Pastor, bíblia e o púlpito. Foto: Reprodução.

Para o ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República, Pr. Ronaldo Fonseca, “usar culto e púlpitos de igrejas ou reuniões religiosas para discurso político, está fora das ‘quatro linhas’ da Bíblia”, afirmou.

Por Delmo Menezes*

Muito se fala nas manifestações de 7 de setembro principalmente em Brasília e São Paulo, onde a participação dos evangélicos ganha um destaque especial levando em conta que foi este segmento o principal responsável pela vitória de Jair Bolsonaro a Presidência da República.

O que muita gente não sabe é que algumas lideranças evangélicas falam como se fossem representantes com “procuração” para falar em nome do segmento. Entre elas destaco o Pr. Silas Malafaia, que é sem dúvida uma grande liderança no país, porém, não representa o segmento como um todo. Talvez na sua denominação cristã, Assembleia de Deus Vitória em Cristo, tenha autorização para falar em nome da igreja.

Alguns pastores como Samuel Munguba Júnior, líder da igreja Seven Church em Fortaleza, conclama para as pessoas irem às ruas na próxima terça-feira (07/09) para lutar a favor do país, da família e dos princípios de Deus. Discursos semelhantes têm sido adotados por outros líderes evangélicos nas redes sociais para convocar os fiéis para a manifestação pró-Bolsonaro

“Dia Sete de Setembro só devem ficar em casa as pessoas que estão enfermas, que têm comorbidades sérias ou aqueles que querem ser escravizados vivendo sem liberdade”, afirma o pastor Samuel Munguba Júnior em um vídeo compartilhado em suas redes sociais no início desta semana.

O pastor Silas Malafaia no dia 23 de agosto, compartilhou um vídeo no qual convoca líderes evangélicos para o ato na Avenida Paulista.

Pr. Silas Malafaia, presidente da Assmbleia de Deus Vitória em Cristo.

“Eu estou capitaneando, sim. Estou na frente disso, chamando tudo que é líder. E nunca, na história desse país, os evangélicos se mobilizaram para um ato como esse”, diz Malafaia à BBC News Brasil. Segundo ele, evangélicos de todo o país estão se organizando para participar de manifestações em suas cidades.

De acordo com pesquisa recente do Datafolha, os evangélicos compõem cerca de 30% da população brasileira, o que representa cerca de 65 milhões de evangélicos no país. Uma pesquisa Datafolha de maio deste ano apontou que 24% da população em geral considera o governo ótimo ou bom. Já apenas entre a população evangélica, esse número corresponde a 33%.

“Existe um desembarque das forças em torno do bolsonarismo. Cada vez mais, o Bolsonaro está restrito ao que chamamos de bolsonarismo raiz, grupo do qual os evangélicos fazem parte”, aponta Vinícius do Valle, doutor em ciência política pela Universidade de São Paulo (USP).

“Mas os evangélicos representam um grupo muito heterogêneo no Brasil. Nas eleições de 2018, o Bolsonaro conseguiu certa hegemonia entre os evangélicos e manteve isso por muito tempo, mas hoje está em crise. Hoje a gente não vê a quantidade de pastores defendendo o Bolsonaro como antes da pandemia”, acrescenta Valle, que há uma década estuda a relação entre política e as igrejas evangélicas.

No meio das grandes lideranças evangélicas do Brasil, há pastores que se manifestam contra a presença de fiéis na manifestação de Sete de Setembro.

Ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidêncai da República e coordenador político da Convenção-Geral das Assembleias de Deus do Brasil, Pr. Ronaldo Fonseca. Foto: reprodução

De acordo com o pastor Ronaldo Fonseca, coordenador-político da Convenção Geral das Assembleias de Deus do Brasil – CGADB e ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência da República do governo Temer, “Jesus é o maior exemplo que o DIÁLOGO vence o RADICALISMO. Suas atitudes foram de paz até na cruz. Enfrentou os fariseus e hipócritas sem deixar de amar”. Segundo Fonseca, “usar culto e púlpitos de igrejas ou reuniões religiosas para discurso político, está fora das ‘quatro linhas’ da Bíblia. Isso valia pra mim enquanto candidato e vale para todos que queiram orar com os cristãos”, pontuou o ex-deputado.

Para o pastor Rodrigo Coelho, do Rio de Janeiro, “todo esse movimento tem por finalidade ameaçar as instituições do nosso país. Essas pessoas defendem o fechamento do STF (Supremo Tribunal Federal), essas pessoas defendem o fechamento do Congresso Nacional. Logo, essas pessoas agem contra a democracia, contra o estado democrático de direito”, declara o pastor em um vídeo compartilhado nas redes sociais.

‘Em todo o Brasil vai ter evangélico na rua’

Os líderes religiosos estão organizando, segundo o pastor Malafaia, meios de transporte para os fiéis, bandeira e faixas para participarem de atos em São Paulo, Brasília ou em outras cidades pelo país.

“Isso vai ser em todo o Brasil. Em todo o Brasil vai ter evangélico na rua. Não é só em São Paulo e no Rio de Janeiro. Vai ter caravana de tudo quanto é jeito no Brasil”, afirma Malafaia.

“Aqui no Rio de Janeiro, estamos colocando um trio elétrico gigante. Mas isso não tem nome de igreja, porque igreja é acima disso. Nós, cidadãos, é que somos evangélicos, então não vai ter nome de igreja nenhuma”, completa o pastor.

Malafaia argumenta que a convocação dos fiéis para os atos é fundamental porque, segundo ele, atualmente a liberdade de expressão está em jogo no país.

“Estamos vendo o STF rasgar a Constituição, uma das coisas mais vergonhosas, e com a conivência da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), da ABI (Associação Brasileira de Imprensa) e de grande parte da mídia”, declara.

Outro ponto criticado por religiosos bolsonaristas são as investigações da Polícia Federal sobre ataques de “milícias digitais”. Segundo as apurações, são atos feitos para desestabilizar instituições como o STF e atentar contra a democracia. Em meados de agosto, o ex-deputado Roberto Jefferson foi preso após as investigações apontarem que ele é parte do núcleo político desse grupo.

“A igreja não apoia ninguém. Nós, evangélicos, apoiamos. Nós, evangélicos, não vamos participar de ato de partido político. Mas (ato) de apoio ao presidente, vamos participar. Não tenha dúvida nenhuma”, acrescenta Malafaia.

Silas Malafaia destaca que uma das maiores movimentações entre evangélicos em sete de setembro deve ocorrer em Manaus (AM). O pastor afirma que os evangélicos da região esperam que 500 mil pessoas saiam às ruas da capital amazonense na manifestação pró-Bolsonaro.

O pastor Renê Terra Nova, de Manaus, também tem feito diversas publicações em suas redes sociais para convocar os fiéis para o ato na terça-feira.

Apóstolo Renê Terra Nova, líder da igreja Ministério Internacional da Restauranção em Manaus. Foto: Reprodução.

Terra Nova afirma que está apoiando o Brasil, mas diz que no atual contexto isso significa que precisa estar ao lado de Bolsonaro.

“No atual cenário, o governo Bolsonaro está lutando pelo país, e esse é o sonho de qualquer cidadão sério. O Governo Bolsonaro está com nosso apoio, mas não estamos indo às ruas por causa de uma pessoa, mas por causa da plataforma que defendemos – Deus, Pátria e Família, e a nossa liberdade”, diz Terra Nova à BBC News Brasil.

‘Somos cristãos, mas não defendemos o que essas pessoas defendem’

As convocações de Malafaia e seus aliados incomodaram pastores que compõem o Movimento Resistência Reformada, um grupo de lideranças evangélicas que se opõe às medidas de Bolsonaro.

Pastor Rodrigo Coelho. líder do Resistência Reformada. Foto: Reprodução.

“Somos cristãos, mas não defendemos o que essas pessoas defendem, por isso nos posicionamos. Não queremos, de forma alguma, que o Brasil se torne uma teocracia, que é o que essas lideranças almejam. Isso tudo é lamentável”, declara o pastor Rodrigo Coelho, líder do Resistência Reformada.

Quando notaram o crescente apelo de líderes como Malafaia para que os fiéis participassem das manifestações, os membros do movimento, cerca de 100 líderes religiosos no Brasil e alguns do exterior, publicaram um vídeo contrário a isso.

“Você, nesse lugar, é tão somente massa de manobra, tão somente uma pessoa sendo manipulada (por pastores bolsonaristas) para que essas pessoas possam permanecer no poder e permanecer com os seus privilégios. Não se permita isso. Não se permita ser cooptado por essa gente”, diz Coelho, em trecho de vídeo compartilhado por ele nas redes sociais.

O pastor argumenta que o principal objetivo do movimento é defender os direitos humanos e se posicionar contra os “desmandos do Bolsonaro” e de seus aliados.

“O movimento nasce no contexto do governo Bolsonaro, mas vai além dele, porque a gente crê que o governo Bolsonaro vai passar. Decidimos nos posicionar (contra o ato de sete de setembro) porque é um absurdo o que acontece no Brasil, sobretudo o apoio de parte da igreja evangélica”, declara Coelho.

“O Silas já apoiou toda a classe política, de direita ou esquerda, e me parece fazer qualquer coisa para estar no poder e ter privilégios de quem transita no Palácio (do Planalto). Mas na verdade, a gente entende que lugar de profeta é fora do Palácio, denunciando quem faz coisa errada”, completa.

Os vídeos de religiosos convocando para os atos alcançaram mais de um milhão de visualizações nas diferentes redes sociais. Coelho não tem dados exatos sobre o alcance do vídeo feito por ele contra os chamados para esses atos, mas admite que a visualização foi muito menor.

“A gente faz isso de forma orgânica, enquanto esse pessoal (como Malafaia) patrocina os posts. Esse pessoal está desesperado porque o governo, a cada dia mais, enfrenta momentos ruins”, declara.

“Porém, estamos satisfeitos em saber que chegamos em vários lugares com o nosso vídeo. Várias pessoas do Brasil têm entrado em contato para manifestar apoio. Isso prova que nas igrejas evangélicas há pessoas que não estão alinhadas a essas lideranças religiosas e a esse governo”, completa o pastor.

Evangélicos e Bolsonaro

O racha entre evangélicos sobre o apoio a Bolsonaro não abala aqueles que têm convocado os atos a favor do presidente.

Pastores ligados ao presidente afirmam que o apoio ao governo segue em alta entre esses religiosos. Malafaia diz, apenas com base em experiência própria, que cerca de 80% dos evangélicos apoiam Bolsonaro.

“Conheço o mundo evangélico. Isso é uma piada (as pesquisas que indicam queda no apoio ao presidente entre os evangélicos). Tenho acompanhado o Bolsonaro em vários lugares. No mínimo, uns 50% das pessoas que estão em aeroportos e nos lugares em que o presidente está são evangélicos”, declara Malafaia.

Especialistas ressaltam que a retórica de Bolsonaro de ser perseguido injustamente enquanto tenta combater um mal maior, que seria a esquerda ou uma “constante ameaça comunista”, vai no sentido do que as igrejas evangélicas pregam entre os fiéis da luta do bem contra o mal.

No atual cenário, segundo o cientista político Vinícius do Valle, o presidente tenta resgatar o discurso de que se trata do bem contra o mal no Brasil para tentar reunir o maior número de apoiadores. “Ele diz que os bolsonaristas podem salvar o presidente do mal se forem contra o STF”, diz o especialista.

“Os evangélicos surgem como uma das poucas forças que permanecem fiéis ao presidente, como os militares e muitos ruralistas, ainda que de forma reduzida atualmente”, acrescenta Valle.

O especialista ressalta que as inúmeras convocações de líderes religiosos não significam a garantia de presença massiva dos evangélicos nos atos de Sete de Setembro.

Além disso, fatores como a alta do desemprego, a crise econômica e o aumento dos preços de itens básicos têm feito, conforme os especialistas, com que muitos evangélicos abandonem o bolsonarismo.

O cientista Felipe Nunes, da Quaest, empresa de inteligência de dados, afirma que o eleitor brasileiro é mais pragmático do que ideológico. “O brasileiro avalia o seu bem-estar. No atual momento, com a qualidade de vida caindo, com o aumento da inflação, falta de crescimento econômico e a percepção de que as coisas não vão melhorar, isso tudo recai sobre a imagem do presidente”, diz à BBC News Brasil.

Em razão disso, segundo ele, uma parcela dos mais pobres entre os evangélicos começou a se afastar do presidente. “Um resultado econômico ruim leva os evangélicos mais pobres a sofrer na carne com tudo o que está acontecendo e colocam na conta do presidente”, explica Nunes.

Da Redação do Agenda Capital e BBC News Brasil

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