Enchente no entorno do Cais Mauá, no centro histórico de Porto Alegre Foto: Cesar Lopes/PMPA

A cidade está em alerta máximo. Marca de 1941 foi ultrapassada na noite desta sexta-feira, 3, na capital gaúcha; Rio Grande do Sul enfrenta seu pior desastre climático

Por Redação

O nível do Rio Guaíba, em Porto Alegre, bateu recorde (4,96 metros) entre a noite desta sexta-feira, 3 e a manhã deste sábado, 4. É a maior marca já registrada na capital gaúcha, superando a cheia histórica de 1941, com 4,76 metros. Um prognóstico de cientistas aponta que a enchente será ainda maior do que a previsto anteriormente. O Rio Grande do Sul enfrenta seu pior desastre climático, com 56 mortos e 67 desaparecidos.

A medição de 4,96 metros foi registrada no início da manhã (a cota de inundação é de 3 metros). A expectativa é que o nível continue a subir. As águas do Guaíba já alagaram vias do centro histórico e também a rodoviária. Nas redes sociais, moradores compartilharam imagens de baratas, saídas dos bueiros, que se espalharam pelas ruas centrais.

A cidade também registra blecautes – 54 mil moradores sem luz, segundo a CEEE Equatorial – e risco de desabastecimento de água em dezenas de bairros.

Aeroporto Salgado Filho suspendeu operações por tempo indeterminado. O acesso a Porto Alegre pela BR-116 está interrompido. Segundo a prefeitura, quase duas mil pessoas passaram a noite em abrigos em Porto Alegre.

Na manhã deste sábado, o prefeito Sebastião Melo (MDB) pediu a saída de moradores de mais um bairro, o Sarandi, após as águas extravasarem do dique do Rio Gravataí. O Exército e os bombeiros ajudam na remoção.

Por todo o Estado, diversas áreas ficaram ilhadas, com dificuldade de acesso terrestre e até de resgate por aeronave. O rompimento de barragens – como uma estrutura perto de Bento Gonçalves – ameaça municípios em várias regiões.

Neste fim de semana, a chuva avança em direção a Santa Catarina, que teve uma morte confirmada. Para especialistas, a ocorrência de eventos extremos – como tempestades, secas severas e ondas de calor – vai se intensificar em todo o Brasil com a piora do aquecimento global.

Bairros podem ficar sem água em Porto Alegre

Com a inundação do Guaíba, o Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae) afirma que foi necessário suspender os operações das Estações de Tratamento de Água (Etas) Moinhos de Vento, São João e Tristeza, na manhã deste sábado, 4.

A suspensão dos trabalhos ocorre em razão do alagamento das estações de bombeamento de água bruta (Ebabs), que ficam localizadas na Avenida Voluntários da Pátria e Padre Cacique, respectivamente. As Ebabs são as responsáveis pela captação da água para tratamento. Não há previsão de retomada da operação.

Ainda na sexta-feira, 3, o diretor-geral da companhia, Maurício Loss, havia dito que, diante da alta veloz do nível do rio, tinha sido necessário parar com a captação e bombeamento da água bruta na Estação Moinhos de Vento para evitar o colapso das bombas, posteriormente outras duas estações foram paralisadas.

Plano de Evacuação

Pesquisadores do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) apontam a necessidade de preparar um plano de evacuação para diversos bairros das proximidades da orla do Lago Guaíba, nas zonas norte, sul e central, inclusive nas proximidades do Aeroporto Salgado Filho, na capital do Rio Grande do Sul, que suspendeu as operações na noite desta sexta.

A recomendação é ampliar a evacuação assim que o Guaíba chegar a 5 metros. A prefeitura já recomendou a saída da população do centro histórico, das ilhas e do 4º Distrito — antiga área industrial que abrange os bairros Floresta, Navegantes, Humaitá, São Geraldo e Farrapos. Bloqueios foram feitos em alguns acessos. Também foram retirados moradores de outros pontos da cidade.

A estimativa é de que o Guaíba chegue a 5,5 metros, o que pode colapsar o sistema de contenção contra cheias (que inclui comportas, muro, vias elevadas e bombeamento de água), pois há registros de problemas. A estrutura é um dos motivos pelos quais as águas não avançaram ainda mais.

Professor do IPH, o engenheiro ambiental Fernando Mainardi Fan explica que a recomendação de evacuação é uma medida de segurança. Isso porque um eventual rompimento do sistema geraria um avanço muito rápido das águas pela cidade.

“A gente teme que o sistema não seja suficiente, que possa ocorrer alguma falha nele e a água entrar”, aponta o professor. “(A evacuação seria) Uma medida de segurança, para proteger a vida das pessoas e os patrimônios mais valiosos”, continua.

Como a cidade nunca teve inundação neste patamar desde antes das obras antienchente, dos anos 1970, e foram registrados alguns problemas no bombeamento da água (gerando refluxo pelos bueiros e causando alagamentos), há dúvidas sobre o quanto o sistema irá suportar.

Porto Alegre enfrentou dias seguidos de chuva, mas não há precipitação na manhã deste sábado. Mas o Guaíba, porém, recebe alto volume de água também de outros importantes rios do Estado, como o Taquari, um dos mais afetados nos últimos dias. Pelo menos 235 municípios gaúchos foram atingidos.

Porto Alegre enfrenta dias seguidos de chuva, enquanto o Guaíba recebe um alto volume de água também de outros importantes rios do Estado, como o Taquari Foto: Cesar Lopes/PMPA

O próprio governador Eduardo Leite (PSDB) mostrou que o Estado tem avaliado o prognóstico dos pesquisadores da UFRGS. “Vai ser ser precedentes, esqueçam tudo o que já piram de pior em alagamentos em enchentes: vai ser muito pior aqui, na região metropolitana (de Porto Alegre)”, disse em vídeo publicado nas redes sociais. “O dique e o muro serão colocados à prova neste momento crítico.”

Em conjunto com o também professor Rodrigo Paiva e o engenheiro Matheus Sampaio (da Rhama Analysis), o pesquisador divulgou o novo prognóstico. O material é acompanhado de um mapa com as possíveis áreas mais vulneráveis no caso de um eventual colapso do sistema de drenagem, baseadas na enchente recorde da cidade, de 1941, com 4,76 m.

A maioria envolve as quadras mais próximas do Guaíba, o que contempla as zonas sul, central e norte, como os bairros Praia de Belas, Cidade Baixa, Menino Deus, Tristeza, Assunção, Serraria e outros. Nesses locais, vivem mais de 140 mil pessoas em 77 mil domicílios, segundo o IBGE. Também estão parques, hospitais, shoppings, centros culturais, escolas e diversos espaços do serviço público.

Entre os locais, estão alguns dos pontos mais importantes e marcantes da cidade, tais como a sede da prefeitura, o Parque Marinha do Brasil, a Fundação Iberê Camargo, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, a Câmara Municipal, o Estádio Beira-Rio (do Internacional), a Arena do Grêmio, o Centro de Eventos da Fiergs, o Aeródromo de Belém Novo, a Reserva Biológica do Lami e outros.

O mapa abaixo foi elaborado pelo IPH. A ferramenta mostra as áreas com maior potencial de serem atingidas pelas águas caso o sistema de controle de enchentes entre em colapso. A projeção considerou as áreas afetadas na então maior enchente da cidade, de 1941 (na cor roxa).

Veja o mapa acessando o link> https://www.google.com/maps/d/viewer?mid=1yf0FGOLEGZSQaVLONyf5DqWKXmsXUMI&femb=1&ll=-30.09019800940237%2C-50.787988684742736&z=9

Veja abaixo respostas do professor Fernando Mainardi Fan, da UFRGS, sobre os motivos da enchente e a situação em Porto Alegre.

Por que o nível do Guaíba subiu tão rápido? E por que as cheias em outras áreas interferem nisso?

Porto Alegre está localizada às margens do Guaíba. A cidade se desenvolveu em direção ao Guaíba, inclusive aterrando algumas partes. A localização geográfica, em termos de Estado, faz com que Porto Alegre esteja rio abaixo de muitas outras regiões e rios importantes (como Taquari, por exemplo). Então, sempre que dá uma grande chuva na região central ou noroeste do Rio Grande do Sul, essas águas descem e vem em direção ao Guaíba, elevando os níveis. Neste caso, aconteceram chuvas extremas na região central do Estado, o que fez com que os níveis se elevassem de forma muito acentuada no Guaíba.

As duas inundações do ano passado indicaram um pouco quais são os gargalos e medidas a serem tomadas?

As duas inundações do ano passado serviram como aprendizado, especialmente para a previsão de níveis de vazões e para a tomada de medidas de prevenção. Mas, como foram muito recentes, nem todas medidas e planos conseguiram ser implementados. Tivemos uma cheia em setembro, uma em novembro e, agora, de novo, em maio.

Por que há a recomendação de uma maior evacuação de áreas quando o Guaíba chegar a 5 metros?

Quando falamos em evacuação, estamos sendo justamente temerários de que o sistema não seja o suficiente, que possa ocorrer alguma falha nele e, aí, a água entrar. Ou, inclusive, das previsões estarem um pouco abaixo e nossos níveis ficarem acima dos previstos, o que é pouco provável, mas são situações que podem acontecer. Por isso, damos essa sugestão de, chegando agora nos 5 metros, uma atuação mais efetiva de evacuação de áreas possivelmente afetadas. Uma medida de de segurança, para proteger a vida das pessoas e os patrimônios mais valiosos.

Porto Alegre está com pontos de refluxo de água pelos bueiros. Isso é um ponto de atenção nessa situação? Por que ocorre?

Quando a gente faz um sistema de diques de proteção, não deixamos a água entrar, mas essa água também não sai. Como a água não sai, temos que fazer sistemas que bombeiam a água para fora. Esses sistemas podem falhar e aí temos esse refluxo de água pelos bueiros. E é isso que está acontecendo: alguns pontos apresentam falhas, que precisam ser corrigidas emergencialmente, senão vamos ter uma inundação da cidade através desses pontos de falha, da água do Guaíba entrando dentro da cidade pelos pontos de falha.

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Com informações do Estadão Conteúdo (Priscila Mengue , Caio Possati e Eduardo Amaral)

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