Sistemas de IA já são usados para detectar câncer de pulmão, como no projeto entre o Hospital Sirio Libanes e a Siemens Healthnieers Foto: Gabriela Biló/Estadão

Sistema movimenta hospitais, médicos e instituições ao apresentar potencial de uso com pacientes

Por Bruno Romani

Nos últimos 25 anos, a comunidade médica precisou aprender a conviver com o “Dr. Google”, graças ao papel que a ferramenta de buscas da gigante assumiu no esclarecimento de dúvidas de saúde. Agora, médicos, hospitais, pesquisadores e startups se preparam para a chegada de um substituto que promete ser ainda mais poderoso como “médico da família”: o ChatGPT, o chatbot turbinado por uma poderosa inteligência artificial (IA) da startup americana OpenAI.

O uso de IA na saúde não é exatamente uma novidade – áreas como radiologia, que trabalham com reconhecimento de imagens, já registraram avanços importantes. Hospitais e pesquisadores também pesquisam há anos maneiras de introduzir a tecnologia na rotina de médicos, pacientes e instituições – a ideia é que possam salvar vidas e trazer benefícios econômicos. Por exemplo: a ONG americana National Bureau of Economic Research estima que a ampla adoção de sistemas de IA pode fazer os EUA economizarem entre 5% e 10% do gasto anual em saúde – algo entre US$ 200 bilhões e US$ 360 bilhões.

Porém, o chatbot “esperto” da OpenAI jogou nova luz sobre a tecnologia, o que vem movimentando o mundo da saúde e forçando a comunidade médica a compreender o que fazer com a ferramenta. A julgar pelo interesse inicial, será muito difícil em um futuro próximo não frequentar um consultório que não tenha algum sistema do tipo.

Na segunda-feira 20, a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP) promoveu um simpósio sobre o ChatGPT, no qual especialistas de diferentes áreas da instituição apresentaram o potencial da ferramenta. A transmissão gratuita no YouTube chegou a comportar 1,5 mil espectadores simultâneos.

Entre as possíveis aplicações, parece haver consenso de que esses sistemas serão fundamentais na comunicação médica, algo que nem sempre ocorre da maneira mais suave entre profissionais e pacientes. “O ChatGPT pode comunicar sobre efeitos colaterais e uso de medicamentos, tratar de questões pré-exames e fazer orientações básicas de saúde. Ele pode ser uma unidade de interação básica com o paciente”, afirmou no evento Chao Wen, chefe da disciplina de telemedicina da faculdade.

Embora nos dias atuais muita gente rejeite a comunicação com chatbots básicos (como os de operadora de celular), a sofisticação do ChatGPT na criação de texto pode ter efeito contrário e gerar aproximação. “As pessoas tendem a acreditar mais na máquina quando elas apresentam características antropomórficas”, explica ao Estadão Alexandre Chiavegatto Filho, diretor do Laboratório de Big Data e Análise Preditiva em Saúde (Labdaps) da USP.

Assim, o nível de confiança cresce quando a IA se assemelha de alguma forma a uma pessoa, algo que o ChatGPT faz bem na construção de textos. Essa capacidade pode potencializar atos semelhantes aos de procurar informações de saúde no Google.

A relação direta com o médico também pode se beneficiar do chatbot. Com capacidade para gerar texto com destreza, o ChatGPT poderia preencher os prontuários, liberando tempo de consulta para que o profissional possa estabelecer uma relação mais próxima dos pacientes. Esse é um tópico que vem sendo explorado pela startup americana Nuance. Em parceria com a Microsoft, a empresa desenvolveu uma ferramenta do tipo, que utiliza o GPT-4, versão mais recente do “cérebro” do ChatGPT.

Batizada de Dragon Ambient eXperience Express (DAX), ela identifica as falas das de médicos e pacientes e preenche automaticamente o documento com sintomas e diagnósticos, fazendo um resumo da consulta – ele pode registrar até quatro horas de conversa. Interessados no sistema devem procurar a Nuance, já que o serviço ainda não foi disponibilizado publicamente.

A automatização vai além: “O ChatGPT pode ajudar a preencher os formulários de autorização de planos de saúde, o que também acelera a velocidade de atendimento”, diz Chiavegatto.

Por fim, a comunidade médica já consegue imaginar o ChatGPT como ferramenta para monitorar pacientes à distância, permitindo a gestão e o acompanhamento de tratamentos. Por exemplo, o chatbot poderia servir como lembrete para tomar remédios, além de registrar as ações tomadas pelos pacientes.

“Estamos em um ponto na saúde no qual os tratamentos estão se tornando insustentáveis por conta de custos. Não há outra opção que não seja contar com assistência por IA se quisermos dar às pessoas os cuidados médicos no nível que elas demandam”, afirma Mariano García-Valiño, CEO da healthtech Axenya – a startup tem uma solução que combina IA com uma equipe humana para monitorar pacientes com diabetes.

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Acompanhamento humano

De fato, ninguém imagina que sistemas inteligentes vão dispensar completamente o auxílio humano – pelo menos, não no curto prazo. O futuro deve envolver equipes médicas monitorando e filtrando aquilo que a máquina fala para os pacientes. “No final, quem ainda é responsável é o médico”, diz Giovanni Cerri, presidente do conselho de inovação do Hospital das Clínicas.

ChatGPT jogou luz sobre o potencial da IA na saúde  

As preocupações são bastante importantes. O ChatGPT é uma ferramenta para gerar texto a partir de modelos probabilísticos, o que significa que a qualidade do conteúdo não é a prioridade do sistema. Isso significa que ele demonstra certeza sobre qualquer fato – mesmo que a probabilidade de estar correto seja baixa. Além disso, o banco de dados usado no treinamento do sistema tem informações até 2021 – e não é específico da área médica.

“Talvez, no futuro, a gente possa imaginar algoritmos específicos de saúde, ligados a inteligências corporativas institucionais. Seria uma espécie de nuvem da saúde”, argumentou Wen no evento da FMUSP. Algoritmos capazes de olhar para bancos de dados focados em conhecimento médico estão no radar de quem desenvolve a tecnologia.

No ano passado, a Microsoft criou em caráter experimental o BioGPT, uma IA com tecnologia similar a do ChatGPT treinada com dados da literatura biomédica. Nos testes, o BioGPT superou outras IAs generalistas em tarefas de geração de textos relacionados à biomedicina.

Na quinta-feira 23, a OpenAI também revelou a capacidade do ChatGPT ter “plugins” – ou seja, agora é possível empresas conectarem bancos de dados específicos para que sejam consultados pelo chatbot, o que garante conhecimento específico apresentada com a linguagem fácil da ferramenta. Inicialmente, não há plugins de saúde na modalidade, mas o novo modelo prova ser possível um projeto do tipo.

Futuro

Especialistas apontam que uma grande revolução irá acontecer quando a saúde for abastecida por algoritmos preditivos. Ou seja, sistemas de IA que conseguem ler dados específicos de pacientes e diagnosticar doenças e prever a evolução de tratamentos. O ChatGPT não é capaz de fazer algo do tipo.

“São algoritmos muito complexos e que exigem muitos testes. “Na saúde, a resposta mais fácil não é a melhor. Respostas simplistas são muito raras”, afirma Chiavegatto. Ele, porém, aponta para a importância da ferramenta da OpenAI na abertura das fronteiras para a tecnologia.

“O ChatGPT trouxe holofotes para toda IA. Ele entra para a história por marcar a primeira vez que as pessoas estão ativamente procurando por um algoritmo”, diz.

Em editorial, a revista de ciência Nature apontou para a necessidade de toda a comunidade médica prestar atenção no tema. “O uso do ChatGPT e outros modelos de linguagem na saúde exigem consideração cuidadosa para garantir que existam proteções com usos potencialmente danosos”, diz o texto.

Com as devidas proteções, o potencial do novo “médico da família” promete ser enorme. “Modelos como o ChatGPT são uma oportunidade de expandir a capacidade humana, e não uma oportunidade para ser um atalho preguiçoso,” diz Chiavegatto.

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Com Agenda Capital e Estadão

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