Audiência proposta por Júlia Lucy teve foco nos impactos financeiro e social da gravidez indesejada e da maternidade durante a adolescência
Por Redação
Pesquisadores, gestores e
ativistas que participaram da audiência pública remota da Câmara Legislativa
(CLDF) sobre planejamento reprodutivo, realizada nesta sexta-feira (4),
apontaram para a necessidade do fortalecimento das ações em rede, envolvendo, entre
outros órgãos, as secretarias de Saúde (SES), Educação (SEDF) e da Mulher
(SMDF). Entre as sugestões discutidas, destacaram-se campanha de
conscientização e política educacional permanente, qualificação das equipes de
saúde, melhoria no acesso aos meios contraceptivos, bem como a formulação de
políticas públicas que considerem as diversidades regional, racial e etária. Em
2019, o DF registrou 4,2 mil partos de adolescentes.
De acordo com o ginecologista do Hospital Materno Infantil de Brasília, Adriano
Tavares, o planejamento reprodutivo é fundamental para a saúde e o
desenvolvimento social e econômico da mulher e, no Brasil, mais da metade das
gestações não são planejadas. Segundo ele, estes casos “estão atrelados a maior
frequência de um pré-natal inadequado, maior incidência de abortamento
inseguro, violência doméstica, complicações na gestação, prematuridade, menor
taxa e duração de amamentação, maior mortalidade materna e infantil, e maior
chance de abandono da criança”. Ele ainda afirmou que cada gravidez não
planejada custa R$ 6 mil em despesas para o sistema de saúde o que, no Distrito
Federal, somaria R$ 168 milhões ao ano.
Para a deputada Júlia Lucy (Novo), procuradora da Mulher da CLDF e autora da
audiência, existe uma “carga moral” no Brasil que dificulta o debate sobre o
tema e, portanto, a conscientização. Ela afirmou que o DF, em 2020, registrou
102 “filhos de crianças”: bebês de mães entre 13 e 14 anos. Na faixa entre 15 e
19 anos, foram, segundo a deputada, 3100 partos. Ela ressaltou que esses
números são proporcionais ao nível de pobreza: “No DF, onde há mais casos de
gravidez na adolescência é em Santa Maria, Itapoã, Fercal, Estrutural, Varjão,
Brazlândia e Recanto das Emas, que são as regiões mais pobres”.
Segundo a distrital, a cada dólar gasto na prevenção à gestação na
adolescência, são economizados 98 dólares. “Seriam mais de 3,5 bilhões de
dólares para o país se a gravidez fosse postergada para depois dos 20 anos”.
Ele explicou que a gravidez precoce “afasta” as mulheres do estudo e do
emprego, tornando-as mais pobres. A ativista Luiza Rodrigues defendeu a
realização de pesquisa para verificar a realidade de cada região do DF, com
enfoque na questão racial. Também sugeriu a disponibilização de vídeos pela
secretaria de Saúde para “derrubar mitos” relacionados aos métodos
contraceptivos.
A oficial de Programa em Saúde Sexual e Reprodutiva do Fundo de População da
ONU, Anna Cunha, destacou que a taxa de gravidez indesejada varia também de
acordo com a escolaridade. Na pesquisa apresentada, as mulheres “sem anos de
estudo”, têm dois filhos a mais do que desejariam. “Quando chega em 12 anos ou
mais de estudo, há uma convergência da fecundidade desejada e a efetiva. Elas
conseguiram alcançar suas intenções reprodutivas”, explicou. A pesquisadora
frisou também que as mulheres com mais acesso ao planejamento reprodutivo “têm
mais controle e autonomia sobre seus próprios corpos, portanto maior capacidade
de conciliar suas trajetórias reprodutivas com outras esferas das suas vidas,
como a educacional e profissional”.
O coordenador de Atenção Primária à Saúde do DF, Fernando Erick, afirmou que a
SES está investindo em mais equipes, na qualificação dos métodos
contraceptivos, e que já oferece o implante subcutâneo há dois anos. Segundo
ele, a média de inserção de Diu em 2015 era de 150 por mês e hoje são 350, e
que foram 3 mil nos seis meses que antecederam a pandemia. “80% das 172
Unidades Básicas de Saúde do DF têm registro de inserção de DIU, sendo que 42%
das equipes realizam esse procedimento como rotina”, explicou Erick.
Já a diretora de Educação do Campo, Direitos Humanos e Diversidade da SEDF,
Ruth Meyre Rodrigues, relatou que existe resistência da sociedade em relação à
educação sexual e que o principal desafio dos educadores é com a gravidez na
adolescência. “Hoje há muitos equívocos quando a gente tenta levar essa
discussão para as escolas. Existe dificuldade de entendimento de como é
importante discutir essas questões. Quando se discute, acham que estamos
incentivando. Na verdade, estamos protegendo. É importante abordar o assunto,
de forma apropriada, a partir das crianças, até como forma de enfrentamento à
violência sexual”. Ela reforçou a necessidade de que as políticas públicas
sejam intersetoriais e considerem as diversidades locais, com preocupação
especial em relação às mulheres negras.
A doutora em medicina com ênfase em Saúde Pública, Damiana Neto, defendeu uma
maior participação social nas políticas de planejamento reprodutivo, porque
“muitas vezes elas não dialogam com a realidade local”. Para serem eficazes, as
ações precisam levar em conta as características de cada público. “A gente
precisar lidar com isso sem estarmos amarrados nas nossas questões pessoais,
ideológicas, culturais e principalmente religiosas”. Ela também ressaltou que é
preciso considerar o recorte racial para efetivar as políticas de forma
equitativa. “O Brasil democrático é o que reconhece a equidade racial, e
estamos distantes de atingir isso” – afirmou.
Trabalho em
conjunto
De acordo com a subsecretária de Promoção das Mulheres da SMDF, Fernanda
Falcomer, os projetos que estão em andamento seriam potencializados com o
envolvimento de outras secretarias. “Precisamos trabalhar juntos com a SES no
que for possível para garantir o acesso das mulheres à melhor metodologia para
que elas possam exercer o direito reprodutivo da forma plena”. Júlia Lucy
ofereceu material sobre o tema, produzido pela Procuradoria da Mulher, para a
distribuição em oficinas sobre saúde realizada pela SMDF. Também propôs,
juntamente com Ruth Rodrigues, um processo em conjunto entre todas as pastas
que tenham envolvimento com o tema para verificar o que pode ser realizado em
parceria. Entre as ações, a distrital destacou a recente aprovação da Lei
6.731/2020, de sua autoria, que instituiu a Política de Prevenção e Atendimento
à Gravidez na Adolescência no DF.
A distrital ainda pediu que a SESDF apresente um cronograma de treinamento para
equipes da Saúde Primária com foco no planejamento reprodutivo, que será
oferecido por Adriano Tavares. Fernando Erick chamou atenção para o Programa
Saúde na Escola, que envolve ações educativas e de atendimentos aos estudantes
da rede pública de ensino do DF, e defendeu as políticas intersetoriais:
“Precisamos estreitar o laço entre Saúde e Educação”.
Com informações da CLDF