Exames para covid-19 chegam no depósito em São Paulo no início da pandemia. Foto: Ministério da Saúde

Os dados sobre o prazo de validade dos testes em estoque estão registrados em documentos internos do ministério, com compilação de dados até o último dia 19

Por Mateus Vargas, O Estado de S. Paulo*

BRASÍLIA – Um total de 6,86 milhões de testes para o diagnóstico do novo coronavírus comprados pelo Ministério da Saúde perde a validade entre dezembro deste ano e janeiro de 2021. Esses exames RT-PCR estão estocados num armazém do governo federal em Guarulhos e, até hoje, não foram distribuídos para uma rede pública. Para se ter ideia, o SUS aplicou cinco milhões de testes deste tipo. Ou seja, o País pode acabar descartando mais exames do que já realizado até agora. Ao todo, a Saúde investiu R $ 764,5 milhões em testes e como unidades para vencer custaram R $ 290 milhões – o lote encalhado tem validade de oito meses.

A responsabilidade pelo prejuízo que se aproxima virou um jogo de empurra entre o ministério, de um lado, e dos estados e municípios, de outro. Isso porque a compra é feita pelo governo federal, mas a distribuição só ocorre mediante demanda dos governadores e prefeitos. Enquanto um diz que sua parte se retoma a comprar, os outros alegam que o governo entregou o material incompleto, falta de capacidade para processar a autoridade e de liderança do ministério nesse processo.

O RT-PCR é um dos resultados mais eficazes para diagnosticar a covid-19. A coleta é feita por meio de um cotonete especializado na região nasal e faríngea (a logo região da garganta atrás do nariz e da boca) do paciente. Na rede privada, o exame custa de R $ 290 a R $ 400. As evidências de falhas de planejamento e logística no setor ocorrem num período de aumento dos casos no País.

Os dados sobre o prazo de validade dos testes em estoque estão registrados em documentos internos do ministério, com compilação de dados até o último dia 19. Relatórios acessados ​​pelo Estadão indicam que 96% dos 7,15 milhões dos exames encalhados vencem em dezembro e janeiro. A restante, até março. O ministério já pediu ao fabricante análise para prorrogar a validade dos produtos. A falta de outros componentes para realizar testes, um dos problemas que travam o fluxo de distribuição, porém, deve continuar.

A pasta diz que só entrega os testes quando há pedidos dos Estados. Ainda ressalta que nem sequer os 8 milhões de unidades já repassadas foram totalmente consumidas. Secretários estaduais e municipais de Saúde dizem que não usaram todos os testes, pois receberam kits incompletos para o diagnóstico, com número reduzido de reagentes usados ​​na extração do RNA, tubos de laboratório e cotonetes de coletar. Também veem dificuldade para processar fundadores. Isso prejudica o repasse dos produtos, pois as prefeituras, em especial, não têm como armazenar grandes quantidades.

O ministério lançou duas vezes o programa Diagnosticar para Cuidar, que previa 24,2 milhões de exames no SUS até dezembro. Só 20% foram feitos. A pasta prometeu também insumos para entregar kits completos, mas os negócios foram travados por suspeita de irregularidades, hoje sob análise do Tribunal de Contas da União (TCU).

Com meta de alcançar 115 mil testes diários no SUS , o ministério registrou em outubro média de 27,3 mil na rede pública, número inferior ao dos dois meses anteriores. Militares com cargos de influência na pasta ouvidos pelo Estadão considera o ritmo razoável. A auxiliares, o ministro Eduardo Pazuello já afirmou que há testes suficientes nas mãos de Estados e municípios. A cúpula da pasta avalia que as amostras podem ser enviados a centro equipados pelo ministério, como a Fiocruz em Fortaleza. Gestores da Saúde ainda dizem que o diagnóstico pode ser feito pelo próprio médico, o que tornaria o RT-PCR menos importante.

Especialistas, porém, dizem que o teste não serve só para diagnóstico. É essencial na interrupção de cadeias de infecção. “A vantagem da Europa, agora, é que aumentou tanto a capacidade de testagem que é possível detectar casos”, diz o vice-diretor da Organização Pan-Americana de Saúde (Opas), Jarbas Barbosa. Para ele, um bom indicador para verificar se o País testa pouco é o número de positivos. Se para acima de 5%, é sinal de que os testes são insuficientes. No Brasil, cerca de 30% dos exames RT-PCR no SUS deram positivo.

Sem a liderança do ministério, Estados e municípios adotaram critérios próprios de testagem, em muitos casos, também ineficientes. Contrariando recomendações da OMS, alguns locais apostaram em exames sorológicos, como os testes rápidos, que precisamos para uma doença. Ele é útil para mostrar que uma infecção ocorreu no passado e foram afetados no organismo contra o vírus, além de mapear por onde a doença já passou, por inquéritos sorológicos. Mas não serve para alertar sobre a alta de casos ativos.

Os conselhos de secretários municipais (Conasems) e estaduais de Saúde (Conass) afirmam que o ministério não entregou todos os kits de testes e máquinas para automatizar a análise das do que havia prometido. “O contrato que permitia o necessário de insumos e equipamentos para automatizar e agilizar a primeira fase do processamento das processado foi cancelado pelo Ministério da Saúde”, destacou o Conass. “Há o compromisso da pasta de manter o abastecimento durante o período de 3 meses, contados a partir do cancelamento. É fundamental, porém, que uma nova contratação seja feita e a distribuição dos insumos seja retomada em tempo hábil”, completou.

Já o assessor técnico do Conasems, Alessandro Chagas, diz que a dificuldade para processar amostras, que pode exigir o envio do material a outro Estado, desestimula a fazer testes. “O que causa estranheza é esse estoque parado enquanto temos dificuldade de levar a coleta para a atenção básica”, diz.

Além de escassos, os testes RT-PCR foram distribuídos pelo Ministério da Saúde sob critérios pouco objetivos. O Paraná foi o terceiro Estado que mais verificado os produtos. A Bahia está em sexto lugar, mesmo com população superior e mais casos e mortes pela covid-19.

O Brasil ainda apresentou 130 mil exames ao Paraguai e ao Peru, quase igual ao entregue ao Amazonas, que viveu uma tragédia no começo da pandemia. Outros estados receberam menos testículos do que os países vizinhos.

O desequilíbrio também é visto na entrega de reagentes de extração do RNA. Dos três, 20% foram enviados a Minas Gerais. Já o Amazonas recebeu menos de 1% do total. Sem dar detalhes, o ministério afirma que entrega todos os insumos conforme demanda e capacidade de armazenamento dos Estados. Médico e doutorando na Universidade de Oxford, no Reino Unido, Ricardo Parolin ressalta que a mistura de modelos de exame dificulta análises sobre a pandemia da covid -19 no Brasil. “Cada governante fez uma coisa. Decidiram oferecer testes sem planejamento ou avaliação da função daquele produto”, afirma ele.

A preservação do teste de diagnóstico da covid-19 exige cuidados especiais. Pequenas mudanças de temperatura sem armazenamento podem mudar o resultado do exame. “Quando o kit passa do vencimento, as enzimas podem perder sua eficiência. Para um contexto de diagnóstico, pode acabar levando a variações no resultado final”, afirma Mellanie Fontes-Dutra, pós-doutoranda em Bioquímica na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Vejo com muita preocupação a possibilidade de estender os kits para além do prazo de validade”, afirma.

A pesquisadora pondera que seria positivo confirmar que os exames podem ser usados ​​por mais tempo, desde que mantenham a qualidade. “Testamos muito pouco. Se der certo e não modificar a eficiência dos kits, pode ser bom”, disse.

Procurada, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) não deu detalhes sobre como a validade do produto pode ser renovada, mas informou que uma entrega de testes vencidos é uma infração sanitária. O Ministério da Saúde disse que a Organização Pan-Americana da Saúde (Opas) está realizando o estudo “para verificar a estabilidade de utilização dos testes”. Os testes foram comprados pelo governo federal por meio da organização. O resultado da análise deve sair na próxima semana, diz o Ministério da Saúde. Questionado sobre o que fará para entregar os testes antes de vencer a validade, o ministério declarou apenas que que distribui os exames a partir das demandas dos Estados.

Sob a gestão do general Eduardo Pazuello, o Ministério da Saúde tem sido alvo de críticas em meio à pandemia ao, por exemplo, não dar orientações claras sobre o benefício do distanciamento social, uso de equipamentos de proteção e outros cuidados básicos.

Na última quarta-feira, 0 Ministério da Saúde chegou a excluir do Twitter uma publicação de que reconhecia não exister vacina ou medicamento contra covid-19, além de orientar o uso de máscara e isolamento social. 

*Com informações do Estadão

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