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Ignorância mata mais do que coronavírus

Por Mariliz Pereira Jorge 

Nós, brasileiros, somos muito antenados com o que acontece no mundo e já queremos importar o que tem de mais novo lá fora. E isso vale para os problemas também. Basta aparecer um novo para que a gente já esqueça os antigos, ainda que sejam muito piores.

Todo mundo preocupado com o coronavírus. Máscaras e álcool gel desapareceram das prateleiras, teve escola que suspendeu aula, viagens foram canceladas, namoros entraram em banho-maria e, se depender da histeria coletiva, vai acabar água e papel higiênico e ninguém mais sai de casa. É o vírus da moda.

Nos grupos WhatsApp, nas salas de manicure e nas mesas de bar, enquanto alguém ainda sai de casa, só se fala nisso. Ter medo do coronavírus é mole, quero ver ter medo de Aids, sífilis, dengue, chikungunya, sarampo e catapora.

Mas muitos não têm medo do mosquito da dengue. Aids, então, é coisa do século passado. Quem se preocupa com essas coisas quando tem um vírus muito mais moderno, feito na China e que, com a globalização, páh, já chegou aqui?

Não que eu não esteja preocupada com o coronavírus. Bem, na verdade, não estou. Pelo menos, por enquanto. Tudo o que eu tenho lido sobre a doença, números de infectados, mortalidade, grupos de risco e tal, me fizeram pensar, Ok, preciso tomar alguns cuidados, mas, vida que segue.

Há outras coisas mais perigosas e que matam mais do que coronavírus. Ignorância, por exemplo.

Preocupa mais que 76 cadetes da academia da Força Aérea, no interior de São Paulo, estejam com sarampo. Sarampo. Depois de duas décadas sem circular pelo estado e considerado erradicado no país desde 2016, a doença voltou a dar as caras.

Em 2019, foram 17 mil casos. Repito, 17 mil casos, 14 mortes. Estamos no começo de março e uma pessoa já morreu de sarampo, neste ano. Pessoal lambeu o chão no Carnaval, perdeu o rumo de casa (credo, que delícia), agora desfila de máscara nas ruas, mas vacinar os filhos que é bom, nada.

Claro que devemos seguir as orientações das autoridades de saúde para que o coronavírus não se espalhe ainda mais. Mas há outras urgências que deveriam, de fato, nos deixar em pânico.

Na contramão do mundo, o Brasil teve aumento de 21% de novos casos de Aids, em oito anos. No mesmo período, a sífilis registrou alta de mais de 4.000%.

Todo mundo pronto para tirar onda de máscara e brincar de asiático, providência que, se mal-usada, não serve para nada. Mas usar a birosca de uma camisinha um monte de gente não parece disposta.

Desgraça muita no Brasil é pouca. Os números escandalosos dos surtos e epidemias que enfrentamos não parece assustar muita gente, precisamos de uma desgraça mais amena, que não ofereça, pelo menos ainda, grandes riscos para bancar os conscientes, engajados e preocupados.

Isso tudo sem falar na questão econômica entre as duas maiores potências do mundo, China e Estados Unidos. Por enquanto os EUA estão levando a melhor.

O Carnaval já acabou, mas a gente insiste em fantasiar que os maiores problemas que temos são outros.

Com informações da Folha

(As opiniões de colunistas, não refletem necessariamente a linha editorial do Agenda Capital)

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