Desde os primeiros relatos do aumento expressivo de número de crianças nascidas com microcefalia no Brasil, o Ministério da Saúde estabeleceu
uma força-tarefa para investigar a possível associação dos casos com o zika vírus.
Com o objetivo de fazer uma análise mais completa das características desta anomalia neurológica causada pelo vírus, um artigo coordenado por uma força-tarefa da Sociedade Brasileira de Genética Médica e publicado no semanário do Centro de Controle de Doenças dos Estados Unidos (CDC) reuniu 37 casos de microcefalia registrados durante a investigação, cujo resultado mostrou que de 35 bebês, 25 foram diagnosticados com microcefalia severa e dentre as mães, 26 relataram histórico de manchas vermelhas no corpo durante o primeiro ou segundo trimestre de gestação. O estudo é assinado por pesquisadores de diversas instituições brasileiras, seis deles do Instituto Nacional de Saúde da Mulher, da Criança e do Adolescente Fernandes Figueira (IFF/Fiocruz): Dafne Horovitz, Marcos Pone, Cynthia Pacheco, Claudia Neves, Sheila Pone e Patricia Correia.
A microcefalia resulta de um desenvolvimento anormal do cérebro, geralmente causado por infecções congênitas, alterações cromossômicas, além da exposição a drogas, álcool e outras toxinas ambientais, e suas consequências a longo prazo podem variar em graus variados de atraso do desenvolvimento motor e déficit intelectual. Com base no histórico do índice da malformação em crianças no país e os relatos dos altos números de bebês nascidos com microcefalia – quando o perímetro cefálico é duas vezes menor do que o padrão para o sexo e idade gestacional –, detectados a partir de setembro de 2015, foi gerado o alerta do Ministério da Saúde para uma possível relação com o Zika vírus, detectado na região Nordeste meses antes. O vírus, que é transmitido pelo mosquito Aedes aegypti – o mesmo transmissor da dengue e da chikungunya –, foi identificado no líquido amniótico de duas gestantes cujos fetos foram diagnosticados com a malformação durante o pré-natal.
O estudo reuniu um grupo de 37 crianças de diversos estados do país para avaliar o acometimento e sua provável relação com o Zika vírus. Dois bebês, no entanto, foram excluídos do conjunto, pois concluiu-se que a origem da condição não estava ligada ao vírus: um tinha uma alteração genética e o outro apresentou infecção por citomegalovírus.
Além das 26 (74%) mães de crianças com microcefalia que apresentaram vermelhidão no corpo durante o primeiro ou segundo trimestre, todas as mulheres confirmaram que, durante a gestação, moravam ou visitaram regiões onde há histórico de Zika vírus, incluindo aquelas que não tiveram manchas vermelhas ou outros sintomas característicos da doença. Além disso, 25 crianças foram diagnosticadas com microcefalia grave – com o perímetro cefálico três vezes menor do que o padrão para o sexo e idade gestacional; 17 (49%) tinham pelo menos uma anomalia neurológica; e dentre as 27 crianças submetidas a um exame de neuroimagem (tomografia ou ultrassonografia), todas foram diagnosticadas com algum tipo de anomalia em sistema nervoso central.
O estudo também mostrou que quatro (11%) bebês tinham contraturas congênitas (artogripose) e 11 (31%) registraram excesso de pele no crânio, o que, segundo a médica e geneticista do IFF Dafne Horovitz, sugere que o feto sofreu um estresse ainda no útero da mãe, interrompendo o seu desenvolvimento normal. Ainda de acordo com o artigo, o resultado dos testes em todo o grupo de crianças foi negativo quanto a sífilis, toxoplasmose, rubéola, citomegalovírus e herpes.
Segundo a médica geneticista Dafne Horovitz, os pesquisadores continuarão analisando novos casos, mas ainda há dificuldades. “É difícil detectar microcefalia no âmbito da saúde pública com os instrumentos de registro disponíveis, e a gente depende da descrição dos médicos. Quando o bebê nasce, marca-se apenas ‘sim’ ou ‘não’ na questão sobre malformações. Na declaração de nascido vivo não existe um espaço para o registro do perímetro cefálico”, explica. Além da questão do registro, os métodos laboratoriais para confirmação da infecção por Zika não estão amplamente disponíveis e não são os ideais para determinar se o caso configura de fato uma infecção congênita pelo vírus.
Devido às limitações, serão necessários mais estudos para confirmar a associação entre a microcefalia e a infecção por Zika vírus durante a gravidez, além de entender melhor se há outras adversidades que podem estar associadas à infecção. Enquanto isso, o Ministério da Saúde aumentou os esforços para eliminar os criadouros de mosquitos e fez novas recomendações para a proteção da população, principalmente em gestantes, como o uso de repelentes e calças e blusas de manga longa, redes de proteção em casa e ações para impedir que o mosquito se prolifere.
Fonte: Fiocruz / Nara Boechat