Supostos escritórios teriam sido instalados em Roterdã e Amsterdã para assediar cidadãos que saíram da China; Canadá tem investigação semelhante

Por Isabella Kwai e Emma Bubola

A Holanda investiga as denúncias de que agências policiais chinesas passaram a operar no país sem o conhecimento e a aprovação holandesa para policiar cidadãos chineses no exterior, anunciou o governo nesta quarta-feira, 26.

A Embaixada da China na Holanda afirmou que “não está ciente” e “não está envolvida” com os supostos escritórios. “As autoridades judiciais e policiais da China cumprem estritamente as regras internacionais e respeitam totalmente a soberania judicial de outros países”, afirmou em comunicado.

Os anúncios da investigação e da embaixada chinesa ocorreram depois que a emissora holandesa RTL Nieuws e o jornal investigativo Follow the Money publicaram uma reportagem nesta terça-feira, 25, sobre dois escritórios chineses instalados em Amsterdã e Roterdã, que estão além da embaixada e dos consulados.

O governo holandês não confirmou até o momento a existência desses escritórios, mas disse nunca ter sido informado sobre eles, o que os tornaria ilegais, segundo Maxime Hovenkamp, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores holandês. “É muito preocupante para nós”, disse ela.

O relatório se soma a um crescente corpo de evidências de que o governo chinês está montando operações no exterior para intimidar e vigiar cidadãos chineses. As autoridades canadenses disseram na quarta-feira que estão investigando operações chinesas semelhantes no Canadá, acrescentando em comunicado que as ameaças à segurança das pessoas que vivem no país são “muito sérias”.

“Isso é realmente parte de uma campanha transnacional crescente para instilar o mesmo regime de terror político na China em todo o mundo”, disse Laura Harth, diretora de campanha da Safeguard Defenders, um grupo de direitos humanos cujo próprio relatório no mês passado nas estações na Holanda estimulou a investigação da mídia holandesa. As agências policiais chinesas estabeleceram dezenas de escritórios em todo o mundo, incluindo Nova York, Paris, Londres, Madri e Toronto, diz o grupo.

Essas “estações de serviço” chinesas têm o duplo objetivo de ajudar a diáspora chinesa no exterior com tarefas administrativas, como renovação de passaporte e depósitos bancários, e “reprimir resolutamente todos os tipos de atividades ilegais e criminosas relacionadas ao povo chinês no exterior”, de acordo com uma declaração da comissão central de assuntos políticos e jurídicos do governo de Pequim, que supervisiona a polícia.

Mas de acordo com a Convenção de Viena, um pacto internacional que a China e a Holanda assinaram, os assuntos administrativos devem ser tratados pelos consulados.

De acordo com Safeguard Defenders e as reportagens holandesas, as estações na Holanda são supervisionadas pela polícia nas cidades de Fuzhou e Lishui, no leste da China, de onde são muitos membros da diáspora chinesa. As notícias dizem que a operação em Amsterdã existe desde 2018, e a de Roterdã inclui um ex-membro das forças armadas chinesas.

O grupo descreveu uma repressão mais ampla das autoridades chinesas para combater o que chamaram de fraude das telecomunicações e da internet, pressionando os cidadãos chineses no exterior a voltar para casa para serem processados. A mídia estatal chinesa informou que, de abril de 2021 a julho deste ano, 230 mil cidadãos foram persuadidos a retornar para enfrentar processos criminais.

Grupos de direitos humanos disseram que “persuasão para retornar” envolve abordar diretamente as pessoas ou suas famílias na China e que os supostos crimes podem incluir dissidência política. “É uma escalada tão descarada e uma violação da soberania territorial”, disse Garth. “Esperamos que as nações democráticas trabalhem juntas para coordenar essas ações.”

Legisladores de vários países, incluindo Estados Unidos, Canadá, Reino Unido e Austrália, expressaram preocupação de que o governo chinês esteja pressionando cidadãos chineses no exterior, incluindo dissidentes políticos que buscaram asilo nesses países.

Pelo menos um dissidente chinês declarado, de acordo com as reportagens holandesas, deu conta de se sentir ameaçado por agentes chineses que alegam ser dos escritórios no exterior. O dissidente político Wang Jingyu, que fugiu para a Holanda depois de criticar abertamente o governo chinês online, disse que recebeu ameaças de morte por apoiar a democracia em Hong Kong.

Em uma ocasião no início deste ano, Wang disse que recebeu uma ligação de um oficial que dizia ser do escritório chinês no exterior em Roterdã, dizendo que ele deveria retornar à China e pensar em seus pais em casa.

Wang disse que denunciou à polícia holandesa local as ameaças que recebeu, mas ainda se sente inseguro. “Tenho medo do governo chinês”, disse ele à RTL, acrescentando que temia que o governo enviasse agentes para matá-lo. “Eu não sei no futuro o que eles vão fazer.”

Com Estadão 

DEIXE UMA RESPOSTA

Please enter your comment!
Please enter your name here