Fábio Gondim, Consultor do Senado Federal e ex-secretário de Estado

Por Fábio Gondim* e Otávio Gondim*

A Lei Orçamentária para 2019 deve ser aprovada hoje, 18/12/2018, com autorização de déficit primário de R$ 139 bi e, pela primeira vez, com o descumprimento da Regra de Ouro das Finanças Públicas: as despesas de capital fixadas ultrapassam as operações de crédito em R$ 248,9 bi. Reforçando a crise fiscal, analistas independentes apresentam números trágicos. Diante das projeções, o governo está pressionado para aprovar reformas urgentes. Na verdade, o cenário econômico-fiscal brasileiro inspira cuidados, mas a situação não é tão ruim assim, e há soluções que podem ser adotadas.

A meta de déficit primário para 2018 foi fixada, originalmente, em R$ 129 bi. Em setembro de 2017, a meta foi revista para R$ 159 bi. Só a revisão já dá a impressão para o mercado de que o Governo, poucos meses depois da aprovação da meta, temeu que não a alcançaria no ano seguinte. O Instituto Fiscal Independente (IFI), em agosto deste ano, divulgou estudo em que afirma que o déficit primário em 2018 deverá ser de R$ 156,7 bi, e, “na melhor das hipóteses”, só pode ser zerado em 2022. O relatório Prisma de novembro, por sua vez, aponta para um déficit de R$ 131 bi. Esses números, todavia, não correspondem ao observado em relatórios oficiais e podemos esperar resultado muito melhor em 2018.

De fato, o déficit primário do Governo Central apurado até outubro foi de R$ 66,3 bi. Para chegar nos valores apontados pelas fontes citadas, seria necessário que o déficit no último bimestre do ano fosse de R$ 90,4 bi, no primeiro caso, e de R$ 66,7 bi, no segundo. Isso é improvável, pois não há sazonalidade bastante nas receitas ou nas despesas obrigatórias que apontem para um resultado negativo tão expressivo entre novembro e dezembro. Desse modo, mostra-se absolutamente factível a contenção do déficit primário em não mais de R$ 90 bilhões em 2018, ressalvado, obviamente, o desejo expresso do governo em utilizar maior parcela da margem autorizada em lei.

Quanto à assertiva de que o déficit só seria revertido em 2022, o caminho natural do resultado fiscal é de superávit em médio prazo, pela tão só razão de que as despesas estão limitadas à PEC do Teto, que permite apenas a correção dos seus valores pela inflação. Logo, mesmo que o crescimento real da economia permaneça baixo, o crescimento vegetativo das receitas eventualmente cobrirá as despesas primárias. Em 2018, as receitas primárias líquidas cresceram 6% acima da inflação até outubro, o que demonstra o vigor desse ajuste.

Ademais, em relação especificamente ao resultado primário de 2019, o resultado poderá ser superavitário, tudo o mais constante. Tramita, no Senado Federal, projeto de lei que vai permitir a realização de leilão do petróleo excedente sobre a cessão onerosa do Pré-sal, com perspectiva de ingresso de cerca de R$ 100 bilhões em receitas primárias para a União. Como o resultado autorizado é de R$ 139 de déficit, o Estado já pode reverter o quadro fiscal no ano vindouro, sem maiores sacrifícios nas políticas públicas consagradas.

Restaria a questão, para 2019, do descumprimento da Regra de Ouro. De fato, o PLOA 2019, ora em tramitação no Congresso Nacional, prevê a necessidade inédita de, no exercício de vigência, serem aprovados créditos específicos pela maioria absoluta dos membros do Congresso, no montante de R$ 248,9 bilhões, para fazer frente a despesas correntes obrigatórias. Há, contudo, solução para o problema.

De saída, tem-se que os R$ 100 bilhões da Participação Especial no leilão do petróleo excedente da cessão onerosa do Pré-sal, que reduzem também a necessidade dessas operações de crédito. Além disso, em setembro último o Banco Central depositou R$ 169,3 bi na Conta Única do Tesouro Nacional, relativos ao resultado do primeiro semestre, em valores atualizados. Trata-se de receita financeira, que, portanto, não melhora o resultado primário, mas compõe-se do montante bastante para o cumprimento da Regra de Ouro, pois significativa parte desse valor não será utilizada em 2018.

Qualquer que seja a via eleita, com fundamento nas exceções ao princípio da exclusividade, a Lei Orçamentária pode autorizar a abertura de créditos suplementares. E há racionalidade em fazê-lo para estear o pagamento de despesas obrigatórias (como as de caráter previdenciário e assistencial destacadas com fonte 944 – emissão condicionada de títulos), caso ocorra a obtenção de resultado financeiro no Balanço Patrimonial do exercício anterior (no caso, BACEN) ou excesso de arrecadação (Participação Especial), ambas as fontes legítimas para a abertura de crédito suplementar, com estribo no art. 43, § 1º, I e II, da Lei nº 4.320, de 1964.

Não obstante, a escolha foi angularmente oposta. Não só o Poder Executivo não requestou autorização para abertura de crédito com esse intuito, como, por proposta sua, o vedou ao art. 4º, § 13, do PLN 27, de 2018. Conquanto as despesas assinaladas com financiamento pela fonte 944 sejam todas obrigatórias, e parcialmente amparadas por fontes não condicionadas, o Governo optou por afastar a prerrogativa de abrir créditos suplementares utilizando-se das aludidas fontes não onerosas.

Que isso não desvie o foco das reformas necessárias. Que não se perca de perspectiva que a Regra de Ouro somente será obtida com o uso de receitas financeiras, fora do controle do Tesouro Nacional, o que, aliás, já ocorre desde 2015, ora com a absorção dos resultados do BACEN, ora com a amortização de empréstimos do Tesouro para o BNDES. Que também não se tenha fora de alcance que o resultado primário deficitário será revertido com o sacrifício de investimentos, a menos que o Governo passe a promovê-los por intermédio das empresas estatais não dependentes, posto que o aumento da participação da União no capital delas não incide no teto da PEC do Novo Regime Fiscal.

Conforme se pretendeu demonstrar, a situação fiscal da União é de fato sensível e demanda seriedade na sua condução. No entanto, não corresponde nem de longe ao grasnar de corvos prenunciando uma hecatombe. Com escolhas contundentes, até mesmo na tramitação do PLN 27, de 2018, pendente de apreciação pelo Plenário do Congresso Nacional, é possível criar instrumentos para carrilar as finanças públicas rumo à sustentabilidade fiscal.

Nesse sentido, o primeiro ato seria compor com o Relator-Geral do PLOA 2019 para que este apresente emenda supressiva de texto ao § 13 do art. 4º. Se preferir, aperfeiçoá-lo de forma a não constranger o próximo mandatário na abertura dos créditos suplementares por ato próprio, considerando o excesso de arrecadação e o superávit financeiro, para, a um só tempo, sinalizar para a convergência entre receitas e despesas primárias e honrar com despesas obrigatórias sem descumprir a Regra de Ouro.

*Fábio Gondim – Consultor de Orçamentos do Senado Federal, ex-Consultor-Geral de Planejamento, Orçamento, Fiscalização e Controle do Senado Federal e Ex-Secretário de Estado.

Otávio Gondim – Consultor do Senado Federal

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