A vinda da universidade inglesa para o Brasil já era falada desde 2021, quando a Oxford firmou uma parceria com o Ministério da Saúde para o desenvolvimento da vacina Astrazeneca. Foto: Edmund Shaw/via Geograph

Diretora da Oxford Latam, infectologista brasileira Sue Ann Clemens fala sobre esforço de ter uma unidade no Rio de Janeiro e expectativa de alavancar pesquisas na área de produção de vacinas

Por Roberta Jansen

Diretora e fundadora da Unidade Latino-Americana da Universidade de Oxford (Oxford Latam), no Rio de Janeiro, a infectologista brasileira Sue Ann Costa Clemens prepara o primeiro ano letivo da instituição, previsto para começar em março de 2024, com pelo menos três cursos de extensão. A unidade foi criada em 2021, mas só no ano que vem ganhará uma sede própria e começará a receber alunos.

No fim de outubro, será aberto um site da instituição, por onde os interessados poderão se inscrever. As vagas são internacionais; ou seja, pessoas de todo o mundo podem se candidatar. A Oxford Latam já conseguiu dez bolsas para estudantes da África. Sue Ann tenta, agora, negociar mais bolsas para o Brasil e a América Latina.

Cada curso terá de 25 a 40 alunos. Um curso de mestrado já está em vias de aprovação e, no futuro, a ideia é oferecer também graduações.

Em 25 anos de carreira (boa parte deles em Oxford), a médica contribuiu para o desenvolvimento de mais de vinte vacinas licenciadas globalmente, incluindo o imunizante para o papilomavírus humano, o rotavírus, a meningite B, pneumococos e a nova vacina oral contra a pólio. Sue Ann foi a principal pesquisadora do braço brasileiro do imunizante Oxford-AstraZeneca, desenvolvido em parceria com a Fiocruz, contra a covid-19.

A médica acaba de ser nomeada chefe da nova cátedra permanente da Universidade de Oxford, Saúde Global e Desenvolvimento Clínico. É a primeira brasileira a chefiar uma cátedra permanente de Oxford.

Qual a diferença entre a cátedra criada na Universidade de Oxford, no Reino Unido, e a Oxford Latam, baseada no Brasil?

A criação da cadeira Saúde Global e Desenvolvimento Clínico vai alavancar as atividades da Oxford Latam. A missão é a mesma: promover a capacitação de qualidade internacional para o desenvolvimento de fármacos e vacinas, trazendo investimento em ciência, que resulte em maior acesso à tecnologia e gere inovação no Brasil e na América Latina. Além disso, vai permitir a atuação de laboratórios validados internacionalmente para análises clínicas nos estudos de vacinas. Desenvolvemos nossos próprios produtos, temos capacidade de fabricar insumos farmacêuticos e nos tornarmos menos dependentes nessa área. Essas ações fortalecem o compromisso da universidade com a saúde global, ajudando a garantir que toda a sociedade esteja mais bem preparada para lidar com novas epidemias e pandemias. Queremos transformar a América Latina em um polo de educação e ciência com contribuição internacional.

Quais os principais objetivos da Oxford Latam?

A Oxford Latam é baseada em três pilares. O primeiro é a pesquisa, a promoção e a geração de dados científicos de qualidade. O segundo é educação, a capacitação de profissionais em saúde global para o desenvolvimento de vacinas e fármacos. E o terceiro é pesquisa e promoção científica, que fazemos desde 2020. A parte de educação e capacitação de profissionais dessas áreas começa em outubro, com a abertura das inscrições para os alunos para os três cursos de extensão já aprovados.

Por que o Brasil foi escolhido para sediar a Oxford Latam?

Foi um reconhecimento da universidade ao trabalho de qualidade feito no Brasil no desenvolvimento da vacina contra a covid-19 feita pela Universidade de Oxford (em parceria com a AstraZeneca e a Fiocruz). Os dados gerados nos seis centros de investigação no Brasil foram inspecionados por cinco agências internacionais e contribuíram com metade dos dados necessários para a comprovação da eficácia da vacina contra a covid-19.

O primeiro ano letivo começa em março de 2024 com quais cursos? Os interessados já podem se inscrever?

Cursos podem levar até sete anos para serem aprovados pela Universidade de Oxford. Já conseguimos aprovar três cursos de extensão, que começam no ano que vem: Biotecnologia e Desenvolvimento de Vacinas, Saúde Global e Vacinologia, Desenvolvimento Clínico e Saúde Global, Aspectos Operacionais em Vacinologia. Os cursos têm duração de duas semanas a quatro meses.

Os cursos serão pagos ou gratuitos?

Os preços variam. Mas já conseguimos dez bolsas para países africanos e estou negociando bolsas para o Brasil e a América Latina.

Com a Oxford Latam pode ajudar a alavancar a pesquisa científica no Brasil?

O Brasil é o 20º país no ranking mundial da pesquisa clínica, respondendo por apenas 2,4% de todos os estudos, quando poderia estar numa posição muito mais alta. Talento e qualidade não faltam. Mas precisamos de investimento público e privado e capacitação de profissionais em desenvolvimento de produtos, de A a Z, de ponta a ponta. A América Latina contribuiu no desenvolvimento de 80% dos estudos das vacinas pré-qualificadas pela OMS contra a covid, participando da condução clínica dos maiores estudos. No entanto, a inovação não faz parte dessa história de sucesso. Só podemos mudar esse rumo com capacitação responsável.

Vocês já sabem onde exatamente será a sede da Oxford Latam? Os professores serão brasileiros ou estrangeiros? Ou ambos?

Estamos construindo parcerias para ter uma sede própria na cidade do Rio de Janeiro, onde as atividades acadêmicas possam ocorrer. Os professores que fazem parte da grade curricular dos cursos serão autoridades nacionais e internacionais nos assuntos abordados.

O diploma dos cursos será como um diploma universitário normal?

Sim, será um certificado universitário de acordo com a qualificação dos cursos, sejam eles de extensão, de atualização, ou de pós-graduação, como mestrado e doutorado. Alguns dos cursos oferecidos serão por um consórcio de universidades, o que é muito comum na Europa. Isso é excelente para o aluno porque ele receberá certificados de Oxford e de outras instituições. Também estamos trabalhando para termos uma certificação nacional, em parceria com instituições brasileiras.

Que tipo de pesquisa poderá ser conduzida na Oxford Latam?

Nosso foco será responder perguntas científicas que tenham impacto em saúde global, gerando evidências e dados de qualidade para o desenvolvimento de produtos, mapeamento de patógenos, estudos epidemiológicos para auxiliar na introdução de vacinas, no aprimoramento de técnicas de diagnóstico e fármaco-vigilância.

O Brasil, que já foi uma referência em cobertura vacinal, tem enfrentado problemas para que os pais levem as crianças aos postos de saúde para vacinação. Estamos com coberturas muito baixas na imunização contra a pólio, por exemplo, entre outras doenças.

A que você atribui esse problema? O que pode ser feito para resolvê-lo?

É o que chamamos de efeito negativo de um caso de sucesso. Ou seja, com o sucesso do programa de imunização e a redução da ocorrência das doenças, a hesitação em vacinar também começa a crescer. Mas se suspendermos a vacinação, veremos as doenças ressurgirem. Além disso, temos os problemas das fake news, o impacto das mídias sociais é grande. E a questão do acesso (aos postos de vacinação), que depende do sistema de saúde e sua capilaridade. O acesso é tão importante que a OMS criou um comitê técnico para isso, do qual sou integrante. Precisamos ter uma comunicação ativa em todos os tipos de mídia.

O que são exemplos de comunicação ativa?

Precisamos ter um pacote de comunicação amigável, que fale a linguagem do público, dos diferentes públicos-alvo, e que seja sempre atualizado. Precisamos comunicar os sucessos, não só lacunas ou insucessos. Os sucessos do nosso País, mas também de outros países, como a redução da incidência de doenças, o impacto global da introdução das vacinas. As doenças infecciosas não param, os vírus e as bactérias seguem circulando e buscam sobreviver via mutações e variantes. Temos de fazer o mesmo. Comunicação incessante.

Na pandemia, alcançamos um feito inédito: desenvolver uma vacina eficaz contra uma doença totalmente nova em apenas um ano. De que forma isso impactou a pesquisa e o desenvolvimento de vacinas?

Aumentaram os investimentos em novas plataformas tecnológicas para desenvolver vacinas e medicamentos. Além disso, ressaltou aspectos que estavam adormecidos em relação à globalização, por exemplo, a vigilância ativa e global, o compartilhamento de informações sobre patógenos, a preparação de protocolos pensando nas próximas pandemias, o estabelecimento de redes de laboratórios internacionais qualificados para estudos clínicos.

No caso das vacinas contra a covid-19, ainda temos por onde avançar?

Sim, precisamos criar uma rede de vigilância contínua e global para identificar as mutações que forem surgindo e entender se essas mutações afetam a eficácia das vacinas disponíveis. A adaptação das vacinas pode ser uma evolução natural. Outro caminho é o desenvolvimento de uma vacina contra toda a família dos coronavírus. E as vacinas combinadas, como coronavírus e influenza, por exemplo.

Qual seria hoje, na sua opinião, o Santo Graal das vacinas? Aquela vacina que todos querem desenvolver, mas ninguém ainda conseguiu?

De forma geral, as vacinas contra as doenças que mais impactam a população – com maior mortalidade e morbidade – que são um fardo para os sistemas de saúde. Uma vacina universal contra a influenza (gripe comum) seria incrível porque esse vírus tem potencial pandêmico muito grande, como já vimos ao longo da história das pandemias. Citaria também um imunizante contra o HIV, um dos maiores impactos nos serviços de saúde, na economia e na sociedade; e também contra patógenos que desenvolvem resistência antimicrobiana.

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Com Estadão

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