Olaf Scholz, primeiro-ministro da Alemanha. Foto: Reprodução.

O ex-ministro do Exterior e atual presidente Frank-Walter Steinmeier já admitiu “erros de avaliação” que custaram muita credibilidade à Alemanha

Por Christoph Hasselbach

Alemanha enfrenta crise generalizada de credibilidade desde a invasão da Ucrânia. Com rumo oscilante, país é visto como dono de fortes laços com a Rússia. Parte do problema é a autoimagem alemã do pós-guerra.

Um ano atrás, encerrava-se o mandato de Angela Merkel como chanceler federal da Alemanha. Na despedida, seus colegas políticos não pouparam elogios, classificando-a como a principal figura de liderança da União Europeia e uma das mais importantes do Ocidente. O presidente do Conselho da Europa, Charles Michel, a louvou como nada menos do que “um monumento” e “uma figura de luz de nosso projeto europeu”.

Em seus 16 anos de governo, contudo, a democrata-cristã também foi corresponsável por impedir a filiação da Ucrânia à Otan, assim como por autorizar o gasoduto Nord Stream 2, ligando a Rússia à Alemanha pelo Mar Báltico – pouco depois de Moscou ocupar a península ucraniana da Crimeia. Na despedida solene, contudo, poucos atentaram para esses fatos.

Em 24 de fevereiro de 2022, a ministra do Exterior alemã, Annalena Baerbock, declarou: “Nós acordamos num outro mundo.” A invasão da Ucrânia pelas tropas russas não só colocou de cabeça para baixo a ordem pós-guerra da Europa, mas também a avaliação da política alemã para a Rússia.

No começo de abril, diante das imagens dos cadáveres de Bucha, o presidente Volodimir Zelenski convidou Merkel a visitar esse subúrbio de Kiev, a fim de formar uma ideia de “a que levou a política de concessões à Rússia, em 14 anos”.

Em entrevista recente à DW, o autor ucraniano Andrey Kurkov comentou ter percebido “muitas emoções antigermânicas” em seu país, e “Angela Merkel é abertamente citada como a culpada”. Acusações semelhantes também partem da Polônia e do Báltico, e não visam apenas a veterana conservadora, mas toda uma geração de políticos alemães que apostou na “mudança através do comércio”.

“Mudança de paradigma”, mas não tanto assim

O ex-ministro do Exterior e atual presidente Frank-Walter Steinmeier já admitiu “erros de avaliação” que custaram muita credibilidade à Alemanha. Tanto no país quanto no exterior, condena-se como escandaloso sobretudo o papel de seu camarada social-democrata Gerhard Schröder: um ex-chanceler federal que até hoje se recusa a distanciar-se do presidente russo, Vladimir Putin.

Quando a invasão russa da Ucrânia começou, o atual chefe de governo, Olaf Scholz, anunciou no parlamento federal uma zeitenwende, uma “mudança de paradigma”. Por outro lado, advertiu contra uma terceira guerra mundial, hesitou em fornecer armas à Ucrânia e em decretar um boicote abrangente do gás e petróleo russos.

Por isso, nem todo mundo engoliu a “mudança de paradigma” do chanceler federal: seu homólogo polonês, Mateusz Morawiecki, o acusou de continuar bloqueando sanções mais decididas por parte da UE.

Tem havido outros sinais de um desgaste de prestígio: no começo de abril, realizaram-se protestos diante da embaixada da alemã na capital lituana, Vílnius, por Berlim não ter apoiado o embargo total à energia russa.

Nos Estados bálticos, as relações estreitas com o Kremlin nunca foram vistas com bons olhos, pois os habitantes da Estônia, Letônia e Lituânia temiam se tornar as próximas vítimas de Putin.

O jornal tcheco Lidove noviny classificou como “defensiva” a posição de Scholz: na questão do fornecimento de armas à Ucrânia, sua atitude seria de “‘sim, mas…’, má comunicação e opiniões vacilantes”.

O especialista em Leste Europeu Volker Weichsel alerta que essa reserva do político social-democrata não é benéfica nem mesmo perante Moscou: “É equivocada a suposição de que o assim chamado ‘comedimento’ tenha efeito positivo na percepção da Alemanha na Rússia. Muito pelo contrário: antes, a propaganda de Moscou apresentava exageradamente o país como amigo; e agora, de modo igualmente exagerado, como inimigo”, explicou à DW.

Perda de reputação até no Eurovision

Henning Hoff, da Associação Alemã de Política Externa (DGAP), detecta “desconfiança”, sobretudo entre poloneses e bálticos, de que “no fim das contas, Berlim quer mesmo é negociar alguma coisa com Moscou, por cima de todas as cabeças”. Trata-se de reminiscências, ainda muito presentes nos países afetados, do pacto de 1939 entre o nazista Adolf Hitler e o soviético Josef Stalin, em que as duas ditaduras dividiram o Leste Europeu entre si.

Outros europeus também criticam a hesitação da Alemanha quanto ao fornecimento de armas, o embargo energético e uma futura filiação da Ucrânia, registra Volker Weichsel: “Da Alemanha, espera-se liderança na União Europeia. Mas, independente de que questão da política para Rússia e Ucrânia se trate, o governo sempre reagiu atrasado e só sob pressão externa.”

No tocante aos armamentos, o embaixador ucraniano na Alemanha Andriy Melnyk chegou a expressar a suspeita de que “o chanceler federal não quer fornecer”: “Dá para ter a impressão de que se está esperando até haver um cessar-fogo. Aí acaba a pressão sobre a Alemanha, e não é mais preciso tomar decisões corajosas”, comentou à rede jornalística Redaktionsnetzwerk Deutschland.

Os danos à imagem do país se manifestaram também em outro campo totalmente diferente: talvez o festival da canção Eurovision nunca tenha sido tão político como em 2022, como se esperava, o público deu notas máximas aos candidatos da Ucrânia, a banda Kalush Orchestra. Porém o último lugar também foi político, e quem ficou com ele foi a Alemanha.

Alemanha deve reconsiderar seu papel na paz mundial

Onde Berlim perde prestígio, outros podem sair ganhando. Já se viram primeiros indícios nesse sentido na terça-feira (17/05), quando Zelenski conversou ao telefone tanto com Scholz quanto com Emmanuel Macron.

Enquanto descreveu, um tanto desconsolado, a conversa com o político alemão como “bastante produtiva”, para o chefe de Estado ucraniano a com seu homólogo francês foi “substancial e longa”. Um dos assuntos foi o desejo de Kiev de se filiar rapidamente à UE.

Ainda assim, Henning Hoff não crê que Macron ascenderá a nova figura de liderança do bloco, pois “a desconfiança em relação à França também é grande”, desde que, “sem combinação prévia com os países do Centro e Leste da Europa, em 2019, Macron buscou um ‘diálogo estratégico’ com Putin”. No geral, não se pode deixar a política europeia a cargo da Alemanha e/ou da França, frisa o especialista da DGAP: “Os europeus do Centro e Leste, sobretudo os bálticos e poloneses, precisam ser muito bem escutados.”

Segundo Weichsel, há três iniciativas que Berlim poderia tomar, a fim de melhorar sua reputação: “Apoiar com toda força a solicitação da Ucrânia do status de candidata à UE; um apoio consequente aos esforços de defesa do país”; e por fim, como “tarefa hercúlea, uma guinada energética rápida e bem-sucedida”. “A perda de prestígio das últimas semanas será logo esquecida se a Alemanha demonstrar que tem um modelo com futuro”, prediz.

Numa alusão à política de entendimento do chanceler federal Willy Brandt na década de 1970, Hoff aconselha uma espécie de nova política para o Leste, “em primeiro lugar direcionada aos vizinhos próximos da Alemanha e seus parceiros na UE e Otan; e só num segundo estágio a uma Rússia – espera-se, em breve – pós-putinista”: Resumindo: só se reconquistará confiança através de uma europeização verdadeira da política para a Rússia.”

Volker Weichsel faz uma ressalva, porém: para além da política, é preciso uma nova autoimagem alemã. “Durante 70 anos, a sociedade alemã acreditou que poderia eliminar a guerra do mundo, apenas não se tornando, ela própria, novamente agressora. A noção de que alguém outro poderia ser o atacante e que seria preciso acudir uma vítima concretamente com armas, em vez de apenas ficar se desculpando pelas próprias ações do passado, para amplas parcelas de sociedade alemã, isso era impensável. E esse processo de repensar está apenas começando.”

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*Com informações da DW

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