catastróficos se Trump decidisse interromper de vez apoio à Ucrânia. “Se Trump faz isso, ele corta não só o dinheiro, mas os equipamentos e munições entregues para Ucrânia, que já está em posição difícil no campo de batalha”, lembra Sandro Teixeira.
“Esse poderia ser o começo de uma tragédia porque as munições para fuzis, pistolas, metralhadoras, as munições de artilharia, mísseis, sistemas de defesa aérea que os Estados Unidos deram para Ucrânia, tudo isso pode parar de ser resposto”.
Por outro lado, Gunther Rudzit pondera que não é do interesse americano deixar os ucranianos completamente abandonada à própria sorte. “Trump quer vender a paz, não a derrota dos ucranianos”, afirma.
Nesse sentido, Rudzit considera que o acordo para exploração de minérios na Ucrânia, que deveria ter sido assinado no encontro entre Donald Trump e Volodmir Zelenski, poderia servir como uma desculpa para manter o apoio.
Trump pediu US$ 500 bilhões na exploração em minérios, como uma espécie de recompensa pelo que os Estados Unidos gastaram com a guerra. Ele afirma que o apoio teria sido de US$ 350 bilhões, embora a cifra verdadeira seja de US$ 118 bilhões, segundo estimativa do Kiel Institute, think tank alemã que monitora as contribuições para a defesa ucraniana.
Zelesnki resistiu ao acordo, mas acabou aceitando depois que os Estados Unidos fizeram concessões. A versão final do texto não incluía a exigência de que a Ucrânia entregasse aos EUA os US$ 500 bilhões em receita da exploração de minérios, mas também não previa garantias de segurança que Kiev busca. Depois de ser repreendido por Trump na frente da imprensa, o presidente ucraniano saiu da Casa Branca sem assinar o compromisso.
Seja qual for o desfecho para Ucrânia, analistas concordam que a discussão no Salão Oval da Casa Branca tem consequências também para os Estados Unidos.
“Esse episódio marca uma mudança histórica para política externa americana. Vimos o presidente da França Emmanuel Macron e o primeiro-ministro do Reino Unido Keir Starmer dizer ao Trump que ele estava errado em reuniões anteriores. Esses três encontros mostram que o governo americano está um tanto quanto perdido. Se espera que tenha um planejamento, mas parece perdido”, Gunther.
O tratamento a Zelenski reforça ainda a preocupação crescente sobre o quão firmes são os compromissos americanos no momento em que Donald Trump ameaça alguns dos principais aliados dos Estados. “É um momento ruim para a Ucrânia, mas também é ruim para os Estados Unidos. Seus aliados ficam se perguntado: se ele está fazendo isso com a Ucrânia, o que poderia fazer comigo?”, conclui Sandro Teixeira.
Logo após Zelenski sair humilhado da Casa Branca, aliadas europeus manifestaram apoio. “Sua dignidade honra a coragem do povo ucraniano. Seja forte, seja valente, seja intrépido. Você nunca estará sozinho, querido presidente Zelenski”, escreveu a presidente da Comissão Europeia Ursula von der Leyen em declaração conjunta com o presidente do Conselho Europeu Antonio Costa.
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Com Estadão