Reunião ministerial do governo Lula. Foto: Ricardo Stuckert.

Lula não aprovou nenhum projeto no Congresso no início da gestão e deixou de entregar promessas de campanha, além de eleger Banco Central como alvo e reverter marco do saneamento

Por Daniel Weterman

O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva chega nesta segunda-feira, 10, aos 100 primeiros dias sem cumprir as principais promessas de campanha na economia e ainda marcou o início da gestão atacando reformas recentes, como o Marco Legal do Saneamento e a autonomia do Banco Central, além da política de preços da Petrobras.

O arcabouço fiscal, regra que substituirá o teto de gastos, deve ser apresentado ao Congresso nesta semana, mas ainda não há um texto finalizado. Além disso, as medidas necessárias para aumentar a arrecadação e sustentar a nova âncora ficarão para o segundo semestre, aumentando as incertezas sobre a intenção de zerar o déficit público em 2024.

Outras propostas centrais de Lula na campanha e na transição de governo ficaram pelo caminho, ou foram adiadas. Na lista de grandes projetos, o governo abriu mão de encaminhar uma nova reforma tributária, proposta que será encabeçada pelos parlamentares a partir dos textos que já estão no Congresso e que ainda não tem apoio para ser aprovada.

Entre as medidas populares, o governo não aumentou a isenção do Imposto de Renda e ainda não fez a correção na tabela, como prometeu. Lula havia prometido isentar quem recebe até R$ 5 mil mensais. Agora, o Executivo fala em fazer a mudança de forma gradual, estabelecendo a isenção para quem recebe até R$ 2.640 a partir de maio.

Sem uma reforma tributária, medidas criticadas por aliados de Lula na forma de o governo cobrar impostos também permanecem intocadas. As distorções no Imposto de Renda, que cobra menos proporcionalmente dos mais ricos, e as isenções, que ultrapassam R$ 400 bilhões, por exemplo, ainda não foram tocadas.

O aumento do salário mínimo, prometido pelo governo para entrar em vigor logo no primeiro mês de gestão, também foi adiado. Sem espaço no Orçamento, o reajuste do valor para R$ 1.320 ficou para o dia 1º maio. Nos 100 primeiros dias de mandato, Lula ainda não aprovou nenhum projeto no Congresso. O Desenrola, programa anunciado para renegociar as contas de endividados, também não saiu do papel nesse período porque o governo não conseguiu tirar do papel o software em que será feita a renegociação.

Após ter começado o mandato enfrentando uma tentativa de golpe, no dia 8 de janeiro, e uma ameaça de “apagão” no Congresso com a guerra entre Câmara e Senado em torno das medidas provisórias, Lula optou por recuperar programas antigos, focando a atuação na área social. Reformulou o Bolsa Família e resgatou o Minha Casa, Minha Vida, mas foi criticado por não ter revisado o desenho desses benefícios e corrigido distorções.

Sem uma marca para inaugurar os 100 primeiros dias, o governo optou por criticar o Banco Central, pressionar pela redução dos juros e ameaçar reverter medidas aprovadas em governos anteriores, como a autonomia do BC, a política de preços da Petrobras e a privatização da Eletrobras, empresa com foco em geração e transmissão de energia, a única estatal que o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro conseguiu privatizar.

As mudanças no Marco Legal do Saneamento, assinadas por dois decretos do presidente, provocaram um recuo no “coração” do programa e permitiram a continuidade de contratos sem licitação no setor, beneficiando estatais que não conseguiram comprovar capacidade para entregar água e esgoto tratados para a população nos prazos estabelecidos pela lei aprovada em 2020.

A modernização das relações de trabalho, proposta apresentada após o governo ter desistido de revogar a reforma trabalhista, também está na gaveta do gabinete presidencial. O governo prometeu editar normas de proteção aos entregadores e motoristas de aplicativo e tenta conciliar o interesse dos trabalhadores com o das empresas, mas nada foi feito.

“A única coisa que o governo Lula fez nesses 100 dias foi interromper a destruição do governo Bolsonaro no meio ambiente e na educação e organizar o arcabouço fiscal. Se ele tivesse só ficado nisso, eu já estava satisfeita. O problema é que fez coisa que não devia”, afirma a economista Elena Landau, citando medidas como a renovação de isenções tributárias, a opção por escolher setores beneficiados pelo BNDES e os ataques ao marco do saneamento e ao Banco Central.

No saneamento, dois decretos de Lula reverteram mudanças aprovadas pela nova lei do setor, que proibiu a continuidade de contratos sem licitação entre municípios e empresas estatais. “A maior apunhalada no social e a decisão menos compreensível é andar para trás no marco legal do saneamento, só por causa do corporativismo estatal”, critica Landau. Como mostrou o Estadão, o Congresso já estuda derrubar os decretos.

Investimentos

Após os 100 primeiros dias, o governo quer acelerar a realização de obras e impulsionar os investimentos públicos como estratégia para gerar crescimento econômico. Em recente reunião com ministros, no último dia 3, o presidente afirmou que o Brasil vai crescer “mais do que os pessimistas estão prevendo” neste ano, ou seja, maior do que as projeções de analistas do mercado financeiro, que são inferiores a 1% de aumento no Produto Interno Bruto (PIB), mas não disse como.

“Tem muita coisa para gente investir, sobretudo em obras de infraestrutura, tem recursos para que a gente faça os investimentos necessários” afirmou Lula aos ministros a pedir um planejamento para o governo depois dos 100 primeiros dias.

O Orçamento de 2023 autorizou o governo a investir um montante de R$ 71 bilhões em 2023, recuperando as perdas dos últimos anos, mas ainda é inferior aos valores gastos nos dois mandatos anteriores de Lula. Além disso, 30% dos investimentos estão nas mãos das emendas parlamentares e não obedecem aos critérios do Executivo para a escolha das obras beneficiadas, situação diferente do que Lula já vivenciou.

“Nos 100 primeiros dias, nós tivemos de volta a vacina, tivemos de volta o Minha Casa Minha Vida, o Bolsa Família, o Mais Médicos. Tivemos de volta o Brasil”, afirmou o líder do governo no Congresso, senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), comemorando o início da gestão e expondo expectativa positivo para o andamento das primeiras medidas provisórias de Lula e do novo arcabouço fiscal. O projeto das novas regras fiscais deve ser protocolado até o dia 14. “Acho que não teremos dificuldade para aprovar o arcabouço e teremos os votos até da oposição”, disse o senador.

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Com informações do Estadão

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