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Mais do que nunca, é preciso resgatar a confiança nas instituições de poder

Por Coluna Estadão

A democracia torna-se insustentável sem confiança, especialmente nas instituições. Se os cidadãos se convencem de que a lei não vale para todos, de que a política é sinônimo de corrupção e de que a imprensa deixou de ser um mediador fidedigno do que acontece, cria-se uma atmosfera de frustração com o regime democrático, que pode levar a sociedade à anomia – e, no limite, a aceitar ou mesmo desejar soluções autoritárias. Assim, mais do que nunca, é preciso resgatar a confiança nas diversas instituições de poder numa democracia, como salientaram vários dos participantes do “Estadão Summit Brasil – O que é Poder?”, realizado na quarta-feira passada em São Paulo.

Numa sociedade que se pretende livre, o exercício do poder, em suas múltiplas instâncias, só se viabiliza se for um empreendimento coletivo, o que pressupõe a aceitação da legitimidade dos diversos atores políticos. Esse empreendimento demanda um debate público constante, que não se limita ao Congresso nem às campanhas eleitorais. Neste momento em que o poder se encontra tão fragmentado, graças às várias formas de expressão postas à disposição pelo mundo digital, o desafio é dar um sentido ao debate para torná-lo proveitoso para o conjunto da sociedade, e esse é o papel – e o grande desafio – da imprensa profissional, como salientou o diretor-presidente do Grupo Estado, Francisco Mesquita Neto, na abertura do encontro, que reuniu personalidades de diversos campos.

A mensagem mais potente do evento é a de que a turbulência que o Brasil atravessa, malgrado seus riscos e ameaças intrínsecos, é igualmente uma oportunidade única para melhorar as relações entre os cidadãos e destes com as instituições democráticas. Para isso, é preciso que todos os líderes e empreendedores interessados na superação da crise e no aprimoramento da democracia atuem mais concretamente no sentido de recuperar a credibilidade dos poderes instituídos e os valores republicanos.

O momento é ideal. Bem ou mal, como lembraram vários participantes do “Estadão Summit Brasil”, poucas vezes na história recente se falou tanto em política e também de direito, ainda que não exatamente de maneira positiva. Não é mais possível ignorar, por exemplo, que a desconfiança generalizada dos cidadãos resulta em parte da sensação de que a lei não vale para todos e de que aos poderosos é reservada uma interpretação mais benevolente da lei. Essa percepção de que as regras são aplicadas somente para os cidadãos comuns mina a disposição de aceitar as autoridades constituídas. Do mesmo modo, há uma perigosa frustração de expectativas, isto é, um abismo entre o que é prometido pelos políticos e o que o Estado é capaz de entregar aos eleitores, o que resulta em contestação da própria política.

Os interessados em resgatar a confiança nas instituições devem lutar para que a política recupere sua utilidade como ferramenta de negociação legítima entre partes com vontades divergentes, para que o Estado seja eficiente e traduza os verdadeiros anseios da sociedade. Devem, igualmente, zelar para que haja segurança e estabilidade jurídica, para que nenhum cidadão esteja acima da lei.

Nesse esforço, a imprensa, hoje sob intenso ataque de governantes e movimentos autoritários, deve recuperar seu papel de guardiã e curadora dos fatos concretos e relevantes, sem os quais não se formulam políticas públicas consistentes nem os cidadãos são capazes de se orientar e tomar decisões importantes para suas vidas.

Tal empreendimento não pode prescindir da ajuda das empresas de tecnologia que controlam as redes sociais. Mais do que nunca, essas companhias gigantescas devem assumir suas responsabilidades na luta em favor da verdade e da imprensa livre e responsável, agindo com presteza contra os que abusam da liberdade e atentam contra a democracia ao disseminar mentiras, estimular o ódio e destruir os laços de solidariedade que caracterizam as sociedades civilizadas.

Não é um problema menor. Num ambiente intoxicado de extremismo, o exercício do poder democrático, que representa o ponto de convergência dos mais diversos atores políticos da sociedade, torna-se simplesmente impossível.

Fonte: O Estado de S. Paulo

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