Por Ana Maria Campos

“Não dá para fazer mais do mesmo”. Sem recursos para investir e com dificuldade de contratação, secretário quer mudar o modelo de gestão.

A carestia nos serviços de saúde obrigou o Executivo local a pensar novas formas de manter o serviço na capital federal, sobretudo sem exigir mais recursos dos cofres públicos. O governo do Distrito Federal vai lançar, nos próximos dias, o novo modelo de assistência à saúde do Distrito Federal. O ponto central do projeto se baseia na chamada atenção primária, com o aumento da cobertura de equipes de Saúde da Família, de forma a conseguir, aos poucos, frear a grande demanda nas emergências.

A ideia é que os centros de saúde sejam a porta de entrada da população no sistema público. Para efetivar o plano, será necessário fechar contratos de gestão com as chamadas organizações sociais, que passariam a gerenciar os centros e também as unidades de pronto atendimento (UPAs).
O processo começará por Ceilândia, cidade distante 35km do Plano Piloto, que tem 11 centros de saúde e as três regiões do DF mais críticas, segundo a Secretaria de Saúde: Sol Nascente, Pôr do Sol e Expansão do Setor O. Lá, a cobertura da atenção primária atinge apenas 22% da população de 460 mil habitantes. “Acredito que a mudança de modelo de assistência e as parceiras com a iniciativa privada podem nos ajudar a fazer saúde mais rápido e com mais eficiência”, explica Humberto Fonseca, titular da pasta, que adiantou ao Correio como o projeto vai funcionar.
Especialista em medicina da família, o secretário não tem dúvidas de que a administração direta não suporta sozinha reger o serviço. “As organizações sociais permitem a contratação e o fornecimento de mão de obra para o sistema, mas é importante que se diga que o papel do Estado não é reduzido. O Estado continua com a competência de planejar, regular, exigir, monitorar e fiscalizar”, argumenta Humberto.

O titular da saúde garante que o governo está disposto a debater, mas que “não há como fazer mais do mesmo” para estancar a crise do setor. Humberto está aberto a ouvir as críticas dos sindicatos, da Câmara Legislativa e conta com a compreensão da população. Confira trechos da entrevista.

“Uma UPA deveria atender 350 pessoas por dia. As nossas atendem 100. O atendimento, que custa pouco mais de R$ 100 no Brasil, no DF chega a R$ 600 por paciente. Isso é um absurdo.”

O senhor completou três meses de gestão. Dentre tantos problemas, qual é o mais difícil de resolver?

sec saúde humberto lucenaO maior problema é corrigir pelo menos 20 anos de investimentos errados. O melhor investimento que se pode fazer é na Saúde da Família, em que se gasta menos para obter mais resultados. Temos uma cobertura muito pequena da Saúde da Família, de 30,7%. Mesmo assim com baixa resolutividade e qualidade. Isso gera uma demanda excessiva na média e na alta complexidade, ou seja, nos hospitais. Todo o planejamento de saúde deveria passar pela atenção primária. A atenção primária é a parte da saúde que resolve a maioria dos problemas. É assim em todos os lugares em que a saúde pública funciona. É a entrada da população no sistema. Enquanto essa entrada for emergência de hospital ou UPA, não vamos conseguir fazer uma saúde de qualidade em que a população seja acompanhada em todos os ciclos da vida. O bonito da Saúde da Família é que é um trabalho sempre em equipe. Diferente do modelo que temos hoje, centrado no médico. Quando o médico falta, acaba tudo, fecha o hospital. Além disso, a atenção primária está perto das pessoas e de suas casas. A estratégia da Saúde da Família é feita de forma territorializada.

Se essa estratégia é comprovadamente eficaz, por que só foram feitas iniciativas isoladas e sem continuidade ao longo dos anos?

“Acredito até que tenha muito profissional de saúde que não sabe o que é atenção primária e Saúde da Família”. Para aumentar a cobertura, é necessário investimento em contratação de pessoal, em construção de unidades básicas e no desenvolvimento de um sistema que permita gerar informações para que a gente consiga acompanhar a prestação dos serviços. Queremos que a atenção primária seja o regulador do sistema. A média e a alta complexidades são extremamente necessárias, mas a verdade é que ainda estamos num modelo centralizado nos hospitais, que já se mostrou falido há décadas.

A transição é complicada? Não se pode abandonar totalmente um modelo para investir em outro.

Como eu vou investir somente em atenção primária se as portas dos hospitais estão fechando? Faltam profissionais nas emergências. As pessoas não têm conseguido acesso nem mesmo pelas emergências. Faltam leitos de UTI, leitos de internação, então eu preciso continuar o investimento nos hospitais enquanto essa cobertura de saúde da família não ocorre em proporção adequada. Realmente, é um dilema, mas, enquanto a gente não der o primeiro passo, a realidade não muda. Vamos fazer isso como uma grande ação do Estado na saúde. Teremos consultas com especialistas nos hospitais, mas elas serão reguladas pela atenção primária. É importante aumentar a resolutividade da atenção primária e que os profissionais resolvam até mesmo os problemas de determinadas especialidades. Evidentemente, os casos mais específicos devem ter acesso aos médicos especialistas. Não é um processo fácil, não é um processo curto. É um processo que requer um investimento de longo prazo.

Qual o modelo ideal de atenção primária?

Temos dois modelos de atenção primária. O primeiro, que sempre foi praticado, é um modelo russo que foi criado na primeira metade do século 20, que funciona da seguinte forma: um clínico, um ginecologista e um pediatra atendendo as necessidades da população. Você não tem territorialização, ou seja, esses profissionais atendem quem chega à unidade médica. É extremamente centrado na figura do médico e nas especialidades. Esse modelo não funciona. Hoje, teoricamente dá 100% de cobertura, já que qualquer pessoa que chegar lá pode ser atendida. Entretanto, o acesso é de baixa qualidade e muito demorado. Queremos converter esse modelo baseado na forma tradicional na estratégia da Saúde da Família, com médico, enfermeiros, técnicos de enfermagem, agentes comunitários de saúde e agentes de saúde bucal, de forma territorializada e com o cadastramento da população.

Como será feito isso?

A nossa ideia é ter clínicas da saúde exclusivas para Saúde da Família e manter um certo número de centros tradicionais, enquanto não se conseguem 100% de cobertura, o que vai levar muitos anos. Nossa intenção é melhorar, sobretudo, as áreas mais vulneráveis do DF.

Por onde começa?

Ceilândia, por ser a área mais vulnerável. É a maior cidade, com 460 mil pessoas, e tem a menor cobertura, com 22% de assistência. Lá, estão as três regiões mais vulneráveis do DF que é o Pôr do Sol, o Sol Nascente e a Expansão do Setor O. São áreas que foram ocupadas de forma desordenada e continuam crescendo de forma desordenada.

O problema da ocupação territorial desordenada é um complicador para a saúde?
Não tenho dúvida disso. A saúde sempre precisa ser planejada a prever aumento populacional, que, no nosso caso, não para de aumentar. O cenário da saúde hoje gera uma equação que não fecha. A gente tem a demanda do aumento de população, do envelhecimento e do aumento de demanda por retração econômica. As pessoas perdem os empregos e seus planos de saúde e vão parar na rede pública. Cerca de 1,7 milhão de pessoas deixaram de ter plano de saúde no Brasil. Dessas, 800 mil foi porque perderam seus empregos. É uma pressão de demanda por todos os lados. Ao mesmo tempo, uma redução de financiamento, porque estamos num tempo de recessão. Precisamos planejar da melhor forma possível. O direito é ilimitado, mas o recurso é escasso.

Já foi dado o primeiro passo nesse novo projeto?

Já iniciamos o trabalho. Primeiro, temos que ter regulação de tudo. Segundo, isso vai passar pela atenção primária. Queremos fazer uma regulação central, mas que seja feito de maneira territorializada na atenção primária. Terceiro, temos que dar resolutividade à atenção primária. As equipes de saúde de família têm de dar 85% de solução. Elas só podem encaminhar 15% dos pacientes. A quarta coisa é a formação. No DF inteiro, são apenas 30 especialistas em medicina de família. A quinta coisa é a geração de dados. Eu preciso de informação para fazer gestão. Tenho de criar metas, indicadores de resultados e idealmente conseguir remunerar diferentemente a superação dessas metas ou outras vantagens para as equipes.
As organizações sociais seriam uma forma de gestão usada para esse novo plano?

Dentro da mudança de modelo de assistência, as parcerias com a iniciativa privada podem nos ajudar a fazer mais rápido e com mais eficiência. Temos hoje o modelo de gestão da administração direta, baseado em licitações e concursos públicos. Esse sistema gera extrema dificuldade para trabalhar. Eu demoro hoje um ano para fazer uma licitação. A verdade é que eu tenho uma estrutura toda formada para a administração direta e a gente não vai conseguir fazer uma mudança radical. Essa nem é a nossa intenção. Hoje, a Constituição e a legislação nos dão instrumentos de gestão muito mais eficientes. Quando um hospital privado demite um médico, ele repõe em algumas horas.

Hoje, uma organização social, por exemplo a que gere o Hospital da Criança, perde um pediatra e repõe em uma semana. Eu preciso fazer um concurso público, que leva um ano. Ainda eu que tenha o concurso em vigor, com gente esperando para ser nomeada, levo um mês porque é o tempo de solicitar a autorização, tem o prazo da posse, do exercício. A mesma coisa é num processo de manutenção. O próprio STF já deixou absolutamente claro que temos instrumentos melhores de gestão, que aproximam a gestão pública dos princípios da administração privada com eficiência e agilidade. Pretendemos fazer essas parcerias de forma complementar para nos ajudar nessa expansão.

Vamos sim utilizar parcerias com a iniciativa privada, temos a Lei nº 4.081, que trata do uso de organizações privadas para a saúde. Acredito que isso vai nos ajudar a prestar um melhor serviço de saúde. Não dá para a gente fazer mais do mesmo. Fazer isso é ter os resultados que temos hoje, e eles não são bons. Precisamos mudar o modelo de assistência e o modelo de gestão. Queremos que os modelos convivam. A existência de um modelo múltiplo ajuda os dois a crescer.

Fonte: Correio

9 COMENTÁRIOS

  1. É mas tem que ouvir o que população pensa no absurdo que o Sr. secretario Humberto Fonseca e o não sei nem como chamar esse Sr. que se diz ser nosso governador, porque foi eleito com o voto do povo e não só com seu voto, agora depois de eleito vem querer decidir as coisas sozinho como ser o dono do DF, não é assim que funciona as coisas Sr governador Rodrigo Rollemberg.
    Lembre se que daqui a dois anos vamos ter novas eleições e pode acontecer com o Sr o mesmo que aconteceu com o governo anterior estamos de olho.
    E esse secretario de saúde que se diz ser especialista e formado em medicina, vai lá pra Goiânia ou para o Rio de Janeiro e vê como funciona o sistema que querem implantar aqui no DF, que vai ver que não é nada do que vcs falam essa maravilha toda não funciona é nada viu gente.
    Aliás só funciona pro lado das OS e dos Governantes que tem seus bons planos de saúde que nós pagamos, e vamos para com essa de passar a saúde do DF para as OS e querer enganar o povo que tudo vai funcionar tudo as mil maravilhas que isso é mentira é conversa pra boi dormir.
    Eu gostaria de estar presente na primeira audiência publica viu, para ver o que os mesmos que elegeram esse governo do descaso e politiqueiro que não esta cumprindo nada do que prometeu vai falar e tbm para eu falar o que eu acho desse absurdo que os mentirosos estão falando e que vai funcionar tudo as mil maravilhas, se alguém estiver ou ficar sabendo do dia e hora da audiência publica me avise para eu estar presente.
    Só estou expressando a minha liberdade de expressão.

    Grato
    Rosildo Silva,
    Coordenador Regional da RNP+Brasil na Região Centro Oeste
    Rede Nacional de Pessoas Vivendo com HIV/AIDS na Região Centro Oeste

  2. O senhor secretário de saúde, Dr Humberto é um homem íntegro que nunca iria colocar uma OS com a finalidade de desviar dinheiro. Até porque cursou medicina na Escs. Só não entendo como se dividiu em 2, pois era servidor do senado e a faculdade também é integral ?. O Dr e tbm ‘adevogado’ após formado em medicina assumiu concurso da sesdf e continuou servidor do senado. Cargos totalmente incompatíveis e proibida a acumulação dos dois. Então concluímos que dará tudo certo, para as OS, Rolemberg e Humberto, menos para aqueles que necessitam da saúde pública.

  3. Há um concurso vigente de medicina fe família e comunidade, foram oferecidas 80 vagas imediatas e até agora foram chamados 30!!!!!! Querem enganar quem??? pq não chamam esses que aguardam!!!! em Goiânia e no Rio de Janeiro a cada dia é desmascarado gestores de OSs roubando dos cofres públicos!!!

  4. Sou servidora pública e concordo que o sistema atual já está caduco e há anos mostra sua ineficiência . O funcionalismo público foi criado para atender o público mas o que se vê claramente é que, boa parte dos servidores pensam que o que vale é atender primeiramente aos seus interesses individuais e somente depois atender ao usuário . Que venham as OSs.

    • Você provavelmente não é da saúde pra dizer um absurdo desses! Saiba que o pouco que funciona é porque o servidor muitas vezes, na verdade, inúmeras vezes, tirá dinheiro do próprio bolso pra.comprar material, entre outras coisas. Mirar o canhão para o servidor é injusto e simplista, porque é uma avaliação rasteira e de má fé. Sugiro que você passe ao menos meio período em.uma Unidade de Saúde pra poder ter um mínimo de conhecimento de onde está o problema e quem é o verdadeiro responsável por um caos que só se agravou neste desgoverno atual.

    • Maria Helena, onde vc trabalha?
      Pois onde eu trabalho vejo servidores trabalhando e muito…
      Se vc acha que as organizações sociais vão melhorar a assistência, cuidado pois tudo que envolve empresas existe lucro e custará muitas vidas. Vai lá em Goiânia e tenta atendimento ou vai no Rio de Janeiro há hospitais lá que temos que comprar os remédios pois dizem que está em falta. O senhor governador tem um interesse muito grande em ‘mudar o modelo de gestão’. Isso me preocupa.

  5. Sr. secretário se está tão preocupado com a atenção primária, por que ainda nao foram contratados os concursados , medico de familia e comunidade que estão aguardando desde 2014?

  6. Acho que ha um grande equívoco ao dizer que este senhor é especialista em saúde da família; sem ao menos atuar apenas trabalhando no senado. Gostaria de saber cot e especializou?

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