Plenário da Câmara na data de votação da derrubada do veto à imposição de penas mais duras a quem compartilha fake news Foto: Luis Macedo/Câmara dos Deputados

Grupo de parlamentares afirma que é preciso mais tempo para debate, apesar de proposta estar em discussão há três anos; movimento tem apoio de plataformas digitais

Por Julia Affonso

BRASÍLIA – Um bloco com mais de cem deputados pressiona o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), a retardar a votação do Projeto de Lei das Fake News. O movimento também conta com apoio das chamadas big techs, como Google. Apesar de a proposta estar em discussão no Congresso há três anos, os dois grupos afirmam que é preciso mais debate e defendem a criação de uma comissão especial na Câmara para analisar o texto antes de levá-lo ao plenário.

A versão mais recente do PL prevê que políticos não poderão bloquear seguidores em seus perfis oficiais nas redes sociais e que aplicativos de mensagens devem limitar a distribuição massiva de conteúdos e mídias, por exemplo. Há previsão de multa entre R$ 50 mil e R$ 1 milhão, por hora, para empresas que não cumprirem decisões judiciais para “remoção imediata de conteúdo ilícito”. Divulgação de desinformação passará a ser punida com até três anos de prisão.

A previsão é de que os deputados votem o requerimento de urgência da proposta na próxima quarta-feira. São necessários 257 votos para aprovação deste regime de tramitação. Caso seja aprovada a urgência, o projeto deve ser debatido e votado no dia seguinte. Em abril do ano passado, o plenário da Câmara rejeitou conceder urgência ao projeto, em sintonia com os interesses do então presidente Jair Bolsonaro.

PL das Fake News foi apresentado pelo senador Alessandro Vieira (PSDB-SE) e aprovado pelo Senado em 2020. A proposta chegou à Câmara em julho daquele ano. O relator do texto na Casa, deputado Orlando Silva (PCdoB-SP), afirmou ao Estadão que está debatendo o texto final com as bancadas e contou ter feito alterações após os recentes ataques às escolas no País. O relator se reuniu com a Meta, do Facebook, nesta sexta-feira, 21, e tinha um encontro previsto com o Twitter ainda neste sábado, 22.

O projeto incluiu uma sugestão do governo Lula para que as plataformas sejam obrigadas a cuidar de “conteúdos críticos”. As empresas, segundo o texto, precisariam atuar preventivamente sobre o que possa estimular ou disseminar crimes de abolição violenta do estado democrático de direito, golpe de Estado, atos de terrorismo e crimes contra crianças e adolescentes. “Foram introduzidos conceitos da lei europeia”, disse Silva. “Esse conceito de dever de cuidado prevê uma atenção ainda maior das plataformas digitais para crimes contra a infância.”

Até a noite desta sexta-feira, deputados resistentes à celeridade do projeto haviam solicitado a instalação de comissão especial. O pedido, assinado por Mendonça Filho (União Brasil-PE), requer um “adequado debate do tema” para a elaboração de um parecer sobre o projeto que institui a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. O requerimento recebeu apoio de outros 105 deputados, dos 513 da Casa. Do total, 52 são do PL, partido de Bolsonaro, 17 do União Brasil e dez do Progressistas, sigla de Lira. Deputados de outras oito legendas, como Republicanos, PSD, Podemos e Novo, também pedem a instalação do colegiado.

O deputado Orlando Silva afirmou que o projeto já foi discutido em “dezenas” de reuniões e audiências públicas com “todas as empresas interessadas”. Na avaliação do parlamentar, o requerimento visa retardar a votação. “Não vejo sentido (em passar por comissão). Uma coisa que não pode ser dita é que faltou debate nesse tema”, disse o deputado. “Os parlamentares que assinam esse documento fazem a serviço, principalmente, de uma reivindicação legítima das empresas, sobretudo das big techs, que querem que não seja votado.”

Mendonça Filho afirmou ao Estadão que não está querendo atrasar ou inviabilizar a aprovação do projeto. Segundo ele, seu propósito é “viabilizar um texto que não se transforme em lei da censura”.

A última versão do texto acolhe outra sugestão do governo Lula e prevê que o Poder Executivo poderá estabelecer uma entidade autônoma de supervisão para regulamentar e fiscalizar os provedores. A agência também poderia “instaurar processos administrativos e, comprovado o descumprimento das obrigações desta lei pela plataforma, aplicar as sanções cabíveis”.

O PL prevê que conteúdos noticiosos usados pelos provedores levem ao pagamento de remuneração às empresas jornalísticas. Os critérios, a forma para aferição dos valores, negociação, resolução de conflitos, transparência e a valorização do jornalismo profissional nacional, regional, local e independente ainda precisariam ser regulamentados.

Na terça-feira passada, onze entidades que representam o setor de comunicação do País e organizações jornalísticas defenderam o PL das Fake News. Na avaliação das associações, a proposta é uma forma de valorização do jornalismo “como antídoto aos efeitos dramáticos da desinformação e do discurso de ódio na internet”.

A remuneração da atividade jornalística pelas plataformas é considerada item fundamental do texto, na avaliação das entidades: “Pode ser um elemento decisivo para a formação de um ecossistema jornalístico amplo, diverso e saudável, capaz de se opor à difusão da desinformação e dos discursos de ódio. Tal ecossistema é essencial para a manutenção da própria democracia”.

No dia seguinte, três associações que representam o setor de tecnologia, como Meta, Twitter, Google e TikTok, divulgaram uma carta aberta defendendo a instalação da comissão especial, o que adiaria a votação. As empresas do setor afirmaram que “esforços de regulação de tecnologia são bem-vindos” e alegaram querer “ser parte da construção de uma legislação que responda de maneira eficiente e equilibrada a desafios públicos”. Segundo tais entidades, embora o PL tramite no Congresso há três anos, “ele é fruto de um processo tortuoso e fechado”.

O Google também divulgou manifesto público no qual diz que o projeto pode ser votado em regime de urgência “sem que a sociedade tenha tempo necessário para debater o tema com profundidade”.

Regras

PL das Fake News se aplica apenas a grandes provedores, todas as plataformas que tenham mais de 10 milhões de usuários em um ano. A proposta prevê que perfis “de interesse público”, como os de presidente da República, ministros, governadores, prefeitos e secretários, não poderão bloquear usuários em redes sociais. O agente político poderá ter mais de um perfil e terá de indicar qual é o profissional.

A proposta impede ainda que governos destinem recursos públicos para publicidade de sites e contas em redes sociais que recomendam ou disseminam atos ilegais. Quando as empresas tomarem conhecimento de qualquer informação que levante suspeitas de que ocorreu ou de que possa ocorrer um crime que envolva ameaça à vida, elas deverão notificar de imediato as suspeitas às autoridades.

Entenda o projeto das Fake News

  • O projeto de lei 2630/2020, também conhecido como PL das Fake News, pretende instituir a Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet.
  • A proposta pretende estabelecer regras, diretrizes e mecanismos de transparência para redes sociais, como Facebook, Instagram, TikTok e Twitter, ferramentas de busca, como o Google, serviços de mensageria instantânea, como WhatsApp e Telegram, e indexadores de conteúdo.
  • A lei vai alcançar plataformas que tenham mais de 10 milhões de usuários em 12 meses, incluindo empresas sediadas no exterior.
  • A legislação não será aplicada a empresas cujas atividades sejam: comércio eletrônico, realização de reuniões fechadas por vídeo ou voz, enciclopédias online sem fins lucrativos, repositórios científicos e educativos e plataformas de desenvolvimento e compartilhamento de software de código aberto.
  • As plataformas deverão “atuar preventivamente” em relação a “conteúdos potencialmente ilegais”. Deverão relatórios semestrais de transparência, disponibilizá-los na internet, em português, informando procedimentos de moderação de conteúdo.
  • As empresas que fizerem impulsionamento de propaganda eleitoral ou de conteúdos políticos precisarão disponibilizar publicamente todo o conjunto de anúncios, com valor e tempo de veiculação, por exemplo.
  • Os conteúdos jornalísticos usados pelas plataformas ensejarão remuneração às empresas jornalísticas.
  • O projeto prevê que perfis “de interesse público” como presidente da República, ministros, governadores, prefeitos e secretários não poderão bloquear usuários em redes sociais. O agente político poderá ter mais de um perfil e terá de indicar qual é o profissional.
  • A imunidade parlamentar se estenderá às redes sociais.
  • A Administração Pública não deverá destinar recursos públicos para publicidade em sites e contas em redes sociais que promovam, recomendem ou direcionem a discursos ilícitos.
  • As plataformas devem criar mecanismos para impedir o uso dos serviços por crianças e adolescentes, quando o serviço não for direcionado para a faixa etária.
  • Aplicativos de mensagens devem limitar a distribuição massiva de conteúdos e mídias.
  • Quando as empresas tomarem conhecimento de qualquer informação que levante suspeitas de que ocorreu ou que possa ocorrer um crime que envolva ameaça à vida, elas deverão informar imediatamente as suspeitas às autoridades.
  • Caso descumpram a lei, as plataformas podem sofrer até sete tipos de sanção, como advertência, multa, suspensão ou proibição de exercícios das atividades no País.
  • Promover ou financiar a divulgação em massa de Fake News pode levar à pena de 1 a 3 anos de prisão e multa.
  • O Poder Executivo poderá criar uma entidade autônoma de supervisão para regulamentar a lei, fiscalizar as plataformas, instaurar processos administrativos e aplicar as sanções.

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Com Estadão

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