É essencial permitir o abate para controlar sua população e evitar o alastramento descontrolado da doença

Por Fernando Reinach*

A morte de quatro pessoas em Campinas nos lembra como a febre maculosa é letal e de difícil diagnóstico. Aprender a diagnosticar e a tratar rapidamente a doença são providências urgentes. Mais importante é combater os focos atuais e evitar o aparecimento de novas áreas de risco.

A febre maculosa é causada por uma bactéria que infecta seres humanos (Rickettsia rickettsii). Nos infectamos quando picados por carrapatos infectados pela bactéria. Os carrapatos adquirem a bactéria ao picarem cavalos, cachorros e capivaras já infectados pela bactéria. E assim, passando do carrapato para o mamífero e do mamífero para o carrapato, a bactéria se mantém viva.

Imagine um pasto com uma lagoa onde vivem cavalos e capivaras e por onde circulam cachorros. Na enorme maioria desses ambientes também ocorrem carrapatos. Locais como esse existem em praticamente todos os municípios do Brasil. Mas, ainda bem, na maioria desses ambientes a bactéria causadora da febre maculosa não está presente. Assim, quando um ser humano frequenta esses locais ele pode pegar um ou outro carrapato ou mesmo ser infectado por centenas de micuins e não corre risco de contrair a febre maculosa.

Agora imagine esse mesmo ambiente com uma única diferença: os carrapatos estão infectados pela bactéria causadora da febre maculosa. Nesse caso, os carrapatos infectam os mamíferos que estão no local, que por sua vez infectam outros carrapatos, que se reproduzem e perpetuam a presença da bactéria causadora da febre maculosa no local. Enquanto nenhum ser humano entrar nesse ambiente, for picado, e aparecer com febre maculosa, não sabemos se esse ambiente esta ou não infectado. Com o aparecimento do primeiro caso identificamos esse ambiente como um foco de febre maculosa.

Para eliminar um foco de febre maculosa, em teoria, basta eliminar a bactéria. Mas combater diretamente a bactéria é impossível. A única maneira de eliminar a bactéria é eliminar os carrapatos. Todo mundo sabe que eliminar carrapatos de uma área é tarefa dificílima, mas pode ser feita combinando duas estratégias: uma é aplicar carrapaticida nos hospedeiros dos carrapatos (cachorros, cavalos, vacas e capivaras) e outra é remover os hospedeiros dos carrapatos da área. Como os filhotes de carrapatos podem viver meses sem se alimentar do sangue dos mamíferos, o combate demora tempo e tem que ser contínuo. E aí surge o primeiro problema. Aplicar carrapaticida em animais domésticos, como vacas, cavalos e cachorros é relativamente simples, mas fazer o mesmo com capivaras é quase impossível. E é por isso que as áreas em Piracicaba, Campinas e outros municípios que são focos de febre maculosa permanecem focos durante décadas. Em todos esses lugares existe um grande número de capivaras e uma ausência de seus predadores naturais. Na floresta, as capivaras são mortas e devoradas por onças pintadas e onças pardas. Seus filhotes são comidas por sucuris e jibóias e assim sua população permanece sob controle.

Infelizmente, na maioria dos municípios esses predadores não existem mais e as capivaras se reproduzem rapidamente, se espalham pelos rios e lagos permitindo a reprodução dos carrapatos e da bactéria causadora da febre maculosa. Uma solução seria controlar a população de capivaras, sacrificando parte da população. Ou seja, o homem assumir a função que na natureza cabe às onças e sucuris. Infelizmente matar capivara é crime. As capivaras são protegidas por lei. Isso precisa mudar, elas não são uma espécie ameaçada de extinção, sua população precisa ser controlada.

Capivaras são encontradas facilmente na orla do Lago Paranoá em Brasília. Foto: Reprodução.

E como surgem novos focos de febre maculosa? Como os carrapatos infectados não se locomovem, os novos focos surgem quando um mamífero infectado com a bactéria da febre maculosa migra ou é transportado para um novo ambiente. Imagine um cavalo ou uma capivara infectada colocada num pasto ou represa onde não existem carrapatos ou a bactéria. Rapidamente os outros animais serão infectados pelos carrapatos, serão contaminados pela bactéria, e a região se torna um foco potencial. Mais cedo ou mais alguém será picado por um carrapato e pode morrer de febre maculosa. Este é o mecanismo pelo qual a febre maculosa está se espalhando pelo Brasil.

Para impedir a propagação da doença, além de combater os carrapatos nos focos atuais é necessário impedir que cavalos, cachorros, vacas e capivaras migrem para fora das áreas infectadas. Isso é relativamente simples de fazer com animais domésticos, que podem ser tratados com carrapaticidas, colocados em quarentena, e só então levados para outra região. Mas novamente é muito mais difícil de realizar com as capivaras, que seguindo os rios vão se espalhando por todo o estado. Como todos sabem, elas já vivem alegremente nas beiras dos rios Pinheiros e Tietê, no centro de São Paulo. Mais cedo ou mais tarde um ciclista ou passageiro da CPTM vai caminhar pela beira do rio, vai pegar um carrapato, e vai morrer de febre maculosa.

O que vem ocorrendo, e é uma grande ameaça, é que condomínios, parques e pequenas cidades, incomodados com a presença de capivaras, e impedidos de sacrificar esses animais, tem capturado bandos de capivaras, transportado esses animais em caminhões, e soltado em diversas localidades. Com isso não somente as capivaras tem se espalhado, mas, em muitos casos, tem levado com elas carrapatos e a bactéria causadora da febre maculosa.

Para impedir a propagação da febre maculosa é indispensável localizar os focos atuais e impedir a saída desses locais de grandes mamíferos sem que eles sejam certificados como livres de carrapatos e da bactéria causadora da febre maculosa. Novamente isso é relativamente fácil no caso de cães, vacas e cavalos, mas muito mais difícil no caso de capivaras.

Como a maioria das pessoas, eu acho as capivaras simpáticas (principalmente os filhotes), mas não podemos nos esquecer que esses animais, parentes dos ratos, se reproduzem com facilidade e não possuem predadores naturais. São herbívoros capazes de aproveitar eficientemente os vegetais, pois ingerem as próprias fezes para extrair, numa segunda passagem pelo sistema digestivo, o que não conseguem aproveitar na primeira passagem. E, da mesma maneira que os ratos, transmitem doenças letais. Por essas razões é essencial permitir o abate das capivaras de modo a controlar sua população e evitar o alastramento descontrolado da febre maculosa.

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Com informações do Estadão 

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