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Há 1.067 pessoas em tratamento; 81% estão em clínicas pagas pelo GDF. Rede tem máquinas ‘abandonadas’, déficit e profissionais.

Os altos gastos do governo do Distrito Federal com contratos de hemodiálise – R$ 20 milhões só em 2015 – não garantem tratamento adequado a quem depende do SUS. A demanda por terapia renal cresce 8% por ano, enquanto há máquinas “abandonadas” em hospitais públicos. Pacientes têm deixado de fazer sessões por falta de profissionais especializados e a situação pode se agravar: responsáveis por 81% do serviço, clínicas conveniadas ameaçam suspender as atividades por causa de uma dívida de R$ 2,5 milhões que se arrasta desde 2014.

A coordenadora de Nefrologia da Secretaria de Saúde do Distrito Federal, Karime Veiga (Foto: Raquel Morais/G1)A Secretaria de Saúde reconhece haver problemas e diz esbarrar em uma série de dificuldades, como crise nas finanças e restrições impostas pela Lei de Responsabilidade Fiscal para a contratação de novos servidores. Coordenadora de Nefrologia desde abril, Karime Veiga afirma que tenta reverter o quadro. Entre as primeiras metas está evitar atrasos nos repasses.

“A gente detectou que existia uma desorganização interna, nossa. Falta de pessoal demais, falta de administrativo para carimbar, para resolver. Para você ver, eu estou carimbando nota para a secretaria pagar fornecedores. Essa não é a minha função”, diz. “Grande parte dos atrasos [nos pagamentos] não foi culpa das clínicas, foi desorganização interna aqui dentro da secretaria. Às vezes estou com o processo aqui, mas não tenho quem leve para lá, não tenho quem fure, quem organize.”

Atualmente 1.067 pessoas fazem hemodiálise pelo SUS em Brasília. São 864 em oito clínicas particulares conveniadas e 204 no Hospital de Base e nos regionais de Taguatinga, Santa Maria, Gama, Asa Norte, Sobradinho e Ceilândia. Em média, a demanda cresce cinco pacientes por mês. Por falta de vagas, mesmo sem necessidade médica, 104 deles estão internados e parte até mesmo ocupando leitos de UTI para garantir tratamento.

“Os hospitais estão sobrecarregados com esses pacientes crônicos, que são aqueles que entraram em diálise e não vão sair mais, têm que fazer pelo resto da vida. A nossa intenção é que ele não fique no hospital público, porque senão ele vai ficar lá até o fim da vida dele. E como vou dar vaga a outro paciente que acabou de internar e está precisando de diálise? Como vou dar vaga para aquele que acabou de sair da UTI mas ainda está internado? Preciso que esses pacientes que já receberam alta, que estão vindo de casa, consigam ser transferidos para as clínicas privadas”, declarou Karime.

Para a Sociedade Brasileira de Nefrologia, medidas como promover a manutenção de aparelhos e ampliar o acesso aos médicos pode ajudar a minimizar o quadro. Além disso, a entidade defende posturas preventivas já para crianças, por meio de campanhas que incentivem a adoção de uma alimentação com menos sal e menos açúcar, por exemplo. As principais causas para a doença renal crônica são hipertensão e diabetes.

“Se você faz uma prevenção adequada na Atenção Primária, ou seja, lá no posto de saúde ainda, sobre tratamento etc., você consegue retardar o aparecimento da doença ou a progressão da mesma. A doença renal geralmente é indolor. Se você conversar com a população que está em diálise, 90% vão dizer que só conheceram o nefrologista quando entraram em diálise”, diz o presidente da sociedade, Marcelo Ledônio.

“As pessoas só lembram do nefrologista quando o rim está ruim. O doente muitas vezes chega ao centro de saúde e demora muito tempo para chegar ao nefrologista”, completa. De acordo com a Secretaria de Saúde, em média, o tempo de espera pela primeira consulta com especialista é de dois meses.

Presidente da Associação dos Renais de Brasília, Alessandro Lemos afirma haver um “terrorismo” na cabeça dos pacientes. “A gente tem recebido queixa das clínicas que ficam falando que vão fechar por falta de pagamento em dia. Chegou a ter falta até de material para a diálise. Eles fazem os acordos deles, depois não dá certo e descontam no paciente. ”

Hemodiálise.O representante diz também que quase metade dos pacientes são idosos, que acabam ainda mais vulneráveis diante da situação. “Querendo ou não, o paciente só vive por causa da máquina, por causa da hemodiálise. E ficam com esse terrorismo, então nosso paciente acha que vai morrer. Só pensa nisso. Infelizmente a rede pública terceirizou o atendimento. Quem toma conta é a terceirização. A gente não pode obrigar a empresa a prestar serviço para o governo. Mas, se não quer, devolve”.

Em hemodiálise há 24 anos e ex-presidente da Associação dos Renais de Brasília (Arebra), Carlos Alberto Rosa afirma que os pacientes estão inseguros. “A situação é crítica dentro do governo. A solução sempre foi passar para clínicas privadas. Por outro lado, os proprietários tomam decisões muito drásticas por não estarem recebido. Fecham as portas, não atendem. ”

Rosa, que tem 59 anos, foi aposentado por invalidez e conta se sentir aliviado por conseguir fazer o tratamento via plano de saúde. Ele teve insuficiência renal depois de desenvolver hipertensão. O homem mora em Vicente Pires e se trata em uma clínica de Taguatinga.

“Minha juventude passou sentada em uma máquina de hemodiálise. É uma das piores sensações que um ser humano pode sentir. O doente renal crônico é o que mais vive dependendo da rede hospitalar”, afirma. “O psicológico dos nossos renais está péssimo. Existe uma preocupação de que, além de fazer o tratamento, que já é desgastante, uma hora as clínicas fecharem e eles ficarem sem”.

‘Colapso’ nacional
Em audiência conjunta no Senado em 30 de setembro do ano passado, participantes das comissões de Direitos Humanos e Legislação (CDH) e Assuntos Sociais (CAS) afirmaram que o serviço de hemodiálise vive um “colapso” no Brasil. Entidades dizem que doentes crônicos estão morrendo por causa do subfinanciamento da terapia e da falta de medicamentos.

A Sociedade Brasileira de Nefrologia estima que 10 milhões de brasileiros sofram de algum tipo de disfunção renal e que 120 mil façam hemodiálise. Destes, 35% têm indicação de transplante, mas a fila de espera é considerada enorme e o número de doadores não aumenta significativamente.

Segundo a entidade, o número de pacientes cresceu 71% nos últimos dez anos, enquanto a quantidade de locais que oferecem o tratamento aumentou 15%. As consequências são superlotação nas poucas unidades e hemodiálises malfeitas, incluindo até mesmo redução no tempo de sessão. Isso, afirma a entidade, encarece ainda mais o tratamento, por causar complicações à saúde e poder levar à morte.

Dados da Associação Brasileira dos Centros de Diálise e Transplante apontam que, anualmente, 33 mil pacientes precisam entrar no sistema de diálise. Somadas as médias de mortes (19 mil) e transplantes (5 mil), há uma “abertura” de 24 mil vagas. Para atender à demanda, seria necessário criar 9 mil vagas por ano, mas o Brasil só consegue chegar a 2 mil.

Atualmente há 715 instituições que oferecem o serviço em todo o país.
“Nós estamos vivendo um verdadeiro apagão da terapia renal substitutiva no Brasil, o colapso da terapia. Por que está tendo este colapso? Porque existe uma evidente falta de vagas com prejuízo no acesso aos usuários e uma perda na qualidade de diálise naqueles pacientes que estão dialisando”, disse o representante da associação, Paulo Luconi, durante a audiência.

Presidente da Federação Nacional das Associações de Pacientes Renais e Transplantados do Brasil, Renato Padilha afirma ainda que não é incomum haver “abandono” dos transplantados. Segundo ele, muitas vezes o SUS deixa faltar medicamentos importantes para a sobrevivência dos novos rins.

Da Redação com informações do G1 DF

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