Indicada para defender a agenda política do presidente Jair Bolsonaro no comando da comissão mais importante da Câmara, deputada Bia Kicis (PSL-DF) enfrenta resistências devido à resistência a medidas de combate à pandemia
Por Redação*
A presidência da Comissão de Constituição, Cidadania e Justiça (CCJ) da Câmara está prometida para a deputada bolsonarista Bia Kicis (PSL-DF). A indicação dela faz parte do acordo político que possibilitou a eleição do novo presidente da Casa, Arthur Lira (PP-AL). A deputada é integrante do maior partido do bloco de apoio a Lira, e o nome dela tem o respaldo do Palácio do Planalto. Uma vez no cargo, acredita-se que Kicis poderá se tornar o braço do presidente da República no mais importante dos colegiados da Câmara. Com a aliada, Jair Bolsonaro poderia, por exemplo, barrar um pedido de impeachment, ou dar vazão à pauta conservadora que o ajudou a se eleger em 2018.
Tão logo veio a público, porém, a indicação de Bia Kicis, despertou reações contrárias. Devido à postura, muitas vezes, extremada da parlamentar, a indicação gerou controvérsia e outros pretendentes se lançaram ao cargo, apostando em uma eleição com candidatos avulsos. No momento, Kicis manobra para se mostrar viável e tenta convencer colegas de que, no exercício da presidência da CCJ, será moderada, e não a mesma deputada suspeita de dar suporte a atos antidemocráticos — ela é uma das investigadas no inquérito das fake news, que apura ataques e ofensas a ministros do Supremo Tribunal Federal — e contrária às medidas científicas de combate à pandemia, como lockdown em casos graves, e o uso de máscara para reduzir as chances de contaminação.
A lista de argumentos contra Kicis é longa e prejudica os sonhos do presidente da República de colocar sua principal defensora no Congresso na presidência da CCJ. Para mudar a imagem que construiu, a parlamentar tem evitado dar entrevistas e, agora, visita gabinetes de líderes partidários em busca de apoio. Em troca, ela apresenta o compromisso de fazer jus ao cargo da mais importante comissão da Câmara. Segundo interlocutores, apesar das polêmicas, o acordo do PSL com Lira está mantido, e a deputada pretende conversar, inclusive, com a oposição para contrapor o lado inflamado que apresenta nas redes sociais. “É a linha que ela pretende seguir, jurista, do diálogo, de alguém que foi procuradora do DF por 24 anos”, disse uma pessoa próxima à deputada.
Diante do silêncio momentâneo de Bia Kicis, os protestos contra a indicação dela parecem ter perdido força. Por outro lado, a diretoria da Associação dos Procuradores do Distrito Federal (APDF) soltou uma nota em apoio à parlamentar. “A APDF está certa de que a indicada possui todos os atributos necessários para o exercício de tão elevado cargo e que seu virtuoso histórico de atuação como advogada pública, sua inteligência, idoneidade, liderança, cordialidade e incansável dedicação à coisa pública, lhe credenciam a contribuir de forma relevante com os trabalhos a serem realizados no âmbito da CCJ da Câmara Federal no próximo biênio”, diz a nota.
A Confederação Nacional dos Transportadores Autônomos (CNTA) também saiu em defesa da parlamentar, e disse ver “a necessidade de alinhamento do próximo presidente da CCJ da Câmara dos Deputados com o governo federal, para a efetivação eficaz dos projetos que tramitarão naquela casa”.
Consequências
Para o analista político do portal Inteligência Política Melillo Dinis, no entanto, a peregrinação de Bia Kicis entre lideranças na Câmara pode não surtir efeito. Ele acredita que a situação da deputada, como candidata, é delicada e que o acordo com Lira não é tão firme quanto possa parecer. “A Bia precisa aprender que as consequências vêm depois”, avalia. Melillo destaca que o projeto de Lira não é construir uma pauta ideológica, ou a serviço de Bolsonaro, mas uma que atenda às necessidades que levaram o Centrão à presidência da Câmara e do Senado. Como uma parlamentar de confronto e com postura de apoio irrestrito à Bolsonaro, Bia Kicis estaria se afastando de Lira.
“O Centrão cobra mais caro, e a Beatriz tem uma pauta ideológica, a partir dos interesses do governo. Ela é o braço de apoiadores de Jair Bolsonaro na gestão da Câmara, muito mais que Lira ou (Rodrigo) Pacheco (DEM-MG, presidente do Senado). O papel dela é de tentar estabelecer uma lógica a partir do próprio presidente da República no modelo da Câmara. Ela passa por um abandono. Ela desinteressa ao atual presidente da Câmara e, por mais que ela jure que é normal, ninguém a considera dessa forma, por exclusiva responsabilidade dela. Hoje, ninguém avalia que ela seja moderada, ou de composição. Pode ser que ela tenha se convertido, mas ninguém acredita nisso”, pondera Melillo.
Colega de bancada de Bia Kicis, a deputada Carla Zambelli (SP), defende a indicação da parlamentar brasiliense ao cargo. Zambelli lembra que Kicis já ocupou uma cadeira da CCJ como 1ª vice-presidente e que enfrentou temas espinhosos. “A Bia é uma mulher com experiência de mais de 20 anos na Procuradoria do DF. É uma pessoa de facílimo trato e que já teve um trabalho na CCJ em 2019. Encarou temas ásperos, como o voto auditável, com diálogo, conversando com muitas pessoas. Ali, mostrou uma experiência bastante positiva. O trabalho dela na CCJ mostra que é de fácil trato e vai exercer o papel com parcimônia e diálogo, atendendo a cada deputado conforme sua necessidade. Inclusive os da oposição”, garante.
À esquerda e à direita, apelo pela ponderação
Deputados de esquerda e de direita ouvidos pelo Correio defenderam o direito do PSL de fazer a indicação à presidência da CCJ. Em ambos os lados, porém, há a preocupação de que o ocupante ou a ocupante da cadeira tenha postura ponderada e de defesa da Constituição e da República. O líder do PT, Enio Verri (PR), acredita que a pesselista terá dificuldades de conseguir votos. “O PSL é o maior partido e tem o direito de indicar o ocupante da presidência da CCJ. Entretanto, haverá uma votação. E ela vai ter dificuldades. Na CCJ, você espera alguém ponderado, que defenda a Constituição, e a posição dela é outra. Ela terá dificuldade. Não é por ser de esquerda ou de direita. É a postura dela de ultradireita”, aponta Verri.
O deputado Bacelar (Podemos-BA), que lançou uma candidatura de protesto à CCJ, afirma que, se Bia Kicis conseguisse provar que mudou, ele a apoiaria. Ainda assim, demonstra ceticismo. “Eu não vivi na época da Inquisição e não sei como os novos cristãos se comportavam. Não tenho proximidade com a deputada Bia Kicis. Conheço as teses que ela defende, as plataformas, e as bandeiras que ela abraça. É preciso saber que compromissos públicos ela assume. Vai se apegar à pauta de costumes, ou vai tratar dos grandes problemas do Brasil, como reforma tributária, auxílio emergencial ou vacina? Ou vai ficar batalhando contra aborto, contra escola pública democrática, essa pauta de costumes retrógrada e obscura?”, questiona.
Bacelar destaca que a comissão deveria ser ocupada por um parlamentar de perfil moderado. “A CCJ é a comissão mais antiga e mais importante, pela qual todas as matérias, de qualquer abordagem ou tema, têm que passar para que o colegiado se pronuncie sobre a constitucionalidade e juridicidade das propostas. É uma comissão guardiã da Constituição. Dá parecer desde a estrutura do Estado, passando pelo sistema eleitoral, partidário, até cidadania, casamento entre pessoas do mesmo sexo, questões raciais, étnicas e indígenas. Exige equilíbrio. Não pode ser presidida por nenhum dos extremos (direita ou esquerda)”, destaca.
Alternativa
O próprio Bacelar lembra, no entanto, que para ocupar o cargo, é preciso respeitar a proporcionalidade. Por esse critério, o Podemos ficaria de fora, por exemplo, enquanto o PSL se encontra no lugar e na hora certas. Outro nome cotado é o de Lafayette de Andrada (Republicanos-MG). Parlamentares o veem como uma escolha apaziguadora. A CCJ permaneceria com o bloco de Lira, presidida por um deputado conservador, mas com um histórico mais moderado que o de Bia Kicis. O mineiro, no entanto, não assumiu a candidatura e diz que está ouvindo colegas.
Ao Correio, Andrada disse que só se manifestará sobre o assunto depois do carnaval. “Há uma pressão de vários deputados e partidos querendo que eu me candidate. Estou ouvindo e conversando. Vai ficar para depois do carnaval. Estou ouvindo mineiramente”, diz. Fernanda Melchionna, do Psol do Rio Grande do Sul, também vai se lançar. Segundo ela, Bia Kicis não procurou o partido para discutir a indicação à CCJ. E se fizesse, estaria perdendo tempo. A parlamentar gaúcha sabe que, pelo critério de proporcionalidade, dificilmente um candidato do PSol ficaria com a vaga.
“Há um mal-estar em vários parlamentares (com a indicação e Kicis) , mas isso tem que resultar em um movimento para que ela não comande (a CCJ). Não é possível que seja um mal-estar silencioso. Se ela comandar a CCJ, vai ter que mudar o nome da comissão. Vou me lançar por ora. Mas tem o debate regimental. O lançamento da candidatura é no sentido de fazer o contraponto, mais político do que jurídico. Mas vejo com bons olhos que outros candidatos se lancem. Espero que esse movimento provoque uma pressão, também, externa”, afirma. (LC).
*Com informações do Correio