Artesanato, bazar, grupo de música e companhia de teatro promovem a autonomia dos pacientes. Em 2022, a instituição realizou 12.202 atendimentos

Por Jade Abreu

Eles chegam às portas do Centro de Atenção Psicossocial de diferentes formas e carregando um mundo. Há quem relate ter ido sozinho, com familiares ou indicado por um profissional de saúde. Os motivos também são diversos. Os Caps são serviços comunitários voltados aos atendimentos de pessoas com sofrimento psíquico ou transtorno mental. Em 2022, 178.988 pessoas foram atendidas nas instituições.

Entre os atendimentos, as oficinas desenvolvidas nesses ambientes são essenciais. “São o resgate da cidadania, da autoestima e da independência e o que mais contribui para a resposta ao tratamento”, afirma a diretora de Saúde Mental da Secretaria de Saúde, Vanessa Soublin. Por essa razão, as equipes multiprofissionais apostam em diversas formas de acolhimento e de desenvolvimento com os usuários.

No Caps II Dra. Juliana Garcia Pacheco, no Paranoá, é possível contar com grupos e oficinas de teatro, música, artesanato e bazar. As atividades têm o objetivo de promover a autonomia das pessoas que frequentam os espaços. Em 2022, a instituição realizou 12.202 atendimentos. A Agência Saúde conversou com os pacientes e os profissionais. Pessoas com histórico de depressão, esquizofrenia, tentativa de suicídio, ansiedade, bipolaridade entre outros. Para preservar a identidade dos pacientes e compromisso médico, não serão identificados os motivos que cada um teve para buscar o apoio do Caps.

Caps são abertos e atendem pessoas com sofrimento mental grave. Isso significa que a assistência ocorre por demanda espontânea ou via encaminhamento de outros setores da rede de saúde ou da rede intersetorial. Foto: Tony Winston-Agência Saúde-DF 

Artesanato

A linha e a agulha parecem dançar nos dedos de Marta Sousa, 47 anos. Há pelo menos 40 anos que ela costura. “Faço isso de olhos fechados”, ostenta a habilidade enquanto não apenas tampa a visão, como ainda vira-se para o lado oposto à roupa que começou a crochetar. “Eu fiz um dos vestidos da Via Sacra e até roupa de noiva”, conta orgulhosa de seus trabalhos manuais. O conhecimento para trabalhar com as peças veio muito antes de qualquer diagnóstico.

Marta revela que trabalhou para grifes brasilienses, mas atualmente fica em casa na maior parte dos dias. A oficina ocorre às terças-feiras no período vespertino, e ela é uma participante assídua. “Eu gosto de ficar aqui conversando, nem sempre a família tem tempo para a gente”. O objetivo do grupo é estimular a paciência e a socialização.

“A prioridade aqui é ser feliz”, explica a assistente social Nadja Coe, que é a coordenadora do projeto. É um espaço em que a pessoa se concentra na peça que está costurando e vai conversando com os outros. A profissional explica que as peças a longo prazo poderão ser vendidas para gerar renda aos artesãos, mas que no momento não é objetivo do grupo. Interessados em ajudar, podem doar linhas, agulhas, tecidos.

“Às vezes a pessoa se empolga para começar a costurar, compra um monte de coisas e depois não sabe o que fazer com o material”. Outra forma de doação pode ser com o tempo, ensinando técnicas de artesanato. Quem tiver interesse pode entrar em contato com o Caps pelo número (61) 99103-7790.

Bazar

Saias, calças, vestidos, sapatos, acessórios estão expostos em araras dentro do Caps do Paranoá. As peças compõem o cenário do centro das 8 às 16 horas de segunda a sexta. Entre as roupas, Rejane Ramos, 48 anos, apresenta o mostruário e garimpa os estilos. “Eu sei de olhar a pessoa qual é a numeração que veste”, vangloria-se.

Ela é uma das nove frequentadoras do Caps que trabalham no Bazar da Juh. O nome é em homenagem à psicóloga Juliana Pacheco, que faleceu em 2020. “Chega uma roupa de doação, a gente passa, prega um botão, organiza e vende”. A equipe também participa de feiras e eventos com a venda do mostruário. Do total arrecadado, 90% é dividido igualmente entre as usuárias. O restante é reinvestido no bazar, como compra de tecido, apoio em eventos (alimentação, transporte etc.).

O espaço permite aos pacientes do Caps uma escala de trabalho mais flexível, em que cada um vai apenas um dia na semana. “Alguns usuários não estão aptos a trabalhar com uma escala rígida, mas no bazar têm a chance de exercer uma atividade e ter um complemento de renda”, afirma o profissional responsável pela atividade, o assistente social Getúlio Alves.

É possível ver as peças em exposição pelo perfil no instagram @bazardajuh.paranoa. A equipe não faz entregas, mas os interessados podem reservar algum produto para buscar no local. Doações também são bem-vindas.

Música

A mão bate no tambor, o corpo dança, a voz vibra e a pele arrepia. Maria do Rosário dos Santos, 60 anos, canta um samba. Ela está se preparando para a apresentação no carnaval com a banda Maluco Voador que será no bloco do Rivotrio. Quem vê a espontaneidade da cantora no palco nem imagina que o primeiro surto de Rosário ocorreu quando ela tinha 8 anos. “Naquela época não se falava sobre saúde mental, tudo era frescura”, lembra.

De todas as iniciativas para acompanhamento em 52 anos, Rosário alega que o Caps é a melhor. Desde o início do grupo musical, em 2012, Rosário participa assiduamente. “Quando cheguei, não andava de ônibus, tinha medo de tudo e em 2016, fui representar o grupo em Cuiabá para ganhar um prêmio”. Na ocasião, o projeto foi o vencedor nacional na categoria Educação Popular e Saúde.

Assim como Rosário, Darlly Ferreira, 37 anos, é vocalista na banda. Ela se empolga com o forró e conta que o pai é músico. Para ela, participar da oficina foi uma das atividades que a ajudou a se socializar com as pessoas. “Fui fazendo coisas para me inserir na sociedade”. Com o grupo, ela se apresentou em centros de convenções, teatro, festas, entre outros. “Uma vez cantei numa festa aqui no Paranoá, toda minha família foi e ficavam gritando ‘gostosa'”, ri.

A atividade foi idealizada pelo psicólogo Filipe Willadino Braga, quando ainda era estagiário no Caps do Paranoá. Atualmente ele segue à frente do projeto e também é tutor do Programa de Saúde Mental do Adulto da Escola Superior de Ciências da Saúde (Escs). “A gente trabalha a música como ferramenta de educação popular”, explica o profissional.

Ele conta que há troca de saberes entre os integrantes. “Até se ter uma crise, a pessoa é considerada ‘normal'”. Braga conta que muitas vezes esse é o único momento de distração de muitos. O grupo musical é aberto e não precisa ser frequentador do Caps para participar da banda. É possível acompanhar as novidades pelo instagram @omalucovoador.

“Arte é importante porque nela todo mundo sofre e as pessoas se distraem do sofrimento”, declara Paulo César Oliveira. Foto: Tony Winston-Agência Saúde-DF 

Teatro

Às sextas-feiras, Paulo César Oliveira, 57 anos, sai da rotina dos outros dias da semana. Às 14 horas, ele não está em casa como de costume, mas na oficina de teatro no Caps. A atividade para ele é uma terapia e uma forma de manter contato com palco e atrações artísticas. “A arte é importante porque nela todo mundo sofre e as pessoas se distraem do sofrimento”. Paulo conta que quando jovem foi montador de palco de shows de Rock de Brasília, de bandas como Legião Urbana.

Na companhia de teatro Atravessa a Porta, Paulo já se performou e apresentou textos autorais. As oficinas têm feito a diferença para a vida do homem que mora com a tia. “Você se considera muito normal e de repente descobre alguma coisa. Não caiu a ficha, sabe, nunca cai a ficha”. Frequentador, ator e montador de palcos, ele também ajuda a elaborar roteiros que são apresentados.

“A gente tem uma preocupação de que as coisas não sejam infantilizantes”, afirma a coordenadora do projeto, psicóloga Amanda Oliveira. Construir roteiros e produções que sejam os participantes os protagonistas das ações é uma das formas de incluir uma visão e experiência únicas sobre os temas abordados. A companhia existe desde 2012 e atualmente trabalha com a edição do longa Capsianes. O objetivo é fortalecer o cuidado em saúde mental.

O grupo tem um site com o material apresentado e pode ser acessado neste link. Também é possível acompanhar as novidades da companhia pelo instagram @atravessaaporta

Os Caps são abertos e atendem pessoas com sofrimento mental grave. Isso significa que a assistência ocorre por demanda espontânea ou via encaminhamento de outros setores da rede de saúde ou da rede intersetorial. Para ser atendido o cidadão pode ir por conta própria a alguma das 18 unidades da rede CAPS portando documento oficial de identificação com foto, cartão do SUS e, se possível, comprovante de residência. Pessoas em situação de rua não precisam mostrar nenhum tipo de documentação.

Com informações da Ag. Saúde-DF 

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