Governadores Eduardo Leite e João Doria. Foto: Reprodução.

Projeto presidencial não conta com ampla concordância na legenda, que pode perder parlamentares após a disputa interna; ‘Não convoquei uma confraria’, diz Bruno Araújo

Por Pedro Venceslau e Adriana Ferraz

Em sua reta final, as primeiras prévias nacionais da história do PSDB para a escolha do seu candidato ao Palácio do Planalto cumpriram a missão de dar visibilidade ao partido no debate sobre a construção de uma terceira via na disputa presidencial em 2022, mas o processo interno ajudou também a esgarçar o ambiente já bastante tensionado da sigla. No radar de importantes líderes tucanos está o temor de que o partido saia fraturado da votação marcada para o próximo domingo.

Um projeto presidencial encabeçado pelo PSDB não conta com ampla concordância na sigla. Em parte por causa de profundas rixas internas e em parte por uma disputa por recursos para as futuras campanhas eleitorais. 

Durante a última semana antes da votação, os governadores João Doria (SP) e Eduardo Leite (RS) se esforçaram para transparecer um clima de entendimento. Tomaram chimarrão no Palácio Piratini, em Porto Alegre, e foram mais cordiais durante o debate realizado pela CNN Brasil.

Nesta quinta-feira, 18, porém, Leite jogou farpas no correligionário paulista em uma entrevista convocada para negar que tenha pedido a Doria o adiamento do início da campanha da vacinação, em janeiro. 

Os governadores paulista e gaúcho concorrem de fato à vaga de presidenciável tucano – Arthur Virgílio (AM), o outro nome na disputa, não tem chances. O vencedor das prévias terá de se deparar com uma questão central: a possibilidade de uma debandada de parlamentares tucanos, o que pode encolher a bancada federal do partido. Em conversas reservadas, quadros do PSDB calculam que até 15 dos 34 deputados federais podem deixar a legenda na janela de transferência partidária do ano que vem, período em que é permitido mudar de agremiação sem perder o mandato. 

Esse processo é motivado por uma mistura de cálculos e predileções eleitorais locais, briga por recursos e ressentimentos políticos. Em Estados onde o bolsonarismo tem mais força, como Acre, Rondônia e Mato do Grosso do Sul, os tucanos locais teriam dificuldade em se eleger no campo da oposição. Mas há também o caso do grupo liderado pelos deputados mineiros Aécio Neves e Paulo Abi Ackel. Ambos são desafetos declarados de Doria e dificilmente ficarão no PSDB no caso de vitória do governador paulista. 

“Eu não convoquei uma confraria, mas uma eleição. E eleição é disputa e passionalidade. Isso deixa marcas que levam tempo e exigem maturidade para que se reconfigure um processo de unidade plena. Vai depender da absoluta capacidade do líder escolhido no domingo de construir pontes. Não precisa ser do dia para a noite e nem numa semana. Há tempo”, disse ao Estadão o presidente nacional do PSDB, Bruno Araújo. 

Questionado sobre uma possível debandada, Abi Ackel foi enigmático. “Ninguém sabe qual será o resultado das prévias e como o vencedor vai se posicionar. As prévias devem ser instrumento de inclusão e não de exclusão. Não faz sentido o partido sair menor desse processo.” 

Os dois lados da disputa interna estão cientes dos possíveis efeitos. Na última terça-feira, o coordenador da pré-campanha de Doria, Wilson Pedroso, viajou a Porto Alegre para organizar a visita do governador paulista ao Rio Grande do Sul e aproveitou para tomar um café com o deputado federal Lucas Redecker (RS), que comanda a campanha de Eduardo Leite. 

Na conversa, eles concordaram que é preciso fazer um gesto para unificar o partido depois das prévias. Combinaram um encontro de aproximação com a bancada com a presença dos dois governadores, independente de quem for o vencedor do pleito interno. A leitura de ambos é que será preciso recuperar o eleitor tucano que migrou para o bolsonarismo após as eleições de 2018, quando o PSDB registrou o pior resultado de sua história em uma eleição presidencial. “Apesar das caneladas, a gente criou relações com as prévias. Em São Paulo tivemos caneladas nas prévias (em 2016 e 2018), mas todo mundo saiu unido”, disse Pedroso. 

O senador José Aníbal, que integra a comissão organizadora do processo, recorre uma frase do ex-vice-presidente da República Marco Maciel ao falar sobre a possibilidade de um racha pós-prévias: “As consequências vêm depois”, disse. “Seria um anticlímax se não houvesse unidade no dia seguinte.” 

Contra o anticlímax, Virgílio aposta no fair play dos caciques tucanos. Para o ex-prefeito de Manaus, a maior parte da bancada federal começou a votar com o governo de Jair Bolsonaro porque não tinha perspectiva em relação ao próprio partido. “Espero que não tenha debandada. Tem que ser um compromisso de honra apoiar o perdedor”, afirmou. 

Com apenas 44,7 mil tucanos aptos a votar no domingo em um universo de 1,3 milhão de filiados, o PSDB montou uma operação para sanar eventuais problemas com o aplicativo criado para a votação nas prévias. A executiva nacional montou um call center no diretório em Brasília com mais de 20 atendentes disponíveis para ajudar os tucanos que tiverem dificuldades com o aparato, que exige, entre outras coisas, uma dupla identificação facial. 

O sistema, que é inédito no Brasil, foi motivo de polêmica e suspeitas nos bastidores da campanha. Há o temor de que o processo possa ser prejudicado pelo eventual mau funcionamento do aplicativo que foi criado pelo PSDB para que os filiados votem remotamente. 

Após passar por diversas etapas de aperfeiçoamento, segundo a comissão de prévias, e até mesmo de uma simulação do processo de votação ontem, o app ainda desperta desconfiança em relação ao seu funcionamento e segurança. Diretórios mais organizados do partido tanto ligados a Leite quanto a Doria também vão oferecer suporte técnico. 

O sistema é de difícil manuseio, o que, de acordo com a região do País, ainda pode ser intensificado pelo baixo sinal de internet. Na capital paulista, base de Doria, o diretório municipal montou 40 postos avançados onde os filiados terão acesso a tablets e internet.

A tecnologia não poderá resolver o atual ponto nevrálgico do PSDB. O partido que ganhou a fama de se acomodar no equilíbrio do muro acumulou ao longo dos anos significativas divisões internas. Qual será o papel das primárias num processo de conciliação ou ruptura é o que se verá nos próximos dias. 

Com Estadão

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