Por Flávio Dias de Abreu
Chegamos ao fim de mais um ano, onde analisaremos a confiança ao nosso sistema de saúde do país, sendo oportuno tecermos reflexão ao item que deve capilarizar e permear todas as engrenagens do sistema, nos seus ambientes intrínseco e extrínseco.
Nesse sentido, além do sustento em capital humano motivado, necessário o exercício ao emprego do substantivo feminino “CONFIANÇA”. Segundo o dicionário HOUAISS, confiança é a crença na probidade moral, na sinceridade, lealdade, competência, discrição etc. de outrem; crédito, fé. Trata-se de uma entrega, sem receio de perder ou de sofrer dano. Minimizar riscos e potencializar resultados positivos é a meta.
No sistema de saúde, seja ele público ou privado, a confiança pelos atores que nele atuam (incluso a população que financia, usa e depende, entregando sua vida e buscando reparar o dano a sua saúde) possui a crença que seus destinos podem ser melhores do que os abalos da própria doença e a certeza de um sistema útil a todos.
Mas não é o que se vislumbra na atualidade. O momento é agravado pela crise social, pela crise econômica, o desemprego, os efeitos devastadores das drogas ilícitas, que aterrorizam seus usuários e familiares, além das drogas licitas – fumo e álcool. Tudo está a gravitar sobre o adoecimento assombroso das famílias, base da sociedade, que anseia por novos rumos e solução.
Doenças infectantes, contagiosas, localizadas e sistêmicas, em descontrole e que estão a contagiar as células da sociedade, abatidos pela AIDS, a tuberculose, a sífilis, as doenças cardiovasculares e cerebrais, adicionadas pelas vitimas do trânsito e do câncer, fragilizam essas comunidades. Está aí o abalo na confiança em um sistema que deve ser repensado e reconstruído, sem se esquecer do primordial papel de seus atores principais – os usuários do sistema e seus trabalhadores.
Ulrich Beck, em sua monumental obra SOCIEDADE DE RISCO – RUMO A UMA OUTRA MODERNIDADE -, leciona que com o advento da modernidade, mudanças radicais estão sendo operadas na política, na economia e no comportamento, na medida em que a produção social de riquezas se faz acompanhar, cada vez mais, de uma produção social de riscos, incluso risco à saúde e seus danos.
Não se duvide que as tentativas de reformas no sistema de saúde reforçam a situação anterior de piora nos seus indicadores e que não conseguem produzir e entregar os benefícios esperados aos seus usuários, gerando crise com retroalimentação para a piora da crise Medidas desamparadas no entendimento da complexidade que rege o setor de saúde público e privado, que deveriam interagir em sinergias produtoras de resultados positivos, entram em pane, degringolando no parasitismos depreciador e aviltante do sistema.
É necessário buscar, analisar e entender conceitos amplos de uma sociedade em transformação, sem deixar de considerar as reflexões de Michael Porter e Elisabeth Teisberg, pesquisadores e professores da Escola de Negócios de Harvard, que inseriram situações possíveis e muito fácil de serem conseguidas, nas ideias defendidas por eles, no livro Redefining Health Care: Creating Value-Based Competition on Results, ou Repensando a Saúde, como foi publicado no Brasil em 2007.
Na atualidade, tanto na saúde pública quanto na saúde privada, o risco à exposição nos serviços de saúde e o valor criado ao usuário estão a agravar a crise de confiança no setor. Histórias trágicas ocupam as pautas das conversas, com experiências funestas e depreciativas. Já não se trata mais de apenas se conseguir acesso ao sistema, ser atendido, pois tal atendimento deveria gerar um benefício para sua saúde. Pacientes com câncer, entre tantas outras, recebem alta sem o adequado tratamento iniciado, sob o argumento de que há casos mais graves na “fila”, recebendo “alta”, sem a devida assistência possível.
A crise de confiança está aferida na qualidade do tratamento dispensado, seus reais benefícios alcançados, as complicações ocorridas e os problemas decorrentes de cada atendimento já não são mais o ponto de chegada a quem adentra ao sistema de qualidade. Trata-se da constatação ao cabal retrocesso sentido na pele, onde informações específicas do setor, sequer são mensuradas ou se mensuradas, mal interpretadas e aplicadas.
Não se trata de criticar dados publicados e contabilizados. Trata-se de analisar e mensurar, com implementação das necessárias prevenções e correções, minimizando-se os impactos negativos, racionalizando-se em ações tempestivas. A discussão em propostas valorativas e em modelos que se aperfeiçoem e se prestem a execução e operacionalização, buscando agregar valor ao sistema e que resulte em grau de confiança deve ser um pilar sustentável.
Indagações singelas tornam-se tormentos, com sobressaltos indesejáveis. Qual a taxa de sucesso de um determinado prestador, público ou privado, no tratamento de infarto agudo do miocárdio? Quais medidas estão sendo empregadas na prevenção e no tratamento eficaz do câncer? Quais as sequelas de quem se submetem ao sistema de saúde e seus reais impactos no sistema de previdência?
A confiança perdida em pouco tempo, agravada com a sensação e constatação de processos corrompidos, deve ser reconstruída com medidas ágeis, que atinjam todos os níveis da engrenagem, interagindo usuários, trabalhadores, fornecedores, gestores, financiadores, em sintonia fina. Gestão fundada na meritocracia um passo para combate a ineficiência, agravada no atual estado de desconfiança.
Em belo artigo científico produzido na Escola de Administração da Universidade Federal do Rio Grande do Sul – EA/UFRGS, a decisão de confiar ou não em alguém é influenciada por um componente constituído pelo julgamento racional do indivíduo, com base no que ele julga “boas razões”.
Modelos vigentes e novos sistemas de gestão em saúde já não são suficientes. Necessária criteriosa análise do seu real impacto e de seus possíveis resultados vindouros, sem fragilizar outros processos bem sucedidos, findando em perenizar a grave crise de confiança instalada saúde.
Confiança descreditada na saúde pública na saúde privada, ante a desagregação e crise na gestão da saúde pública e privada, onde a agência reguladora ANS descola-se das políticas públicas de saúde, deixando de interagir como saúde complementar, privilegiando o lucro e golpeando o público.
Nem sempre existem alternativas de tratamento para uma pessoa doente, que não a confiança. É hora de se reconstruir a confiança no sistema de saúde, para minimizar as imensuráveis perdas e minimizar as sequelas.
Da Redação do Agenda Capital
Flávio Dias de Abreu, médico, advogado, Presidente da Blue System Assessment Gestão Empresarial. (Colunista do Agenda Capital)
Excelente observação. Confiança é o pilar que sustenta todo o restante.
Esta de parabéns o artigo, pois tem levar e a tratar a saúde de maneira mais séria neste país pois estes governantes colocaram a saúde de lado.
Precisamos repensar a saúde em nosso Brasil, pelo menos alguém já está começando.
Muito se estudou e trabalhou para aprimorar o sistema de saúde neste país, entretanto, desde que a gestão foi loteada entre partidos políticos e deixou de ser levada em conta a competência profissional não poderíamos esperar outro resultado.
Muito bem pensado e escrito. É a verdadeira saúde no Brasil.