Os litígios ou judicialização da saúde no Brasil começaram na década de 1990, por conta da reivindicação de fornecimento de medicamentos principalmente em relação ao combate ao HIV. O argumento utilizado é a garantia constitucional de direito à saúde para todo e qualquer cidadão, por parte do Estado.

O resultado positivo na liberação daqueles medicamentos, alcançado naqueles tempos, foi um estímulo para que os mesmos princípios fossem aplicados a outras enfermidades.

Nos últimos anos, o Judiciário tem sido demandado de forma sistemática na saúde, mais especificamente no fornecimento de medicamentos, na disponibilização de leitos de UTI e nos diversos tratamentos.

A judicialização da saúde que deveria ser a última alternativa para obtenção do medicamento ou tratamento negado pelo SUS na rede pública de saúde, porém tem sido uma rotina na vida de milhares de pessoas que não conseguem o medicamento ou tratamento na rede pública de saúde de todo o Brasil. O que temos observado, talvez por falta de atualização do RENAME (Relação Nacional de Medicamentos), que a crescente busca ao Judiciário, mostra o reflexo do sucateamento da saúde, e porque não dizer do próprio SUS.

Muitos gestores e juristas tem debatido exaustivamente este tema, sem, contudo encontrar uma solução definitiva. Nessa esteira, muitas vezes o Judiciário acaba sendo a última alternativa de pacientes do SUS, para obtenção de um medicamento ou tratamento.

Estabeleceu-se desta maneira a interferência do sistema judiciário nas políticas de saúde pública. Pode parecer de início, uma grande vitória a favor dos cidadãos desfavorecidos de condições financeiras que lhes garantissem acesso às condições mínimas de dignidade e acesso à saúde.

Entretanto algumas distorções começaram a se estabelecer a partir de então. Por exemplo, em uma publicação da Fundação Getúlio Vargas de 2014, é citado um estudo dos professores Ferraz e Vieira onde foram calculados que, se o sistema de saúde pública no Brasil decidisse fornecer a totalidade dos medicamentos da hepatite C e de pacientes com artrite reumatoide (1% da população), com as drogas mais modernas (e caras) para estas doenças, seriam gastos com esses medicamentos cerca 4,32 % do PIB nacional. Isto é mais do que o governo federal, o governo de todos os estados e municípios juntos gastam em saúde. O que significa que o sistema de saúde teria de gastar com 1 % da população mais do que é gasto com o sistema público de saúde como um todo.

Os questionamentos técnicos das decisões judiciais são cada vez mais frequentes diante das inconsistências científicas.

Houve também uma distorção severa nas já insolúveis filas de espera diante da precariedade dos atendimentos públicos de saúde. Em muitas áreas médicas a escassez de especialistas e/ou de recursos gera uma lentidão “paquidérmica” no andamento dessas filas, mesmo a despeito do esforço intenso dos profissionais médicos. Entretanto debaixo da cobertura de decisões de gabinete, juízes determinam, sob ameaça de penalizações, o atendimento imediato de pacientes judicializados. Tira-se então um paciente do final das listas de espera e o colocamos à frente de incontáveis outros que aguardam impacientemente a chegada de sua vez no atendimento. Este último acaba por ser penalizado uma vez que, por força de decisão judicial alguém foi passado à sua frente, muitas vezes em situação de menor gravidade.

Na avaliação de Daniel Wang pesquisador e professor de Direitos Humanos da London School of Economics, “A avaliação do fenômeno da judicialização não pode se limitar a olhar quem ganha, mas deve também considerar seu impacto em termos de justiça distributiva e eficiência no gasto publico, e a evidencia, até o momento, mostra que o impacto da judicialização sobre o sistema de saúde é negativo”.

Enfim a judicialização da saúde parece que veio para ficar, e precisa ser motivo de exaustivas discussões sobre seu real efeito benéfico ou não na equidade de acesso à saúde pública por parte dos cidadãos.

Delmo Menezes
Gestor público, jornalista, secretário executivo, teólogo e especialista em relações institucionais. Observador atento da política local e nacional, com experiência e participação política.

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