Mentir na terapia é comum, mas é importante tentar descobrir o que está por trás disso.

Na terapia, a desonestidade não é considerada um ato terrível nem raro; saiba o que fazer para superar o receio de se abrir

Por Dra. Juli Fraga

THE WASHINGTON POST – Quando uma de minhas pacientes admitiu ter me contado uma mentira inocente, não fiquei surpresa. Como psicóloga, sei que a terapia é um lugar para compartilhar segredos, mas que às vezes é difícil falar a verdade.

Quando começamos uma relação nova, a maioria de nós faz de tudo para se mostrar da melhor maneira possível. Conhecida como “autoapresentação”, essa tendência pode aparecer sempre que sentimos que alguém está nos avaliando.

Na terapia, isso pode levar você a dizer que está bem, mesmo quando não está. Ou que nunca usa substâncias, mesmo que você beba ou fume. Outras pessoas dizem que estão só estressadas, embora mal consigam sair da cama.

Essas inverdades podem parecer chocantes, mas, na terapia, a desonestidade não é um ato terrível – nem raro. Um estudo com mais de 500 participantes descobriu que mais de 90% deles tinham mentido na terapia pelo menos uma vez. Entre as principais inverdades: fingir gostar das sugestões do terapeuta, negar sentimentos de insegurança e minimizar sofrimentos.

Falar com um terapeuta exige coragem, e essa abertura pode dar uma sensação de vulnerabilidade. Mas esconder a verdade tem um custo. Pesquisas mostram que mentir pode diminuir a eficácia do tratamento e levar os pacientes a encerrar a terapia cedo demais.

Eu disse à minha paciente que a mentira dela não era uma coisa de que devesse se envergonhar – era algo que precisávamos entender. Para começar, precisávamos descobrir o que estava fazendo com que a honestidade fosse um desafio.

Aqui estão alguns dos motivos mais comuns pelos quais as pessoas mentem para o terapeuta e o que você pode fazer para evitar isso.

Medo de ouvir críticas

Seja na terapia ou na vida, muitas vezes mentimos para evitar críticas.

Tive muitos pacientes com distúrbios alimentares que negavam exagerar nos exercícios físicos ou restringir o que comiam. Outros escondiam a raiva ou omitiam a frequência com que brigavam com os filhos.

Tendemos a associar mentira com engano, mas essas mentiras não têm a intenção de ludibriar o terapeuta. Na maioria das vezes, são uma tentativa de evitar o julgamento.

Mas aqui está algo que você precisa saber: um bom terapeuta nunca critica. Em vez disso, o terapeuta ajuda a entender por que você tem medo de julgamentos. A dinâmica familiar muitas vezes tem um papel importante nesses casos. Se as pessoas que criaram você foram excessivamente severas, talvez você parta do pressuposto de que todo mundo será. Ou se elas valorizavam a perfeição, você pode acreditar que qualquer coisa menos que isso seja um fracasso.

Vergonha e constrangimento

Em um estudo, mais de 60% dos participantes disseram que tinham mentido para evitar constrangimento. Por exemplo, se você acha que seus pensamentos, sentimentos ou ações fazem de você uma “má pessoa”, será menos provável que você se abra com alguém (até mesmo na terapia).

Mas tenha em mente que os terapeutas são como socorristas de saúde mental. Ouvimos muitas histórias e ajudamos nossos pacientes a enfrentar muitas crises. O que parece embaraçoso para você não vai nos chocar. Muitas vezes, tento aplacar esses medos dos meus pacientes abordando a questão desde o início: “É normal você ter vergonha de me contar algumas coisas, e tudo bem. Não estou aqui para julgar você, de jeito nenhum”.

Tentando agradar o terapeuta

Agradar as pessoas pode nos levar a contar “mentiras altruístas”. Essas inverdades têm como objetivo proteger os sentimentos da outra pessoa. Por exemplo, você pode dizer a uma amiga que adorou o novo companheiro dela, mesmo que ele seja um chato.

Mentiras altruístas também são comuns na terapia. Anos atrás, trabalhei com uma pessoa que dizia que a terapia estava indo bem. Semanas depois, ela confessou que se sentia estagnada, mas temia que dizer a verdade faria com que eu não gostasse mais dela.

A maioria de nós evita dizer algo que magoe, mas você não tem obrigação de proteger os sentimentos do seu terapeuta. Entender isso é muito libertador. Dar feedback ao seu terapeuta pode promover a proximidade, o que facilita dizer a verdade no futuro.

Tentando evitar emoções perturbadoras

Omitir a verdade muitas vezes nos protege de emoções perturbadoras, como ansiedade, culpa ou tristeza.

Isso é comum se você sobreviveu a um trauma, como abuso ou agressão emocional. Ou se você está de luto pela perda de um ente querido. Mas evitar a agonia não a faz desaparecer.

A boa notícia é que seu terapeuta pode apoiar você em qualquer coisa que pareça desafiadora. E pode até ensinar exercícios, como a respiração profunda, que ajudam você a ter mais tranquilidade.

Como lidar com a mentira

  • Identifique a vergonha. A desonestidade pode gerar vergonha e levar você a evitar o problema. Se você não mencionar a mentira, não vai receber o apoio de que necessita. Uma maneira de superar a vergonha é nomeá-la. Comece explorando onde ela aparece no corpo. Você pode notar um buraco no estômago ou uma tensão nos ombros.
  • Encare a vergonha com autocompaixão. Você pode começar dizendo: “Reconheço que todos nós às vezes nos sentimos envergonhados. Esse sentimento não vai durar para sempre”. Encarar a vergonha como parte da experiência humana pode fazer você se sentir menos só.
  • Crie coragem e fale a verdade. Se você mentiu, diga a seu terapeuta. Por exemplo, se você tinha medo de ouvir críticas, tente dizer: “Menti porque não queria que você me julgasse”. Ou, se o tratamento não estiver indo bem, você pode dizer: “Gostaria de falar francamente sobre minha experiência na terapia”. Se você não tiver certeza do que motivou a mentira, vale a pena dizer algo como “Não sei por que menti”.

Embora dizer a verdade possa ser desafiador, a honestidade traz muitos benefícios. Constrói confiança, o que pode fortalecer a relação terapêutica. E também oferece uma oportunidade de se aprofundar, direcionando a terapia para um rumo mais significativo.

Juli Fraga, PsyD, é psicóloga com consultório particular em São Francisco. / TRADUÇÃO DE RENATO PRELORENTZOU (via Estadão).

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