EUA dizem que artefatos são veículos de espionagem. China nega e afirma tratar-se de aparelhos de pesquisa meteorológica. Incidente abala já tensa relação entre os dois países.
Por Redação
Os Estados Unidos reportaram na noite desta sexta-feira (03/02) um segundo balão chinês suspeito, desta vez sobrevoando a América Latina. Horas antes, a detecção de um objeto semelhante sobre os Estados Unidos havia resultado no cancelamento da visita do secretário de Estado americano, Antony Blinken, a Pequim.
Os EUA afirmam se tratar de veículos de espionagem. A China argumenta que são aparelhos civis de pesquisa meteorológica.
No sábado à tarde, o secretário de Defesa dos Estados Unidos, Lloyd Austin, informou que o balão que sobrevoava o país foi derrubado “com sucesso”no oceano, próximo à costa da Carolina do Sul.
Onde os balões foram avistados
O primeiro balão foi avistado sobre os EUA e, na quinta-feira, se movia para o leste, a uma altitude de cerca de 18.600 metros. Ele vagava sobre o estado de Montana, no noroeste do país, justamente onde estão localizadas bases aéreas de alta sensibilidade e mísseis nucleares em silos subterrâneos.
Autoridades americanas afirmaram que o governo de Joe Biden estava ciente do primeiro balão antes mesmo de ele cruzar para o espaço aéreo dos EUA, no Alasca, no início desta semana.
Até o começo da tarde deste sábado (04/02), o Pentágono não havia divulgado nenhuma informação adicional sobre o balão chinês avistado sobre a América Latina – nem mesmo sobre qual país ele estaria.
Embora o Pentágono não tenha dito sobre qual país o segundo balão se encontrava, o jornal La Nación, da Costa Rica, disse que esta seria uma explicação para o grande objeto branco, semelhante a um balão de gás, que muitos costarriquenhos teriam visto nos últimos dias.
O que dizem os EUA
Os Estados Unidos sustentam que se trata de espionagem. “O propósito do balão é, claramente, de vigilância”, disse um oficial americano que não quis se identificar na quinta-feira.
Na primeira declaração pública na noite de quinta-feira, o secretário de imprensa do Pentágono, brigadeiro-general Pat Ryder, disse que o balão não era uma ameaça militar ou física, o que significa que ele não carrega armas.
Além disso, o balão não representaria riscos à aviação civil, segundo informou um oficial da Defesa americana citado pela agência de notícias AFP.
“Avaliamos que esse balão possui valor adicional limitado, da perspectiva de coleta de material de inteligência”, disse um oficial sob anonimato.
O que diz a China
Sobre o balão nos EUA, o Ministério das Relações Exteriores da China afirma que se tratava de um veículo de pesquisa meteorológica. A pasta lamentou o ocorrido e disse que o balão tem capacidade limitada de “autodireção” e “desviou-se muito de seu curso planejado” por causa dos ventos.
“O lado chinês lamenta a entrada não intencional do balão no espaço aéreo dos EUA devido a força maior”, diz o comunicado.
A China informou que continuaria em contato com os EUA para lidar adequadamente com essa “situação inesperada”. Sobre o balão na América Latina,a China não confirmou nem desmentiu.
O Ministério do Exterior da China reforçou que “nunca violou o território e o espaço aéreo de nenhum país soberano”. No entanto, “alguns políticos e a mídia dos EUA usaram o incidente como pretexto para atacar e difamar a China”, alfinetou.
Pequim minimizou o incidente e suas consequências diplomáticas. O mais alto diplomata chinês, Wang Yi, diretor da Comissão Central de Assuntos Externos do Partido Comunista da China, comentou que “confrontadas com situações inesperadas, ambas as partes precisam manter a calma, comunicar em tempo hábil, evitar juízos equivocados e gerir diferenças”.
O que os balões podem fazer
O especialista em segurança internacional Ian Chong disse em entrevista à DW que, embora não se saiba muitos detalhes sobre os balões, eles poderiam ser usados para coletar uma variedade de dados.
“Esses balões de alta altitude em geral têm uma série de funções. Eles podem fazer qualquer coisa, desde imagens até a coleta de amostras do ar e a tentativa de coletar sinais de inteligência”, disse Chong, acrescentando que ainda não há informações suficientes em mãos para determinar seu propósito exato.
Como os balões afetam a relação entre EUA e China
Após a descoberta do primeiro balão, os Estados Unidos decidiram cancelar a viagem do secretário de Estado americano, Antony Blinken, à China, enquanto o governo de Joe Biden estuda uma resposta ao incidente.
O anúncio foi feito horas antes de Blinken partir de Washington para Pequim e marca um novo golpe nas já tensas relações entre os Estados Unidos e a China.
Um alto funcionário afirmou que a gravidade da violação do espaço aéreo, da soberania e do direito internacional é tanta que a viagem de Blinken não poderia ser mantida.
O funcionário chamou a presença do balão de “inaceitável” e disse que a mensagem foi entregue por Blinken ao conselheiro de Estado chinês Wang Yi nesta sexta-feira. A visita será remarcada assim que as circunstâncias permitirem, disse um alto funcionário do Departamento de Estado em Washington.
A visita de dois dias de Blinken à China ocorreria no domingo e na segunda-feira e incluiria um encontro com o presidente chinês, Xi Jinping.
Seria a primeira viagem de um chefe da diplomacia dos EUA à China desde 2018. Entre os temas a serem discutidos estariam o abalo das relações bilaterais gerado pelas tensões envolvendo o território insular autogovernado de Taiwan.
Wen-Ti Sung, cientista político da Universidade Nacional Australiana, disse à DW que o incidente mostra “como as relações entre a China e os EUA são instáveis”.
“Se mesmo um incidente relativamente pequeno pode atrapalhar uma visita há muito esperada, isso mostra que eles ainda acham difícil confiar uns nos outros como parceiros de longo prazo”, destacou.
Ele acrescentou que a China também precisará encontrar maneiras de melhorar suas relações com os legisladores dos EUA, já que a declaração do Departamento de Estado observou que o adiamento da viagem de Blinken ocorreu após consultas ao Congresso.
“Isso sinaliza que a principal razão por trás da decisão dos EUA de adiar a viagem tem a ver com a pressão do Congresso”, disse ele, observando que o governo do presidente Joe Biden provavelmente teria enfrentado críticas de legisladores republicanos.
Decisão de abater o balão
Dois pré-candidatos à presidência dos EUA em 2024, o ex-presidente Donald Trump e a ex-governadora da Carolina do Sul Nikki Haley, defenderam desde o começo que o balão fosse abatido.
Inicialmente, o secretário americano da Defesa, Lloyd Austin, e autoridades militares de alto escalão descartaram abrir fogo contra o objeto. Aviões de combate chegaram a ser enviados para examinar de perto o balão, e caças a jato, incluindo F-22s, estariam prontos para abatê-lo, caso solicitado.
Em um primeiro momento, as autoridades divulgaram que chegaram à conclusão de que, se fosse abatido, o balão poderia colocar em perigo vidas em solo, visto que, mesmo que estivesse sobre uma área pouco povoada de Montana, seu tamanho criaria um campo de detritos grande o suficiente para colocar pessoas em risco.
Por fim, na tarde de sábado, Austin afirmou que o balão havia sido abatido com dois aviões de combate sobre as águas, ao largo da costa da Carolina do Sul.
“Na quarta-feira, o presidente Biden deu sua autorização para derrubar o balão de vigilância assim que a missão pudesse ser cumprida sem risco indevido para as vidas dos americanos que se encontram na trajetória do balão”, diz comunicado do Departamento de Defesa dos EUA.
Biden confirmou a jornalistas que havia dado a ordem já na quarta-feira, antes mesmo de a história vir a público.
De acordo com a Defesa americana, foram desenvolvidas opções para abater o balão “de maneira segura” sobre a água e decidiu-se finalmente realizar a ação neste sábado, em coordenação com o governo canadense.
“A ação deliberada e legal deste sábado demonstra que o presidente Biden e sua equipe de segurança nacional sempre colocarão a segurança do povo americano em primeiro lugar, enquanto respondem efetivamente à violação inaceitável de nossa soberania por parte da República Popular da China”, finaliza o comunicado da Defesa.
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Com DW via AP, AFP, DPA, ots