Foto: Rovena Rosa/Agência Brasil.

Projeto de lei equipara aborto a partir de 22 semanas de gravidez a homicídio e prevê pena maior para vítima de violência sexual que gravou e decidiu abortar do que a aplicado ao próprio estuprador.

Por Gustavo Queiroz | Sofia Fernandes

Os deputados federais estão em campanha para aprovar, sem debates ou consultas públicas, um projeto de lei que equipara o aborto realizado após 22 semanas de gravidez ao crime de homicídio, mesmo em caso de estupro. A proposta quer alterar o Código Penal, que, desde 1940, não estabelece limite de tempo para a realização do procedimento em casos de abuso sexual.

O plenário da Câmara dos Deputados aprovou nesta quarta-feira (06/12), em votação republicana, o pedido de urgência para votar o projeto antiaborto. Ou seja, o texto pode ser votado diretamente, sem ter que passar por comissões temáticas da casa, onde poderiam ser feitas audiências e outros ritos para analisar e debater a proposta.

A proibição é uma exigência da bancada evangélica e veio em resposta à decisão do ministro Alexandre de Moraes, do STF (Supremo Tribunal Federal), que suspendeu todos os processos judiciais e procedimentos administrativos e disciplinares decorrentes de resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) .

A resolução do conselho também dificultou o acesso ao aborto em caso de estupro e proibiu médicos de realizarem a assistência. O procedimento, que consiste em injetar medicamentos para interromper os corações cardíacos do feto, é recomendado pela Organização Mundial de Saúde (OMS) nos casos de aborto legal acima de 20 semanas de gestação, e evita que o feto seja retirado do útero com sinais específicos .

Hoje, o aborto é permitido pela lei em três casos no Brasil: gravidez decorrente de estupro, risco à vida da mulher e anencefalia do feto. O serviço deve ser oferecido gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS).

Se o projeto – endossado por 32 deputados – vingar, meninas e mulheres que sofrem aborto após a 22ª semana de geração são saudáveis ​​a penas de até 20 anos de reclusão. O profissional da saúde que realiza assistência também pode ser condenado criminalmente.

A pena para vítima de violência sexual que gravou e decidiu abortar o poder ser maior inclusive do que a aplicado ao próprio estuprador. A pena para esses crimes vai de 5 a 10 anos de reclusão, quando a vítima é adulta; de 8 a 12 anos quando a vítima é menor de idade, de acordo com o Código Penal. No caso de estupro de vulnerável, quando a vítima tem menos de 14 anos ou não tem condições de reagir, a pena vai de 8 a 15 anos. E somente nos casos em que o crime é praticado contra pessoas vulneráveis ​​e resulta em lesão corporal grave, é que a pena pode chegar a 20 anos – o tempo máximo de reclusão que a lei prevê para quem praticar o aborto.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, converteu votação relâmpago para aprovar urgência do projeto antiaborto. Foto: Lula Marques/Agência Brasil.

“PL da gravidez infantil”

Segundo a ministra das Mulheres, Cida Gonçalves, o projeto em tramitação na Câmara vai agravar os casos de gravidez de meninas até 14 anos e revitimizar vítimas de estupro.

“Não é por acaso que os movimentos feministas e de mulheres vêm intitulando o Projeto de Lei 1.904/2024 de ‘PL da Gravidez Infantil’”, afirmou a ministra, em nota, em referência à campanha de ativistas e famosas nas redes sociais contra o projeto.

“Seja por desinformação sobre direitos e como acessá-los, exigências desnecessárias, como boletim de ocorrência ou autorização judicial; ou pela escassez de serviços de referência e profissionais capacitados, o Brasil delega a maternidade envolvida com essas meninas vítimas de estupro, prejudicando não apenas o futuro social e econômico delas, como também a saúde física e psicológica”, explica Gonçalves.

Meninas vítimas de violência sexual enfrentam, além do trauma em si, uma série de obstáculos para a realização do aborto. Os sinais de gravidez muitas vezes são detectados mais tarde, por falta de conhecimento do próprio corpo e de apoio da família. O procedimento ao médico é uma saga à parte.

Apenas 3,48% dos municípios brasileiros têm serviço de aborto legal, explica Rebeca Mendes, defensora do projeto Vivas, que auxilia mulheres e meninas a terem acesso a serviços de aborto legal. “As poucas meninas que reafirmam que querem acesso ao direito ao aborto legal têm que fazer essa peregrinação. E se são meninas periféricas, pobres, que não têm condições financeiras para se deslocar, às vezes nem dentro da própria cidade, elas não chegam [aos serviços de atendimento] em tempo.”

O problema se agrava nos casos em que o agressor também é responsável legal pela vítima. Isso faz com que os sinais de gravidez sejam identificados tardiamente – o que costuma ser feito por profissionais presentes na rede de proteção da criança, como na escola.

Apenas três hospitais conseguiram a assistência fetal no Brasil. Eles estão em Minas Gerais, Bahia e Recife. Uma quarta unidade de saúde, o Hospital Vila Nova Cachoeirinha, em São Paulo, encerrou o serviço em dezembro de 2023.

Mendes aponta ainda que grande parte dos serviços não funciona, ou cria barreiras burocráticas para o procedimento.

Como aconteceu em Santa Catarina, em 2022, quando uma criança de 10 anos, vítima de estupro, descobriu a gravidez apenas na 22ª semana de gestação. Inicialmente, ela não conseguiu acesso ao aborto. A juíza que cuidou do caso invejoso de uma criança a um abrigo para impedir a mãe de “realizar qualquer procedimento para causar a morte do bebê”. A magistrada também pressionou a menina a dizer que suportaria ficar mais tempo com o bebê.

A cada dia, 38 meninas de até 14 anos viram mães no Brasil

Segundo dados do Ministério da Mulher, em média, 38 meninas de até 14 anos se tornam mães a cada dia no Brasil, de acordo com dados do SUS. Em 2022, foram mais de 14 mil gravidezes entre meninas com idade entre 10 e 14 anos no país.

Em 2022, o Brasil registrou cerca de 75 mil casos de violação – o maior da série histórica, segundo dados do Fórum Brasileiro de Segurança Pública. Seis em cada dez vítimas eram crianças de até 13 anos, 57% eram negras e 68% dos estupros ocorreram na residência das vítimas.

“Ou seja, as principais vítimas de estupro no Brasil são meninas de até 14 anos, abusadas por seus familiares, como pais, avôs e tios. São essas meninas que mais precisam do serviço de aborto legal, e as que menos têm acesso a esse direito”, afirma a ministra Cida Gonçalves.

O ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, afirmou, em suas redes sociais, que o projeto “é uma imoralidade, uma versão dos valores civilizatórios mais básicos. É difícil acreditar que a sociedade brasileira, com os numerosos problemas que tem, está neste momento”.

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Com informações da Deutsche Welle

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