Anastasia Shevchenko, de 15 anos, com sua mãe, Iryna, de 46, que mostra a foto do marido que ficou na Ucrânia; hoje elas vivem em apartamento cedido pela igreja Adventista na cidade de São José dos Campos.

Vivendo em São José dos Campos, jovens refugiados enfrentam a solidão, aprendem português, experimentam pastel de feira e buscam retomar um mínimo da normalidade.

Por Fernanda Simas

Quando Galyna deixou Donetsk com seus três filhos não imaginou que hoje estaria no Brasil, vendo as crianças frequentarem um colégio no interior de São Paulo. Mas a família foi clara ao optar pelo destino: “O mais longe da guerra”.

Com outros 44 ucranianos – crianças, adolescentes e mulheres –, eles chegaram ao País por meio de uma parceria da Igreja da Cidade de São José dos Campos e receberão auxílio por um ano. “Continuo dando aulas para meus alunos em Donetsk. É o mínimo que posso fazer para tentar mantê-los com certa normalidade”, disse Galyna, falando em russo.

Seus filhos, Ivan, de 11 anos, Mykailo, de 12, e Ksenia, de 16, conversam com os amigos e tentam entender o básico da comunicação em português enquanto assistem a aulas em um salão da igreja. A cada cor que os alunos acertam no nosso idioma, eles comemoram.

Crianças ucranianas aprendem português com suas mães após chegarem ao Brasil 

“A gente gosta muito do Brasil, da escola, dos professores e dos amigos. Amamos a atenção que os colegas nos dão. Claro que é difícil, porque não sabemos o português, mas estamos estudando e logo ficará melhor”, conta Anastasia Shevchenko, de 15 anos, que chegou com o irmão Illia, de 11 anos, e a mãe, Iryna, de 46. A família saiu de Kharkiv e deixou muitos parentes para trás.

A cada segundo dos dois meses da guerra, ao menos uma criança precisou deixar sua casa. Até o dia 1.º de maio, 2,7 milhões de crianças ucranianas haviam fugido e 2,8 milhões estavam deslocadas internamente. “Mais de 4,5 milhões de crianças tiveram de fugir desde que a guerra começou”, disse James Helder, porta-voz da Unicef na Ucrânia.

Iryna vivia com o marido e os filhos em um prédio com apenas uma entrada e saída. Quando os ataques se intensificaram, Illia chorava todo dia e eles se mudaram para a casa da sogra dela. De lá, o marido decidiu que eles precisavam partir.

A maior parte dos refugiados vai para países vizinhos, mas muitos continuam se movendo. Até 18 de março, o Brasil tinha recebido 894 ucranianos, segundo a Polícia Federal. O País concedeu 74 vistos e 27 autorizações de residência humanitária entre 3 e 31 de março.

As dez crianças que estão em São José dos Campos vieram sem os pais. Algumas mantiveram o contato com eles pela internet. “Uma família recebeu a notícia da morte do pai quando já estava aqui, foi muito triste”, contou a ministra da igreja, Carmen Rangel.

Uma lei na Ucrânia proíbe que homens em idade de combate saiam do país. Por isso, 90% dos refugiados são mulheres e crianças. “A maioria teve de deixar os pais na Ucrânia. Então, o trauma é forte. O mundo delas virou de cabeça para baixo”, afirma Helder.

A adaptação não tem sido difícil. Alguns experimentaram pastel de feira pela primeira vez e disseram ter gostado. “Temos algo parecido na Ucrânia”, conta Iryna, mostrando uma foto no celular do pastel ucraniano.

Anastasia diz gostar da comida brasileira. Um dia antes, havia completado 15 anos e ganhou uma festa com coxinha, brigadeiro e bolo. Iryna sente saudades de Kharkiv e da família que ficou, principalmente do marido. “Gostaria de tê-los comigo no Brasil.”

Anastasia não se informa sobre o que está acontecendo na Ucrânia e não sabe se um dia poderá ver toda a família reunida. “Às vezes chegam alguns meninos querendo me mostrar as coisas de lá, mas eu não quero ver.” Com o olhar alegre novamente, ela mostra um caderno de desenhos que trouxe na mochila, onde guarda retratos dela e “dos novos amigos”.

A incerteza é um sentimento em comum. Apenas a menina Sofia fala inglês e ajuda os funcionários da igreja a se comunicarem com as outras famílias. A jovem Cauna, que domina o russo, dá as aulas e vibra com cada acerto.

Muitos aviões

As aulas de português foram o início da adaptação. As crianças e adolescentes caminham entrosados, conversando e rindo, enquanto a aula não começa. As lições são vistas como a porta de entrada de uma nova vida. “Lá (na Ucrânia) eu chegava para a aula, sentava e escrevia. Aqui, posso levantar, ir ao banheiro, comer no intervalo. Estou gostando”, afirma Anastasia.

Mas o medo da guerra acompanha a todos, mesmo a distância. “Aqui passam muitos aviões. Um dia, quando um passou e fez um barulho, um menino começou a chorar, com medo de que fosse uma bomba”, conta Carmen.

O caminho para chegar ao Brasil foi árduo e ainda é um assunto tabu. “A maior necessidade das crianças ainda é a segurança. Centenas foram mortas. Não pensamos em quanta dor esses pais e avós vão carregar para sempre”, diz Helder.

Até 12 de abril, 148 crianças foram mortas e 233 feridas na guerra. A Unicef diz que 3 milhões precisam de ajuda humanitária e 3,6 milhões de apoio educacional ou emocional.

As crianças que continuam na Ucrânia também deixaram para trás a rotina. Muitas passam a maior parte do tempo em abrigos subterrâneos ou fugindo para outras cidades. Em Mariupol e Kherson, elas estão há semanas sem água, comida e serviços sanitários.

“A palavra que resume é trauma. Elas estão vivendo sob grande estresse, morando em bunkers ou porões há semanas, por vezes sem ver a luz do dia, com falta de água e comida. Imagine o estresse de viver em um país em guerra e, de repente, ter de deixar sua casa”, explica Helder.

Uma em cada seis escolas apoiadas pela Unicef no leste da Ucrânia foi destruída ou danificada desde o início da guerra. De 89 escolas incluídas num programa de proteção em Donbas, 15 foram arrasadas. A guerra se tornou a pior crise humanitária da Europa desde a 2.ª Guerra – são 5,7 milhões de refugiados, segundo a ONU.

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Com informações do Estadão

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