Simone Augusta dos Santos Enfermeira do Hospital de Base — 45 anos. Foto: Arquivo pessoal.

Profissionais do Iges-DF falam sobre os desafios que enfrentam para continuar salvando vidas

Por Redação*

“Fique em casa se puder”. O conselho, que virou um mantra mundial no início da pandemia do coronavírus, precisou ser solenemente ignorado por brasileiros que não puderam se esquivar da guerra que começava ali. Não porque eles negligenciavam a gravidade da doença, mas porque, por serem os mais capacitados, foram convocados para enfrentar e combater o inimigo.

Muitos desses guerreiros atuam nos dois hospitais e nas seis unidades de pronto atendimento (UPAs) administrados pelo Instituto de Gestão Estratégica de Saúde do Distrito Federal (Iges-DF). Há um ano, eles estão na linha de frente dessa batalha. Muitos largaram pais, filhos, amores, amigos para cumprir uma desafiadora missão: salvar o máximo de vidas possível.

O que eles perderam, o que ganharam e como estão vivendo é o que você vai ler nesses relatos de profissionais do Iges-DF, simples cidadãos que a pandemia tem transformado em heróis.

“Meus parentes tinham medo de se aproximar de mim”

Simone Augusta dos Santos Enfermeira do Hospital de Base — 45 anos. “Em janeiro de 2020, eu cheguei ao Hospital de Base transferida do Centro Obstétrico do Hospital de Santa Maria, onde era enfermeira neonatal. Com o início da pandemia em março, meu setor, de neurocardiologia, foi transformado na unidade de terapia intensiva (UTI) Covid, voltada a pacientes graves e de alta complexidade. Foram meses de muito sacrifício, lágrimas, vi muitas pessoas partirem. Mas também comemorei cada pessoa que se curou.

Fiquei até junho na UTI. Nesse período, minhas filhas — Nathy, de 23 anos, Nayara, de 20, e Alessandra, de 10 anos — e minha neta de 1 ano foram morar com a minha mãe, em Águas Claras. Não nos encontramos pessoalmente, porque não tínhamos certeza de nada.Apesar de trabalhar munida de todos os equipamentos de proteção individual (EPIs), acabei pegando o coronavírus em junho. Meu coração ficou partido, porque a vontade de voltar à guerra era maior do que a dor física. Minha alma tinha sede de trabalhar pela vida de quem mais precisava.

Depois, fui chamada para o Ambulatório de Hematologia do HB, com pacientes oncológicos temerosos de pegar covid por estarem em um ambiente hospitalar. Uma forma que achei de continuar atuante foi ser aplicadora voluntária na vacinação contra a covid. Faço nas minhas folgas, aos sábados e domingo, e não recebo nada por isso.

Quando eu fiquei na UTI, a parte mais difícil era chegar ao plantão, me paramentar, colocar todos os equipamentos e assumir o trabalho. Minha cabeça ficava a mil, pois tinha noção da gravidade do que estava acontecendo, e me lembrava da minha família. Tinha medo de levar o vírus para casa. Meus parentes tinham medo de se aproximar de mim.

Nesses 12 meses de pandemia, aprendi que a nossa passagem pela vida é muito rápida. Vi o quanto a saúde pública é importante, atende a todos, sem distinção. E percebi o quanto nós, profissionais de saúde, fazemos a diferença na vida das pessoas.”

Rayanne Lopes Macedo, enfermeira do Hospital Regional de Santa Maria. Foto: Arquivo pessoal.

“A pandemia está sufocante”

Rayanne Lopes Macedo Enfermeira do HRSM — 31 anos. “Minha rotina sempre foi agitada, com dois empregos, saindo de um plantão e assumindo outro. Há cerca de dois meses, estou em tempo integral no Hospital Regional de Santa Maria, me dedicando intensamente. Quando chego em casa, adoto todos os cuidados para não transmitir nada para meu marido e meus dois filhos.

Desde o início da pandemia, faço parte da linha de frente, na unidade de terapia intensiva (UTI) adulto de Santa Maria, que se tornou referência no atendimento à covid-19. Estou no cargo de supervisão, sempre dando a assistência que é solicitada.

Não consigo me desligar do serviço, porque a todo momento estou atenta, mesmo nos períodos de folga. Me preocupo com a equipe, os pacientes, a calamidade em geral. Tampouco consigo me exercitar, ter algum hobbie, mas tento curtir ao máximo minha família quando não estou trabalhando.

Fui infectada em dezembro do ano passado e foi um dos piores momentos da minha vida. Tive que me isolar dos meus filhos, o Fábio Filho, de 5 anos, e o Miguel, de 2 anos. Eles ficaram 15 dias na casa da minha mãe em Anápolis (GO). Era Natal, uma época em que para mim é essencial ficar em família. Meu marido cuidou de mim e acabou doente também. Apesar de nossos sintomas terem sido leves, não sei qual seria a reação dos meus filhos à doença. Então, tenho muito medo e preocupação. Vejo a angústia de quem chega ao hospital. É desesperador ver pessoas implorando por oxigênio, sem conseguir respirar.

A maioria dos meus parentes mora no DF, mas não os vejo desde o início da pandemia, faço videochamadas. Só encontro meus pais e minha irmã, porque ainda preciso do consolo e do amor deles, e eles me ajudam a recarregar a energia.

Não saberia citar o dia mais difícil até agora nesta pandemia. Todos são, com pessoas morrendo, plantões tumultuados, equipes sobrecarregadas. Trabalhar na linha de frente é sentir exaustão física e mental, sem ter um momento para respirar, sem trégua, sem paz. Está sufocante a pandemia.”

Éder Vinicius Silva Malta, médico da UPA do Núcleo Bandeirante. Foto: Arquivo pessoal.

“A vida pode se esvair num piscar de olhos”

Éder Vinícius Silva Malta Médico da UPA do Núcleo Bandeirante – 33 anos. “Antes da covid-19, eu sempre viajava para passear, visitar minha família na Bahia e fazer uma pós-graduação em São Paulo. Tudo mudou. Fiquei muito tempo sem contato com meus pais, que são idosos. Só nos víamos por videochamada.

Trabalho na linha de frente desde março de 2020. Inicialmente, na UPA do Núcleo Bandeirante, depois também atuei seis meses no Hospital Regional da Asa Norte. Agora, me divido entre a UPA, a UTI do Hospital de Campanha da Polícia Militar e o Pronto-Socorro de um hospital particular.

Cheguei a trabalhar 120 horas semanais. Tinha dias em que eu nem ia para casa e, por conta da alta carga horária, comecei a ficar depressivo e ansioso. Reduzi minhas horas de trabalho e estou fazendo acompanhamento com especialista.

Quando estou de folga, aproveito meu tempo em casa, dando atenção ao meu marido e brincando com meu pet. Tento me desligar da realidade assistindo a filmes ou séries e, principalmente, dormindo. Consegui manter minhas atividades físicas.

Peguei covid em dezembro passado. Tive muita dor de cabeça e perdi olfato e paladar. Meu marido também pegou. Um ajudou o outro. Não vou mentir: tive muito medo de, ao pegar a doença, precisar ser internado e intubado, porque não é uma situação fácil, nem para o paciente, nem para os familiares, nem para a equipe médica.

O pior dia para mim foi, há cerca de duas semanas, no pico da segunda onda, quando os três locais onde eu trabalho estavam superlotados. Um dia muito marcante também foi quando vi uma paciente jovem, de 36 anos, sendo intubada. Era aniversário dela. Ela tinha perdido o pai e a mãe poucos dias antes. E, no mesmo dia, havia muitas pessoas intubadas, estava tudo lotado, com macas pelos corredores e até em consultórios médicos.

Neste um ano de pandemia, fui amadurecendo com o passar do tempo. Sei que tem muita gente negacionista, que não acredita no vírus ou acha que existe um tratamento que não existe. Mas, para mim, a pandemia ajudou a refletir mais sobre a vida. A vida pode se esvair em um piscar de olhos. Muita gente que tem morrido e que poderia sobreviver se todos levassem a sério o problema.”

Pollyana de Deus Silva Enfermeira do HRSM. Foto: Arquivo Pessoal.

“Esta segunda onda está mais crítica”

Pollyana de Deus Silva Enfermeira do HRSM – 34 anos. “Antes da pandemia, eu trabalhava 36 horas semanais e usava o tempo livre para resolver pendências de casa, levar minhas filhas para a escola, descansar. Depois, passei a trabalhar em tempo integral, por necessidade do setor.

Sou enfermeira rotineira do Pronto-Socorro (PS) Covid do Hospital de Santa Maria, que é um cargo mais administrativo, com funções como resolver prescrição médica, fazer escala de funcionários, solicitar transporte para pacientes, treinar a equipe. Mas também atuo eventualmente na assistência direta ao paciente, como substituir alguém que precisou faltar.

Eu tinha um hobbie antes que era a confeitaria. Fazia doces e bolos e fiz um perfil na rede social para divulgar. Mas parei no início da pandemia e ainda não voltei, por falta de tempo, ânimo e agora dinheiro para investir, mas creio que tudo se ajeitará no tempo certo.

Por muito tempo, eu não conseguia me desligar da realidade. Sonhei várias noites com o PS Covid, com as intercorrências, com as perdas. Estou mais consciente de que nem tudo depende de mim, mas só hoje, com um ano de coronavírus, consigo pensar assim. Coloquei na cabeça que não posso adoecer porque tenho que dar suporte para as minhas filhas, a Rebeca, que tem 9 anos, e a Júlia, de 5 anos. Também passei a fazer atividades físicas em casa por elas, para que eu tenha saúde para cuidar delas.

Nesse período de pandemia, eu me divorciei e tive queda brusca de renda. Conheço 10 casais que se separaram nesta época, apenas dois voltaram. Atualmente vivo com minhas filhas tentando administrar tudo e tentando me reerguer financeiramente.

Não peguei covid-19 na teoria, porque meu teste deu negativo, mas tive perda de olfato e paladar. Acho que tive a doença na versão leve. Minhas tias e primas também se contaminaram, mas com sintomas leves, graças a Deus. Nesses meses na linha de frente, tive pouco contato físico com meus parentes, mas muito por telefone.

Só desejo que tudo acabe logo. Esta segunda onda está mais crítica que a primeira e preciso sobreviver, viver em paz com minhas filhas.”

Emanuelle Siqueira de Oliveira Fisioterapeuta do HRSM. Foto: Arquivo pessoal.

“Não dá pra ter medo do vírus, tem que combatê-lo”

Emanuelle Siqueira de Oliveira Fisioterapeuta do HRSM — 34 anos. “Quando a pandemia começou, eu morava com meus pais em Valparaíso de Goiás. Precisei sair de casa porque eles são do grupo de risco, hipertensos. Fui para Águas Claras na casa do meu melhor amigo, que também é fisioterapeuta.

Tive aumento de gastos e fiquei mais longe do trabalho. Também passei a sustentar meus pais, porque eles ficaram sem renda. Minha mãe tinha acabado de abrir uma creche, em 2019, e precisou fechar em 2020 por causa da crise causada pela pandemia.

Sou especialista em UTI e atuo na linha de frente desde o início. Meu papel é determinar condutas para as manobras que são feitas em relação à ventilação do paciente. Fazemos as técnicas e o manejo do ventilador mecânico. Ou seja, todo o cuidado com a respiração no momento mais crítico, durante a intubação e na extubação.

Para me distrair, tento ler, ver séries, jogar videogame. Não consigo fazer exercícios físicos por conta do ritmo de trabalho. O que tenho tentado é dormir bem.

Não peguei covid, nem meus pais. Em fevereiro deste ano, tomei a última dose da vacina e fiz teste em março. Mostrou que estou imune, que tenho anticorpos. Hoje consigo ficar mais tranquila em relação a não transmitir para os meus pais, mas evito ao máximo ir a casa deles. Seria muito arriscado ainda. A cada dez dias, eu levo mantimentos, mas entro apenas na garagem.

O pior dia da pandemia até agora para mim foi quando fiz as malas e me despedi dos meus familiares e da minha cadela, que é muito apegada a mim.

Fiquei mais preocupada no começo da pandemia, em relação ao medo do vírus, mas sempre fui acostumada a atender pacientes em risco biológico tipo 3, com doenças como meningite, tuberculose e H1N1. Não dá pra ter medo. Tem que agir contra ele e combatê-lo. Apenas senti falta de maior reconhecimento da população.”

*Com informações do Iges-DF

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