Fernanda Torres e Walter Salles com o Oscar de 'Ainda Estou Aqui' — Foto: Reprodução/Instagram.

A melhor atriz, de fato, acabou preterida por Mikey Madison, que ainda tem muito a aprender – em especial que gritaria não é a chave de uma boa interpretação

Por Luiz Zanin Oricchio

Para o cinema brasileiro foi um dia histórico. Afinal, o tão desejado Oscar acabou vindo para o País. Ainda Estou Aqui, de Walter Salles, ganhou a estatueta de Melhor Filme Internacional e quebrou o tabu que parecia fazer o cinema brasileiro incompatível com o Oscar.

Verdade que havia esperanças também na eleição de Fernanda Torres como Melhor Atriz e mesmo de Ainda Estou Aqui na categoria principal, a de Melhor Filme. Nenhuma das duas se concretizou, mas é claro que o cinema brasileiro conquistou uma grande vitória neste domingo de carnaval.

Enfim, é preciso pesar as coisas com imparcialidade. Na categoria Melhor Filme, Ainda Estou Aqui estava entre os três melhores da lista de dez, acompanhado por Conclave O Brutalista. Já na categoria Melhor Atriz, se fossemos levar em conta apenas a qualidade de interpretação, não haveria páreo para Fernanda Torres. Nem Cynthia Erivo, de Wicked, nem Karla Sofia Gascón, de Emilia Pérez, nem Demi Moore, de A Substância, e muito menos Mikey Madison, de Anora, eram melhores que Fernanda.

Deixando os brasileiros de lado por um momento, cabe também outros reparos à premiação. A começar pela vitória de Anora, que também não foi nenhuma surpresa. Depois de começar sua trajetória lá no alto, com uma inacreditável Palma de Ouro em Cannes no ano passado, parecia chegar ao Oscar com pouca força. Cresceu apenas no final, com o destaque recebido em prêmios considerados “termômetros do Oscar”. Acabou chegando na condição de favorito e emplacou o prêmio principal, além de direção para Sean Baker, atriz, roteiro original e montagem. Cinco troféus.

Walter Salles dedicou a conquista para Eunice Paiva, esposa do ex-deputado Rubens Paiva desaparecido na ditadura. Reprodução.

Erros e acertos no Oscar 2025

Pode haver um pouco de decepção para O Brutalista, que durante algum tempo foi considerado o virtual vencedor deste Oscar. Se não saiu de mãos abanando, também não foi consagrado: levou as estatuetas de ator (Adrien Brody), fotografia e trilha sonora original. É um belíssimo filme, talvez o mais ambicioso e complexo desta edição. Acabou pagando o preço por essas qualidades.

Digno de nota, também, o desempenho final de Emilia Pérez, que começou na condição de favorito com suas treze indicações e acabou por emplacar apenas duas – Zoe Saldaña, como atriz coadjuvante, e canção (El Mal). Provavelmente sua campanha foi esvaziada pela polêmica que ferveu nas redes sociais e determinou o cancelamento da atriz espanhola Karla Sofia Gascón por antigos tuítes de teor racista e xenófobo.

De resto, achei acertada a vitória do longa de animação da Letônia Flow que, com sua simplicidade, derrotou pesos-pesados como Divertida Mente 2 (22 milhões de espectadores só no Brasil) e também o bonito e amoroso O Robô Selvagem, tido como favorito por muita gente. Flow conta a história de um gato que, surpreendido por um dilúvio, precisa esquecer o medo da água e também unir-se a antigos rivais para sobreviver num mundo desolado. A mensagem é clara e transmitida de maneira simples. O desenho é bonito e o filme não tem diálogos. Nem precisa.

Sean Baker posa com seus quatro prêmios recebidos em diferentes categorias por seu trabalho em ‘Anora’ no Oscar 2025 Foto: Jordan Strauss

Na categoria documentário também a premiação me pareceu justa. Venceu No Other Land, que já tem título no Brasil de Sem Chão. Refere-se à invasão dos territórios palestinos por Israel naquele infindável martírio que acontece no Oriente Médio. A premiação e a entrega dos prêmios foi o momento mais político numa festa que preferiu ignorar os primeiros movimentos do governo Trump com suas ameaças à democracia norte-americana e ao que resta de estabilidade no mundo.

Mikey Madison, vencedora do prêmio de Melhor Atriz no Oscar 2025, por ‘Anora’ Foto: Reprodução.

Resultado expressa mudanças no Oscar

Por outro lado, o resultado do Oscar 2025 expressa a série de mudanças que vêm ocorrendo na Academia de Hollywood. Com a ampliação do colégio eleitoral, que hoje chega a mais de 10 mil membros, e sua maior internacionalização, o prêmio vem se tornando menos provinciano – e também mais imprevisível. A própria premiação do brasileiro Ainda Estou Aqui pode ser fruto dessas mudanças.

Mudanças que ocorrem, mas não a ponto de tornar a festa de fato internacional. Ela continua a ser profundamente norte-americana, auto-celebratória e ainda muito centrada em sua própria indústria. Faz uma ou outra concessão, mas mantém o controle sobre o essencial. A própria eleição de uma jovem promissora como Mikey Madison é sintoma disso. Talentosa, Mikey ainda tem muito a aprender – em especial que gritaria não é a chave de uma boa interpretação. Mas Hollywood tem uma queda por jovens de futuro assim como por veteranas saídas do ostracismo.

Espremida entre a jovem promissora, Mikey Madison, e a veterana que deu a volta por cima, Demi Moore, a melhor atriz de fato, que era Fernanda Torres, acabou por ser preterida como sua mãe, Fernanda Montenegro, também o foi, 26 atrás, em favor da insossa Gwyneth Paltrow.

Paciência. A hora não é de reclamar e sim de comemorar a estatueta de filme internacional concedida a Walter Salles e seu Ainda Estou Aqui. Muito ainda há de se falar desse filme e do estranho fenômeno que promoveu ao fazer o tão dividido público acompanhar o Oscar como se fosse uma final de Copa do Mundo.

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Com Estadão

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