No aniversário de 50 anos do telefone celular, o engenheiro Martin Cooper discutiu o futuro do aparelho, falou de ChatGPT e refletiu sobre o mau uso da tecnologia

Por Bruno Romani

Atualmente, 67% da população global usa telefones celulares – segundo a GSMA, associação que representa a indústria de telefonia móvel, são 5,3 bilhões de usuários de telefones celulares no mundo. Há 50 anos, porém, esse número era zero.

A revolução na comunicação global teve início no dia 3 de abril de 1973, quando o americano Martin Cooper, engenheiro da Motorola, fez a primeira ligação de um telefone celular da história na Sexta Avenida, em Nova York. O aparelho era um protótipo do DynaTAC, que só foi comercializado em 1983.

Aos 94 anos, Cooper se mantém disposto e curioso. Ele conversou por videochamada com o Estadão e afirmou que os smartphones ainda são muito limitados. Para ele, a inteligência artificial (IA) pode colocar o celular em outro patamar – é claro, ele também já se aventurou pelo mundo do ChatGPT.

Na conversa, o engenheiro também relembrou alguns momentos antes da primeira ligação, discutiu o futuro do celular, tratou de metaverso e celulares flexíveis e refletiu sobre como o aparelho se tornou uma uma arma de desestabilização de democracias no mundo. A única coisa que ele disse estar por fora? Dancinhas do TikTok.

Confira a conversa.

Qual foi o tamanho da dificuldade para criar o DynaTAC e fazer a primeira ligação?

Tivemos que fazer várias mudanças técnicas, como operar uma banda de frequência totalmente nova. Naquela época, era uma frequência muito alta e tivemos que criar um aparelho que pudesse falar e ouvir ao mesmo tempo. Isso nunca havia sido feito antes. E tivemos que melhorar a qualidade dos canais de rádio em um dispositivo portátil. Só a missão de torná-lo pequeno o suficiente para segurar na mão já foi um desafio. Conseguimos juntar toda essa tecnologia em três meses. Felizmente, em nosso departamento de pesquisa, divisão de semicondutores e grupo de antenas, tínhamos pessoas capacitadas para isso. O presidente da Motorola me autorizou a buscar qualquer ajuda necessária na empresa. Quando procurei o engenheiro responsável pelo programa, Dan Linder, ele disse: “Acho que não consigo fazer isso”. E eu disse: “Sei que você consegue”.

Qual foi a primeira coisa que o sr. disse naquela ligação?

Eu estava na Sexta Avenida em Nova York com um repórter, explicando o telefone para ele. E a razão pela qual eu estava na Sexta Avenida era que eu queria mostrar a liberdade de poder falar em um celular. Eu nem tinha pensado para quem eu ia ligar, mas tive uma inspiração e peguei minha agenda telefônica no bolso. Procurei o número do escritório de Joel Engel, que era meu concorrente e estava liderando o Programa do Sistema Bell (programa rival ao da Motorola na corrida pelo celular). Foi um milagre: ele atendeu na hora, não a secretária. Eu disse: ‘Joel, estou te ligando de um celular portátil’. Eu estava tentando me exibir e falei um pouco com ele. Até hoje, Joel não contesta que eu fiz aquela ligação, mas ele não se lembra o que eu falei.

Ao longo dos anos, o sr. disse que experimentou diferentes modelos e marcas de celular. Qual é o seu aparelho atualmente?

Eu não gosto de nenhum celular, pois acredito que eles precisam ser melhor desenvolvidos, mas, atualmente, uso o iPhone. Não gosto de me gabar, mas a única maneira de você se manter em forma é se exercitar muito. Então, eu nado e costumava correr. Quando eu nado, meu iPhone me diz quantas vezes fui e voltei na piscina, meu estilo de nado e também quantas calorias eu gastei. Essa informação é muito útil. Usei o mesmo iPhone por mais de um ano, o que, para mim, é um recorde. Sempre que os fabricantes lançarem um novo recurso, eles terão uma venda garantida para mim.

Qual modelo de iPhone o sr. tem?

O iPhone 14, claro.

Além de usá-lo para medir exercícios, o que mais o sr. faz no seu celular?

Eu leio meus e-mails no telefone, embora prefira usar o computador porque é muito mais fácil usar o teclado. Mas a coisa mais importante sobre o celular é a disponibilidade. Se houver uma emergência, alguém pode me ligar diretamente. Quando minha esposa precisa me dar ordens, o que ela faz o tempo todo, ela pode fazê-lo instantaneamente. Além disso, sempre que surge um debate no jantar, resolvo o problema indo à internet. Também uso para automação residencial. Posso ligar ou desligar as luzes da minha casa.

E o sr. usa o TikTok?

Não, eu não sei nem o que é TikTok. Eu sei que é uma rede social. De vez em quando, vou ao Twitter. Tenho uma conta no Facebook também, mas raramente uso. Estou ocupado demais fazendo outras coisas importantes.

Na sua época, os EUA lideravam o desenvolvimento da comunicação móvel. Mas, nas últimas décadas, essa posição foi transferida para a China. Como o sr. vê essa mudança de poder?

Mesmo antes do primeiro celular, os japoneses já estavam produzindo e implantando celulares. Acho ótimo ter competição entre países, e, sim: os chineses têm se saído muito bem na fabricação. A única coisa que espero é que os preços possam ser reduzidos para que todos possam ter um celular, pois ele vai revolucionar a educação. Não é possível obter uma educação completa sem ele. Acredito que, no futuro, os celulares serão fundamentais para cuidados de saúde. Estamos desenvolvendo sensores que medem tudo no corpo humano. E eles podem sentir quando você está começando a desenvolver uma doença. Com o celular, temos a oportunidade de eliminar a pobreza, mas ainda temos um caminho de acesso a percorrer.

No processo de transferência de poder, a Motorola se tornou uma empresa chinesa. Como o sr. vê isso?

É uma decepção, pois trabalhei na Motorola por 30 anos. Quando entrei na Motorola, o fundador me disse que seu lema era não temer o fracasso. Eu adotei isso como meu lema pessoal. Então, durante 30 anos, a Motorola me tolerou e me permitiu tentar coisas. Tive minhas falhas e sucessos também. Então, sou muito grato à Motorola pelo ambiente único que criaram. Sinto-me mal não tanto pelo fato de a Motorola ser uma empresa chinesa, mas pelo fato de que essa cultura que tínhamos na Motorola não existe mais no mundo.

Quando o sr. criou o celular, imaginava que ele se tornaria uma ferramenta para desestabilizar a democracia em todo o mundo?

Quando uma nova tecnologia surge, há pessoas que fazem mau uso dela. Não há como impedir isso. Muito antes de fazermos o primeiro celular, estávamos no negócio de rádio bidirecional. E até essas coisas eram usadas por criminosos. Se você cria uma ferramenta que aumenta a capacidade humana, é claro que os criminosos vão usá-la. A única coisa que posso dizer é que as vantagens do celular superam em muito esses outros problemas. Mais cedo ou mais tarde, acredito que a tecnologia será boa para a humanidade. A tecnologia prevalecerá.

O celular, como classe de dispositivos, atingiu seu teto? Há espaço para melhorias ou já estamos prontos para uma nova classe de aparelhos?

Quando você tenta criar um dispositivo que faz todas as coisas para todas as pessoas, ele não fará nada da forma ideal. Um telefone perfeito provavelmente deveria ser incorporado sob a pele, perto do seu ouvido, e teria um computador poderoso nele. Você nem saberia da existência dele. Não tenho dúvidas de que, em uma ou duas gerações, teremos sensores em nosso corpo, formando um sistema poderoso que medirá seu sangue, respiração e tudo mais. E saberemos até mesmo se as células cancerígenas estão se desenvolvendo. Você não faz isso com um pedaço de vidro e aço que precisa ser segurado em uma posição desconfortável. A conectividade é algo que está apenas começando.

As tentativas de novos designs de celular não lhe agradam?

Motorola e Samsung estão fabricando telefones dobráveis que abrem como um livro. Eu comprei um de cada, mas eles não são muito úteis. Enviei um deles para a minha neta, que está na faculdade, e ela adora.

Como a IA pode elevar o celular a um novo patamar?

A ideia de ir a uma loja de aplicativos e selecionar entre os 4 milhões de apps disponíveis é absurdo. Em algum momento, você precisará de uma IA que compreenda você. Mas, novamente, voltamos aos males das coisas novas. Ainda nem terminamos de aprender sobre o celular e já precisamos aprender sobre IA.

O sr. usa o ChatGPT?

Eu estou prestes a operar o joelho esquerdo. Fui ao hospital e ninguém, incluindo médicos e enfermeiros, dava instruções completas para a preparação da cirurgia. Então, eu fui ao ChatGPT e ele me deu as instruções apropriadas. Agora tenho um documento de seis páginas sobre como me preparar e o que esperar ao fazer uma substituição do joelho. Não sou médico. Então, há algumas vantagens reais. Estamos apenas começando a aprender sobre isso.

Mas ele também pode gerar informações falsas…

Bem, tenho que te contar isso. Não sei se você sabe sobre a “lei de Cooper”, sobre capacidade espectral. E perguntei ao ChatGPT sobre isso. Ele me disse: “Foi criada por Seymour Cooper, que morava na Geórgia em 2003″. Eu disse: “Não está correto. Eu sou o Cooper!”. Ele pediu desculpas e começou a me dar outra argumentação sobre alguém que criou algo. Então, você tem que ter muito cuidado. Ele tem todas as informações, mas não tem a capacidade de avaliar a qualidade do conteúdo.

Quais oportunidades a indústria do celular está perdendo no momento?

A indústria móvel tem muitas oportunidades, especialmente com a integração de IA. Uma das áreas em que a indústria pode estar perdendo é a personalização e adaptação do celular para atender às necessidades específicas de cada usuário. A IA tem o potencial de moldar e transformar a experiência do usuário, tornando o dispositivo mais pessoal e adaptável. Outra oportunidade pode ser a integração do celular com outros dispositivos e tecnologias vestíveis para melhorar a saúde e bem-estar dos usuários.

Realidade virtual e metaverso não lhe empolgam?

Nem o Mark Zuckerberg descobriu o que fazer com isso. Eu comprei um Oculus para o filho de um amigo. É divertido, mas a realidade virtual ainda não virou algo útil. Quando os primeiros celulares surgiram, os primeiros usuários eram pessoas do mercado imobiliário porque podiam dobrar sua produtividade. Não tem ninguém fazendo isso agora.

Para encerrar: qual é o evento mais importante da história do celular além da sua primeira ligação?

Acho que está muito claro, por mais que eu não goste muito de Steve Jobs. O que ele fez com o primeiro iPhone foi tornar a interface humana, de modo que as pessoas pudessem não apenas usar o telefone, mas integrar a internet, a câmera e o envio de mensagens. Exige uma habilidade específica em tornar a interface utilizável. Isso é o mais importante.

Siga o Agenda Capital no Instagram: https://www.instagram.com/agendacapitaloficial/

Com informações do Estadão 

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here